domingo, 27 de outubro de 2013

Em busca do tango perdido

Buenos Aires  é  uma  das  capitais  mais  encantadoras  do  planeta.   Não  foi  feita  para ser conhecida  num  rompante:   "se hoje é  quinta feira de  manhã,  então  isso  aqui  deve  ser  a Recoleta".   Não!    Há  que  ser  sorvida  aos  poucos,   devagar como um bom vinho.  Há que caminhar por suas entranhas e percorrer suas veias onde circula a energia secular do Tango.

Recoleta, Centro de Exposições ao lado da Universidade de Buenos Aires.
Aqui foi a sede principal do Festival Mundial de Tango. 

Quando o barco se desviou de Puerto Madero, pegando o rumo leste, não sabia ainda que seríamos jogados num bairro industrial decadente, entre o Centro e a Boca. "Por isso que a passagem era mais barata", concluí depois. Graças a nosso diferencial descolado, saimos caminhando pela rua, atrás de táxi, ao contrário das dezenas de passageiros cheios de mala, que ficaram na porta do ponto de desembarque. Não tínhamos um puto tostão em peso, mas, sabíamos o endereço do Hostal Circus e a certeza de que encontraríamos o tango perdido. Se ele não surgisse inesperadamente em alguma esquina de San Telmo, estaria nos aguardando na Recoleta,   onde  está  o  Centro  de  Exposições,   local da sede principal  do Festival Mundial de Tango de Buenos Aires. 






Está comprovado que o Tango era música de "marginais e prostitutas". Esta verdade histórica já não escandaliza nem o arcebispo de Buenos Aires.   As origens também são conhecidas: a batida milongueira saudosista dos criollos vindos do pampa para tentar a sorte na capital,  o isolamento dos imigrantes operários italianos e alemães, trazidos para construir a grande metrópole e abandonados à própria sorte em bairros sem qualquer recurso urbano, obrigados a construírem suas casas a partir de sobras de mercadorias e dos próprios navios velhos abandonados, o que faria com que as edificações ao largo da Boca do rio Riachuelo tivessem o colorido de várias tonalidades, de acordo com os materiais imprestáveis recolhidos pelos moradores, o que faria da Boca um festival de cores tão extraordinário quanto o magnífico tango que lhe rende homenagem. 




No início, o tango também estava intimamente associado ao Candombe, a música dos escravos negros (sim, a Argentina também teve escravos negros, mas, isso já é outra história).  Dessa mistura extraordinária nasceu o Tango. O certo é que não se tratava de música que as famílias de bem olhassem com bons olhos. A forma de dançar, por exemplo, era tão sensual que apenas as mulheres da prostituição a aceitavam, e talvez venha daí a lenda de que os portenhos dançavam homem com homem. E era verdade, pelo menos nas vilas ao longo do Rio de la Plata. Também corre como anedota a afirmação de que o bandoneon saiu da igreja para entrar na putaria. Com todo respeito, isso também é verdade, pois os imigrantes alemães praticavam seus ritos religiosos ao som desse instrumento estranho, que parece uma sanfona pequena e de fole comprido. Ele acabou substituindo a flauta, instrumento que fazia os solos musicais nos antigos primeiros tangos.   Depois de quase um século e meio de história, o tango continua atual como nunca. 

Milhares de duplas do mundo inteiro disputam o título de Campeões Mundiais

Festival Mundial de Tango de Buenos Aires mostrou que esta cidade respira Tango por todos os poros. Variadas localizações foram utilizadas para agregar admiradores  vindos do mundo inteiro. Vimos apresentações de uma orquestra sueca, tocando um estilo absolutamente inimaginável, muito próximo do jazz, assim como vimos também apresentações de velhos músicos e compositores argentinos históricos, ainda vivos e atuantes aos oitenta e poucos anos de idade. E uma incrível competição para a escolha do melhor casal bailarino de Tango, envolvendo duplas do mundo inteiro, do Japão aos Estados Unidos, passando pela Europa e todo o bom gosto que o velho continente dedica a este ritmo secular. E tudo de graça, sem gastarmos um daqueles tostões furados!  




Os vencedores da etapa Rússia 
se apresentam em Buenos Aires

Um comentário:

  1. Bela cronica e como deixar passar desapercebida. Realmente BAires é igual a vinho tem q ser degustada pouco a pouco, parabens

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