Eis o meu "relógio das memórias". Trata-se de um exercício de criação literária, onde cada hora do ciclo de 1 a 12 corresponde a um evento marcante na vida da pessoa.
HORA 1 - Em 1951, quando nasci em janeiro, o norte do Paraná era um grande mar verde. O mar a que me refiro não era propriamente feito de água salgada, mas das folhas de milhões de pés de café. Por isso, costumo brincar que quase nasci debaixo de um pé de café. Parece que o nome Maringá foi dado pelos caboclos nordestinos, saudosos de sua terra e trazidos a trabalhar na derrubada da mata, para implantação das lavouras de café.
HORA 2 - Em 1958, iniciei minha vida escolar, quando Maringá ainda era
uma pequena cidade, fundada que foi oficialmente apenas 11 anos antes. Era
então chamada de "cidade menina" e seu hino ainda mandava
"admirar a floresta". Minha mãe dizia "Eles são
adventistas, mas você é católico. Nunca reze nada do que eles
rezam". Quando me matriculou naquela escola adventista, minha mãe foi
muito clara quanto às diferenças entre eu e meus coleguinhas daquela escola
masculina. Nunca lhe perguntei as razões daquela restrição, mas, não é difícil
imaginar as penúrias por que passei. A professora tinha que me dispensar quinze
minutos antes do fim da aula, para dar tempo de eu ganhar boa distância da
“piazada” que vinha atrás, para me pegar. Hoje, eles chamam isso de
alucinação, sonorização, ventriculação, assédio moral, pôxa, parece que
esqueci o nome. Não deve ser importante! O bom é que estávamos entre
cristãos; e a diretora da escola achou que tinha que tomar uma
providência. E tomou. Foi à minha casa e disse explicitamente para minha mãe
que procurasse outra escola para seu filho...
HORA 3 - Em 1964, numa viagem de trem para a casa dos meus avós,
encontrei a coisa mais linda que já tinha visto na face da Terra. A aparição
angelical vinha guiada pelas mãos de um adulto, provavelmente seu pai ou tio.
Nunca soube, por que nunca falei com a doce garota vestida de mini saia num
estampado xadrez. Só me lembro que ela ficou hospedada numa família que morava
ao lado da casa de minha tia, onde eu passava o maior tempo possível naquela
estadia com os meus avós, a olhar para a vizinha. Nunca tive coragem de lhe
falar. Alguns dias depois, ela se foi para sempre, sem me dizer nem
"tchau, quem sabe a gente se encontra lá em Maringá?" Haaa, quanto eu
sonhei encontrá-la depois...MAS, ISTO NUNCA ACONTECEU.
HORA 4 - Em 1965, um ano depois do primeiro desencontro afetivo, comecei
a trabalhar. Em casa, instalou-se uma pequena confusão. Meu pai considerava
que, já estando alfabetizado, eu já tinha educação suficiente. Pelo menos
aquela necessária para ajudá-lo nas tarefas de comprar e vender sacos de café,
feijão, arroz e todo tipo de coisas que ele comprava nas fazendas e as levava
de caminhão até Maringá, para vender aos processadores de grãos. Mas, minha mãe
tinha outros planos e dizia alto e bom som "o menino vai ser gerente de
banco". Atualmente, pode não ser grande coisa, mas, em 1965 era o sonho
pequeno burguês de toda família pobre: encaminhar seu filho para um
concurso bem sucedido no Banco do Brasil. Não preciso dizer que ela ganhou a
parada, ao encomendar a seu irmão, meu tio, que tinha boas relações comerciais
na cidade, que me arranjasse um emprego de office-boy. Para minha sorte, meu
primeiro emprego foi no escritório de contabilidade de um "italiano"
de Concordia-SC, que também era meu professor de música no ginásio. Em alguns
finais de tarde, ele recebia a visita do compositor do hino de Maringá, um
italiano legítimo de Florença, e outro italiano de Veneza, este contador da
Rede Paranaense de Rádio, que depois veio a ser o meu segundo emprego. Os três
eram ótimos cantores. Eles ficavam tomando whiskie e cantando, enquanto eu me
demorava o máximo na faxina do final do expediente. Talvez por isso, tenha
permanecido em mim tanto gosto pessoal pelas duas atividades artísticas, canto e faxina.
