Rua São Pedro, Alto Cabral, Curitiba-PR |
Por aquele tempo andávamos lendo a obra literária de Érico Veríssimo. Dentro da série "O Tempo e o Vento" existia um romance de aventuras gauchescas chamado "Um certo capitão Rodrigo", contando a história de um gaudério galanteador e valente. Sua saudação pessoal quando adentrava as bodegas e canchas de tropeadas era sui gêneris: "Buenas e m'espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!" Eu pensei lá com os meus botões de vinte e poucos anos de idade: "Que belo nome para se colocar num piá". E o piá nasceu logo em seguida, no ano de 1977, mes de abril, iniciando os trabalhos pela madrugada e terminando às tres horas da tarde do dia 29. Já começava fazendo justiça ao lendário nome.
Igreja do Alto Cabral, à duas quadras da Rua São Pedro, em Curitiba-PR |
Veio ao mundo conforme a tradição indígena guarani de sua mãe. O médico doutor Moisés Paciornick e sua clínica faziam pesquisas sobre o modo das mulheres guaranis terem os filhos no meio da mata, nos tempos de antigamente, antes da medicina tornar o parto um fenômeno hospitalar. Sem abrir mão dos confortos e segurança da medicina moderna, começou a praticar a tradição milenar indígena, adaptadas a uma sala com teto azul de estrelas pintadas à meia luz, som de música barroca, tapetes e almofadas macias. Não sei como foi a experiência do ponto de vista feminino, mas, para mim foi uma meditação transcedental, não tivesse que ficar acordado e atento por 12 horas seguidas. Quando se permitiu ser recebido pelas mãos do doutor Cláudio Paciornick, verificou-se que estava em perfeito estado físico. Ainda não sabíamos que seria este gênio divulgador da alimentação natural sem qualquer indício de matéria animal, professor de línguas e costumes éticos, aventureiro motociclista e filósofo existencialista dos mais aproveitáveis para o bem da humanidade.
Dia seguinte voltamos para nossa casa no Alto Cabral, que, afinal, nem era tão alto assim. Mais estranho ainda é que nunca existiu um "baixo cabral", uma vez que entre aquele nosso bairro e o Passeio Público de Curitiba só existia o chique bairro de Juvevê, com suas mansões e jardins da burguesia ostensiva. Nossa rua tinha nome de santo e apóstolo, São Pedro, e nosso muro dos fundos dava para o centro de ensino de veterinária e agricultura da UFPR. Era um imenso campo habitado por pinheiros centenários, entre os quais circulavam cavalos de raça árabe. As noites eram tão escuras que eu tinha medo de olhar para o lado do fundo, pois corriam boatos de fantasmas dos antigos camponeses, expulsos para instalação do centro de ensino. Em compensação, a lua quando cheia iluminava os pinheiros e fazia produção de sonhos guaranis, enquanto eu sonolento balançava o berço da criança nas noites iniciais, mesmo sabendo que no outro dia o batente seria pesado. Fazer o quê? Éramos tres pés vermeios perdidos na capital coxa branca, sem dinheiro para extravagâncias como babás.
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