quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Hai Kai





Vocês certamente conhecem, ou pelo menos já ouviram falar, da tradição japonesa de fazer poemas em tres versos curtos e carregados de profunda reflexão. São os Hai-Kais, a poesia dos samurais japoneses, que viviam para as grandes aventuras, quando não estavam guerreando em nome de sua tribo. Nos tempos de paz, viajavam pelo Japão inteiro, indo a lugares onde o japonês comum, trabalhador e chefe de família, nunca pensaria alcançar. Os filmes de Akira Kurosawa estão cheios desses audaciosos guerreiros. Eis um belo hai-kai feito pelo samurai Matsuo Bashô, por volta de 1600.

Eu vou
   Você fica
       Dois outonos”

Aqui fica clara a dor e a tristeza do guerreiro ao ter que se despedir de um grande amor, a fim de seguir sua sina de caminhador errante, em nome do chefe de seu clã, o mesmo que patrocina sua vida e suas aventuras. Seria fácil desistir e simplesmente ficar junto da amada, constituir um lar, gerar filhos, consolidar uma família, enfim,  mandar sua missão para a casa do baralho. Mas, isso não lhe é possível. Ele foi programado desde tenra idade para ser guerreiro. Até suas orelhas foram cortadas e condicionadas a serem completamente diferentes dos homens comuns, para que sua condição de samurai seja logo reconhecida. Assim, o cidadão mediano já saberá que não deve afrontá-lo ou entrar em confronto com esse verdadeiro sacerdote da guerra, treinado para a luta desde que nasceu.  A liberdade de seguir a trilha que escolheu acabou virando sua prisão, pois não pode simplesmente não ir. É mandatória a sua sina de perambular. Quantos amores iguais já perdeu na vida? O que resta dos sonhos de glória e felicidade, se ele não pode sequer ter uma companheira para amar? Sem dúvida, seu futuro será a velhice solitária e possivelmente pobre, assim que suas forças já não servirem ao chefão. Já não lhe restarão admiradoras que por ele se apaixonem. Mesmo assim, seguirá lutando vida afora, mesmo na solidão da velhice. Sua sina de guerreiro é interminável.

E tudo isso em apenas seis palavras curtas. A essência do hai kai são tres versos que sintetizam uma verdade profunda, de cunho pessoal ou filosófico. O estilo está espalhado pelo mundo inteiro. Antigamente as regras eram muito severas, mas, hoje já não se respeita a formatação usada nos tempos dos samurais, até por que eles não existem mais, a não ser como rebeldes sem causa, que não encontram seu caminho no mundo e vivem galdereando pelas planícies ressequidas de suas vidas sem prumo.  Paulo Leminski foi um desses, embora tenha nascido filho de polacos e vivido toda sua vida na polaca Curitiba.

"Chutes de poeta
   não levam perigo
      à meta"

Muitos outros poetas continuam fazendo Hai Kais no Brasil, sem serem necessariamente rebeldes ou perdidos no mundo. Clarice Linspector e Millor Fernandes fizeram haikais, só para citar dois  grandes escritores do passado.  A maior concentração de poetas de hai kais está nas comunidades de forte influência japonesa, tais como as do norte do Paraná e do bairro da Liberdade, em São Paulo. Veja só este, feito por um escritor de Londrina :

"Engraçada a vida
   quanto mais carma
      mais cumprida"

Se entendermos "carma" como o jeitão dos "pé vermeio" londrinenses de falar a palavra "calma", poderíamos entender que quanto mais calma, ou seja, quanto mais zen se leva a vida, mais comprida, ou mais prolongada ela será. Portanto, quanto mais calma, mais comprida a vida. Por outro lado, se entendermos "carma" como destino, poderíamos ler que quanto mais o destino nos reserva, mais tarefas teremos a cumprir pela vida afora. Portanto, quanto mais Karma, mais cumprida a vida, no sentido de "missão cumprida"... É um brilhante jogo de palavras usando o jeitão dos caipiras do norte do Paraná. Cheio de imigrantes japoneses. E notas dissonantes.



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