Inaugurada em 1884, foi construída por escravos para transporte ferroviário de café. Era ponto de assalto aos mascates libaneses que cruzavam a região com suas mercadorias. Diz a lenda popular que nas noites de lua cheia, é possível ouvir os gritos dos escravos e mascates mortos. A ponte é mal assombrada. O último trem passou em 1963 |
--- Olha só, merrrrmão, até os quarentinha eu fui motorista de táxi no Rio de Janeiro. Cada vez que saia para o trabalho, beijava mulher e filho, fazia uma reza pra São Jorge e outra para meu orixá, por que não sabia se voltava ou não. Vivia em extresse total, já nem trabalhava de noite. Aqui em Conservatória, durmo de casa aberta, sou amigo de todo mundo, ganho o dobro, ainda comprei minha casinha com a grana da venda da licença do táxi carioca: 140 paus. Paguei 4 paus aqui, mais 28 mil pelo carro. Percebeu a diferença?
Sim, eu havia percebido. Também tinha notado que sua nova companheira era gordinha, como ele. Devem passar bem, mesa farta. Só naquele sábado, faturou comigo 90 paus num passeio de manhã à Serra da Beleza, que, afinal, estava com neblina e não vimos nada, mais 130 paus na visita a uma típica fazenda de café do século XVIII, ainda ativa. Além disso, fez incontáveis viagens da Pousada d'Amora, onde estávamos, localizada numa elevação braba, até o centro da cidade, levando ou trazendo os velhinhos do coral, pois todos queríamos passear, ouvir serestas, chorinhos e beber muita cerveja, por suposto.
Conservatória é uma pequena cidade a 150 quilômetros da capital, Rio de Janeiro. Está a meio caminho entre Petrópolis e Volta Redonda, num roteiro pouco conhecido pelo restante do país. Sua população é basicamente formada de exilados urbanos da metrópole, cansados dos assaltos, da barbárie e da barulheira. Na maior parte já retirados, na terceira idade, ou sujeitos em idade madura como o taxista Leonardo, um filho de 28 anos que está vindo morar com ele em Conservatória, e uma filha ainda garotinha, produto de sua segunda relação matrimonial. Poucos jovens na cidade, mas, os poucos que ficam não reclamam de letargia. A vida é animada, com as tradicionais rodas de samba e serestas, a especialidade da aldeia, além da típica cultura caipira, mistura de paulistas caboclos e sertanejos mineiros. Não fosse pelo sotaque inconfundível dos cariocas, poderíamos jurar que estamos no interior de Minas Gerais, com sua vida mansa e pacata, fogões a lenha preparando as mais deslumbrantes maravilhas da cozinha brasileira. Herança dos tempos das grandes fazendas coloniais, as primeiras a produzirem café para exportação, ainda no primeiro reinado, que sobreviveram no fausto e riqueza até que a mão de obra escrava foi liberta pelo ato impensado da Princesa Isabel. Os coronéis e capitães mata-gente não sabiam trabalhar sem escravos. Não estavam acostumados a contratar assalariados, como os imigrantes italianos que expandiam a cafeicultura pelo interior de São Paulo.
O "Túnel que Chora" também foi construído por escravos |
A partir de 1900, as fazendas da serra fluminense da região de Valença entraram em decadência. As poucas que sobreviveram, mudaram a atividade para a criação de gado, por que plantar e colher café em morro não é mole! Algumas ainda aceitam visitantes, em grupos de até 100 turistas, para mostrar seus segredos centenários, suas casas grandes com dezenas de quartos e salas de todo tipo, algumas preparadas para receber até o Imperador, ver as instalações destinadas aos forasteiros menos nobres, mascates e negociantes, e banheiros internos sem água corrente (arre!). Existem até capelas internas homenageando os santos padroeiros da propriedade, guarnecidas com todos os paramentos e equipamentos de uma igreja, onde se batizaram gerações de coroneizinhos e futuras madames. Pode-se ver também as áreas íntimas destinadas à família, de onde as mulheres pouco saiam. Mas, todos apreciamos mesmo foram as cozinhas, onde se come do bem bom e se bebe cachaça feita ali mesmo.
Típica casa grande de uma antiga fazenda de café |
A tradicional serenata é realizada nas noites de sexta-feira e sábado. Os músicos e cantores se encontram no Museu do Seresteiro e seguem noite adentro, juntos ou separados, parando de bar em bar ou nas esquinas mais badaladas. No final de semana que ficamos aqui, a cidade estava lotada, com os milhares de cantores que participavam do Festival de Corais, já em sua nona edição. Éramos o único coro catarinense no festival e certamente estávamos entre os maiores e, dizem, os melhores. Fizemos realmente um sucesso extraordinário, nós do Vozes de Santa Catarina, reunindo perto de 70 cantores das agremiações regidas pelo maestro Robson Medeiros Vicente.
Vozes de Santa Catarina fez grande sucesso ao se apresentar na igreja matriz |
Amavolovolo, um mantra Zulu
Premonição de nosso maestro sobre o que sucederia em seguida com Nelson Mandela?
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Torneró, grande sucesso popular da música italiana
Robson e Jardel arrasam. Tiveram que cantar isso mais duas vezes depois, na serenata.
Robson e Jardel arrasam. Tiveram que cantar isso mais duas vezes depois, na serenata.
Amigo,
ResponderExcluirConservatória é um lugar que tem me chamado há muito tempo e eu não tenho atendido. Preciso ir lá. Quando vou de carro para Tombos passo por perto, pois fica logo depois de Volta Rendonda quem vai para Três Rios.
Sua obra de arte me fez lembrar desse compromisso comigo mesmo.
Um grande abraço
Filmado pelo Carlos. Muito bom. Gostei das observações no rodapé dos vídeos.
ResponderExcluirSuely Pedroso Riskala (Itajaí-SC)
Parabéns por sua crônica muito em escrita, esclarecedora da história daquele lugar. Foi muito bom ter participado do Coral e por conseguinte do encontro. Uma beleza. Abraço.
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