quinta-feira, 18 de setembro de 2014

DESOLAÇÃO





Pouquíssimas pessoas no Brasil conhecem a obra de Bob Dylan. Nós demos azar, por que estávamos sobre a censura prévia da ditadura militar, bem na época em que ele mais criou e encantou o mundo com sua poesia rascante, a denunciar injustiças sociais com sua língua ferina, afiada sobre um desconcertante lirismo, que às vezes se aproxima do misticismo e em outras sugere non-sense.  Ele é uma espécie de herói de minha juventude, por que naqueles anos sessenta, em que me formei para a vida, o senhor Robert Zimermann  era uma  das principais influências políticas na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, o que me parecia perfeitamente alinhado com a luta por liberdades democráticas no Brasil, submetido àquela estúpida e cruel ditadura militar, patrocinada justamente pelos senhores da guerra estabelecidos no mundo, os dirigentes norte americanos contra os quais o poeta exercia sua militância literária e vivencial.

Ninguém pode querer entender Dylan ao pé da letra. Se assim for, não vai entender o que ele de fato quis dizer. Ele é uma espécie de Guimarães Rosa, pois inventa palavras; é letrista mais difícil de ser traduzido. Entender Dylan, guardadas as devidas proporções, é como entender Charles Chaplin. Infelizmente poucas pessoas conseguiram entender o que eles de fato quiseram dizer. 


Eu considero o cantor Bob realmente muito inferior ao poeta Dylan, codinome que usou para inspirar-se no inglês Dylan Thomas, seu contemporâneo, que escrevia versos inspirados sobre a vida das pessoas simples e dos caminhantes pelas estradas do mundo, sem nenhuma preocupação de ordem política ou social, temas que o discípulo Bob incorporou ao seu repertório. O Dylan inglês morreu de alcoolismo aos 39 anos de idade, mas, o judeu norte americano está até hoje correndo o mundo e, aos 78 anos de idade, não consta estar programando alguma aposentadoria.  

Apesar de não ser um brilhante cantor, em algumas oportunidades Dylan canta com voz profissional, que, se não chega a ser um Elvis, pelo menos não deixa distância dos cantores do blues. Quando sua doçura vocal se mistura com os poemas românticos ou épicos, não há como não se emocionar. Ouçam essa canção sobre ser eternamente jovem, que é uma ambição humana recorrente,  e me digam se não tenho razão!





Forever Young
May God bless and keep you always
May your wishes all come true
May you always do for others
And let others do for you
May you build a ladder to the stars
And climb on every rung
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young

May you grow up to be righteous
May you grow up to be true
May you always know the truth
And see the lights surrounding you
May you always be courageous
Stand upright and be strong
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young

May your hands always be busy
May your feet always be swift
May you have a strong foundation
When the winds of changes shift
May your heart always be joyful
May your song always be sung
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young
Jovem para sempre
Que Deus te abençoe e te acompanhe sempre
Que seus desejos se tornem realidade
Que você sempre faça para os outros
E deixe que os outros façam por você
Que você construa uma escada para as estrelas
E suba cada degrau
Que você fique jovem para sempre
Jovem para sempre, jovem para sempre
Que você fique jovem para sempre

Que você cresça para ser justo
Que você cresça para ser verdadeiro
Que você sempre saiba a verdade
E veja as luzes ao seu redor
Que você seja sempre corajoso
Fique em pé e seja forte
Que você fique jovem para sempre
Jovem para sempre, jovem para sempre
Que você fique jovem para sempre

Que suas mãos estejam sempre ocupadas
Que seus pés sejam sempre rápidos
Que você tenha uma base forte
Quando os ventos das mudanças voltarem
Que o seu coração seja sempre feliz
Que sua canção seja sempre cantada
Que você fique jovem para sempre
Jovem para sempre, jovem para sempre
Que você fique jovem para sempre




Link: http://www.vagalume.com.br/bob-dylan/forever-young-traducao.html#ixzz3DlQ5dTa2


Por outro lado, quando Dylan entra em contacto com suas origens caipiras, passa a incorporar a pronúncia cow boy e a interpretar como se estivesse no lombo de um cavalo, atravessando a grande planície central norte americana numa aventura de cavaleiro andante, como nessa linda canção de letra incomparável, que já o levou a ser indicado para o Prêmio Nobel de literatura.






Soprando no Vento

Quantas estradas um homem precisará andar
Antes que possam chamá-lo de homem?
Quantos mares uma pomba branca precisará sobrevoar
Antes que ela possa dormir na areia?
Sim, e quantas balas de canhão precisarão voar
Até serem para sempre banidas?

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando no vento

Sim, e quantos anos uma montanha pode existir
Antes que ela seja dissolvida pelo mar?
Sim, e quantos anos algumas pessoas podem existir
Até que sejam permitidas a serem livres?
Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça
E fingir que ele simplesmente não vê?