HORA 5 - Em 1969, eu já estava no terceiro emprego, trabalhando como
auxiliar administrativo numa agência-gravadora de jingles, onde também aprendia
as técnicas de propaganda. Foi ali que coloquei na cachola que iria ser
escritor, ao observar a vida boa do único redator da agência. Imaginei uma
estratégia perfeita para tornar-me escritor: engajar no exército. Mandei-me
para a casa de uma tia em Curitiba, para fugir de Maringá,
muito pequena para meus sonhos de grandiosidade. Em Curitiba, usei como arma
minhas habilidades de redator e datilógrafo, oferecendo-me voluntariamente para
auxiliar a equipe que fazia a distribuição dos recrutas da região, instalados
no 20º RI, no Bacacheri. Uns ficavam por ali mesmo, outros mais fortes ou
habilidosos eram destinados a Brasília ou ao Rio de Janeiro. Fui deixando minha
própria classificação para o final. Até que o capitão me chamou e disse:
"Muito bem, agora vamos tratar deste rapazinho. Vai querer voltar para
casa, certo?". Eu respondi sem titubear: "Quero ir para o Rio
de Janeiro". Ele me alertou que eu ainda iria muito me arrepender, por que ser Policial do Exército numa cidade como o Rio de Janeiro, àquela altura
da situação política do país, não era um bom negócio; mas, diante da minha
firmeza, assinou minha seleção para recruta do 1º Batalhão de Polícia do
Exército, localizado na Tijuca, famoso por coisas tão boas quanto terríveis.
Ali, vi meu sonho se desmoronar, pois os oficiais me reprovaram logo na
primeira etapa do curso de Cabo. Motivo alegado: fardas
insuficientemente engomadas. Na verdade, acho que o motivo real foi que eu, inocentemente, discutia com os professores as teorias de ultra direita que eles pregavam nas aulas, revelando-me simpatizante de idéias esquerdistas.
HORA 6 - Em 1973, passei num concurso para aprendiz de programador de computador. Estávamos em quatro selecionados, para os quais a companhia de eletricidade do Paraná pagaria todas as despesas de treinamento e formação junto à empresa IBM. Nesta época, o processamento de dados ainda era restrito às grandes corporações, mas para ser um profissional da área, era importante não temer as mudanças de plataformas tecnológicas.
HORA 7 - Em 1977, nasceu meu primeiro filho, Rodrigo, em homenagem ao libertário capitão famoso das histórias de Veríssimo. Quisera ter colocado o nome de Pablo, em homenagem à música de Milton Nascimento, mas não houve acordo em casa. Rodrigo veio ao mundo pelas mãos do doutor Paciornick, pelo método indígena dos guaranis, ou seja, foi um parto de cócoras, comigo ao lado. Coisas da juventude. A segunda já foi em maternidade normal, mesmo!
HORA 8 - Em 1980, aos 29 anos de idade, mudei-me para Floripa,
atendendo a uma oferta de emprego pelo dobro do salário. Não pretendia ficar
aqui mais do que cinco anos. Quando tivesse 35 anos de idade, eu iria então
realmente ganhar dinheiro em São Paulo. Parece que não era este meu destino!
HORA 9 - Em 1982, quase perdi a vida num acidente automobilístico.
Parado na sinaleira da avenida do Hospital Universitário com Beira Mar, eu
simplesmente engatei a primeira e entrei para atravessar. Um carro em alta
velocidade vinha em direção à Universidade. Só me salvei, por que me virei para
o lado afim de proteger minha companheira. Acordei seis horas depois, no
Hospital. Fiquei seis meses engessado do pescoço ao umbigo. As amiga(o)s brincavam perguntando como eu fazia sexo. Eu respondia que a gente dava um jeito. E dava!
HORA 10 - Em 1989, votei pela primeira vez para presidente do
Brasil. Meu candidato era o Brizola, mas votei no Lula, com o seguinte e
confuso argumento. “Brizola vai passar para o segundo turno de qualquer jeito,
então é melhor que ele busque apoio do PT do que de outros partidos mais à direita.”
Por 200 mil votos a mais, inclusive o meu, o “sapo barbudo” foi escalado para
perder para Collor. Na minha opinião, Brizola teria fatiado Collor de Mello em
mil pedacinhos. A história não quis assim.
HORA 11 - Em 2011, aos 60 anos, penso que fiz um ensaio para
chegar à maturidade. Estou aguardando os resultados.
HORA 12, HOJE, eu procuro olhar o futuro
com otimismo. Ainda que o mundo vá muito mal; e que nosso país esteja em queda
livre para o abismo moral e econômico, eu sigo confiante. Parafraseando Cecília Meirelles,
“escrevo, por que o encanto existe”.
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