A primeira recordação que tenho de Curitiba é de 1955, andando perdido pelas bancas de frutas do Mercado Público. Nós dormíamos no caminhão onde meu pai trazia abacates e bananas do norte do Paraná. Enquanto ele apregoava seus produtos para a pequena multidão de comerciantes que se formava todas as madrugadas na frente do Mercado, eu saí da cabine e me perdi no meio de tanta cor. Tudo não passou de um grande susto!
Algum tempo depois, eu voltava para a capital, agora agregado à família de minha tia Cida, numa casa de madeira no bairro do Boqueirão. Passava os longos dias caminhando pelas ruas empoeiradas da terra branca dos bairros pobres, vendendo panelas e ouvindo Lay Lady Lay no radinho de pilha. Mais ouvia do que vendia, é verdade ...
Fiquei nesta labuta até cumprir o chamado do serviço militar. Meu destino era ser infante no 20º RI do Bacacheri, onde cheguei num mês de abril chuvoso e frio. Disse para meus botões: "aqui não fico!", e fui me apresentar ao capitão médico, alardeando minha experiência em escritórios de contabilidade. "Eu preciso mesmo de alguém para organizar essa bagunça", recebeu-me o capitão médico encarregado de encaminhar aqueles milhares de recrutas, de acordo com as aptidões físicas e intelectuais de cada um. Sabendo que o tesouro estava no final da fila, fui adiando minha própria situação, até que o capitão me ofereceu um café quente e perguntou o que eu queria fazer da minha vida.
--- "Quero ir para o Rio de Janeiro", disse, resoluto.
O capitão explicou-me que aquilo seria uma loucura, que iria perder um ano da minha vida, se é que voltasse com vida, pois eu não imaginava o inferno no qual estava entrando. Mas, eu não abri mão.
--- "Se o senhor achar que eu não sirvo e quiser mandar-me de volta pra casa em Maringá, tudo bem, mas, saiba que pelo meu querer eu quero servir na polícia do exército do Rio de Janeiro".
Aquilo era uma decisão maluca e eu iria muito me arrepender, ele dizia para minha cabeça dura de 18 anos de idade, mas, faria o meu gosto. E assinou minha incorporação.
Um ano e meio durou minha iniciação artística, digamos assim, por que eu fiquei para a última baixa, pela insubordinação de ter-me recusado a levar um balde de água para ser jogada sobre o corpo de um "subversivo" pendurado no pau de arara, quando eu tirava guarda no presídio do quartel, que havia sido terceirizado para acolher os convidados do DOI-CODI.
De volta a Curitiba, penei mais uns dois ou três anos, agora já melhor instruído nas artes da vida, até que passei num concurso da companhia estadual de energia e tornei-me aprendiz de programador de computador. Nada mal para alguém cuja única chance era tornar-me segurança ou auxiliar contábil.
Morei em "tanta casa que já nem me lembro mais", mas da primeira nunca esqueci. Uma casinha de fundos no bairro místico das Mercês.
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