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando no vento

Sim, e quantas vezes um homem precisará olhar para cima
Antes que ele possa ver o céu?
Sim, e quantas orelhas um homem precisará ter
Antes que ele possa ouvir as pessoas chorar?
Sim, e quantas mortes ele causará até saber
Que pessoas demais morreram

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando no vento







No entanto, em termos de cidadão do mundo, nada supera sua apresentação em Berlin oriental, antiga Alemanha comunista, com seu mega sucesso filosófico existencial em 1986. 






Fileira da Desolação

Estão vendendo cartões postais sobre o enforcamento
Pintando os passaportes de marrom
O salão de beleza está lotado de marinheiros
Um circo está na cidade
Lá vem o comissário cego
Eles o mantém em um transe
Uma mão amarrada ao equilibrista 
que caminha pela corda bamba
A outra está na sua calça
E o batalhão de choque está inquieto
Precisando urgentemente de um lugar para ir
Enquanto Lady e eu olhamos lá de fora
Dentro da Fileira da Desolação.

Cinderela, ela parece tão tranquila
Precisa ser uma para se reconhecer numa?, ela sorri
E coloca suas mãos nos bolsos de trás
Ao estilo de Betty Davis
E entra Romeo, ele está gemendo
"Você pertence a mim, eu acredito ainda"
E então alguém responde, 
"Você está no lugar errado, meu amigo
É melhor cair fora!!!"
E o único som que permanece
Depois que as ambulâncias estridentes partem
É Cinderela chorando
Na Fileira da Desolação.

Agora a lua está quase escondida
As estrelas começam a se apagar
A velha cartomante
Inclusive já recolheu todos os seus objetos para dentro
Tudo menos Caim e Abel
E o corcunda de Notre Dame
Todo mundo no festival está fazendo amor
Ou esperando a chuva cair
E o Bom Samaritano, ele está se vestindo
Ele está se preparando para o show
Ele vai ao carnaval esta noite
Na Fileira da Desolação.

Agora, Ofélia, ela está perto da janela
Por ela eu temo tanto
Em seu vigésimo segundo aniversário
Já é uma velha solteirona
Para ela, a morte é algo romântico
Ela veste um colete de ferro
Sua profissão é sua religião
Seu pecado é sua falta de vida
E embora seus olhos estejam fixados sobre
O grande arco-íris de Noé
Ela gasta seu tempo olhando
Para a Fileira da Desolação.

Einstein, disfarçado de Robin Hood
Com suas memórias em seu porta-malas
Passou por aqui uma hora atrás
Com seu amigo, um monge invejoso
Ele me pareceu tão imaculadamente assustador
Enquanto filava sorrateiramente um cigarro
Então ele seguiu cheirando sua própria podridão
E recitando de cor o alfabeto arcaico
Agora, você sequer pensaria em vê-lo atuando
Mas ele já foi famoso há muito tempo
Por tocar o violino elétrico
Na Fileira da Desolação.

Doutor Sujeira, ele mantém seu mundo
Dentro de uma grande taça de couro
Mas todos os seus pacientes estão brochas
E tentam explodi-lo em desespero
Agora sua enfermeira, uma pobre moça local
Está no comando do poço de cianeto virtual
Enquanto aponta para as cartas em que se lê
"Tenha misericórdia de sua alma"
Ao lado, todos brincam com os apitos baratos
Você pode ouvi-los soprar
Se esticar sua cabeça pra fora o suficiente
Na Fileira da Desolação. 

Atravessando a rua, eles abriram as cortinas
Estão se preparando para o festim
O Fantasma da Ópera
A imagem perfeita de um padre
Estão alimentando Casanova, de colher
Para que ele se sinta mais confiante
Então, eles o matarão com autoconfiança
Depois de envenena-lo com palavras, sim!

E o Fantasma está gritando para as meninas magricelas
Saiam daqui, vocês não sabem, mas ,
Casanova está sendo punido por ir
Para a Fileira da Desolação.

Agora à meia noite todos os agentes
E a equipe sobre-humana
Saem e tratam de reunir todos
Os homens que sabiam mais do que eles
Então os levam até a fabrica
Onde a máquina de ataque cardíaco
Está amarrada nos ombros de uma pessoa
E então o querosene
É trazido dos castelos antigos
Por homens da previdente seguradora
Checam para ver se ninguém foge
Da Fileira da Desolação

Louvado seja o Netuno de Nero
O Titanic navega ao poente
E todos estão gritando
De Que Lado Você Está?
E Ezra Pound e T. S. Eliot
Estão lutando na torre do capitão
Enquanto os cantores de Calipso estão rindo deles
E pescadores seguram flores
Entre as janelas do mar
Onde as amáveis sereias fluem
E ninguém precisa pensar muito
Sobre a Fileira da Desolação

"Sim, eu recebi sua carta, ontem
(sobre a ocasião em que a maçaneta da porta quebrou)
E quando me perguntou como eu estava indo
Era algum tipo de gozação?

Todas essas pessoas que você menciona
Sim, eu as conheço a todas, são todos meio toscos
Eu (na verdade) tive que rearrumar seus rostos
E dar a todos um outro nome diferente.

Agora, não consigo mais ler muito bem.
Só peço que não me mande mais cartas, não!
A não ser que você as envie de dentro
Da Fileira da Desolação.

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