Abertura da Semana Interna de Prevenção de Acidentes na Eletrosul
Na última segunda feira nos apresentamos oficialmente pela primeira vez com o novo uniforme do Coral Eletrosul. Calça e paletó bem cortado, feito por um atelier especializado. Camisa branca impecável, gravata com corte exclusivo, tudo de primeiríssima qualidade. Custo para os cantores? Nenhum.
Eu, que já cantei em vários corais de renome, alguns de universidades, outros de órgãos públicos ou entidades de direito privado, estou acostumado não só pagar pelo meu próprio uniforme, como também contribuir mensalmente para a remuneração do regente e a manutenção da infra estrutura. Aqui na Eletrosul, além de não precisarmos contribuir com nada, a não ser nosso talento, ainda temos um auditório confortável, com ar condicionado e som de primeira, para os ensaios e apresentações oficiais. Ainda assim, é muito baixa a adesão dos empregados da empresa. Na sua grande maioria, os cantores são pessoas aposentadas, agregados ou terceirizados.
Isso não é novidade! Eu me lembro que quando estava na ativa, também não me interessava pelas atividades do coral. Os empregados não sentem orgulho em cantar em nome da organização que lhes dá o salário e o padrão social invejável que os distingue de outros empregadores. Parece que há uma certa fusão orgânica entre o coro e a direção da empresa, vale dizer, entre os cantores que atuam em nome da organização e os seus patrões. No caso de uma empresa estatal como a nossa, o patrão seria o próprio estado, representado por seus dirigentes escolhidos politicamente, como sempre foram, que são os diretores da empresa, devidamente nomeados pela autoridade política de plantão. Isso ficou sendo marca registrada não só dos corais, mas também dos times de futebol e esportes em geral. Em ambientes onde há representação classista forte e organizada, é assim mesmo. Tudo que vem da empresa cheira à pelegagem, embora a empresa nunca tenha interferido uma vírgula em nosso coral, aliás, o tem ignorado solenemente, até desprezando o capital político e propagandístico que ele representa.
Se o Coral Eletrosul existe, isso se deve a meia dúzia de abnegados que lutam por ele, inclusive no front político, em busca do apoio de algum manda chuva influente, para obter o espaço mínimo que se requer dentro do orçamento corporativo. Por pouco que seja, é suficiente para manter viva a chama do canto e da música. Eles não sabem o que estão perdendo, mas, melhor deixar quieto, senão, ao chamarmos muita atenção, é capaz de alguém importante reclamar do "desperdício" que é investir num coral e o nosso grupo pode acabar acabando, mesmo. Isso é o que não pode acontecer. Deixa como está, que está bom!
Sempre que se fala em ousar um pouco mais, ou seja, gastar um pouco mais, sempre somos lembrados de que o coro da Eletrosul não é uma representação formal da empresa, aliás, ele nem existe no organograma. Sempre nos é explicado que se trata de um "patrocínio cultural" e, dentro deste espectro, tem amplitude e poder decisório limitadíssimo. Bastante compreensível, portanto, que o patrocínio empresarial se dê nas questões básicas como uniforme e remuneração do cast técnico necessário, como o regente e o pianista que nos acompanha.
Todos os estados mais a União federal possuem programas de incentivo à cultura, onde um grupo de indicados do "rei" se reúnem para analisar os projetos que buscam patrocínio oficial e escolhem aqueles que vão ser agraciados. A maioria destes projetos só poderia mesmo ser do tipo "chapa branca", entidades e organizações dóceis e compreensíveis da necessidade de exercitar o supremo ideal franciscano, "É dando que se recebe". Está tudo bem, dizem os auditores.
" Não está, não! " , digo eu. Há muita coisa podre no reino da Dinamarca, como dizia o Shakespeare, ele próprio que sentiu na carne o que é ser amigo do rei hoje e desterrado amanhã.
Também existem leis de incentivos fiscais, onde as empresas que patrocinam projetos culturais podem descontar de seus impostos a pagar, uma parte ou mesmo o total do que investem em "cultura", desde que devidamente autorizadas pelas entidades encarregadas de aprovar os projetos beneficiários. Uma verdadeira indústria de confecção de projetos e de facilitadores de tramitação formou-se no Brasil, aperfeiçoando os métodos lobistas. Mega empresas estão altamente interessadas nesse mercado, unindo o útil (isenção de impostos) ao agradável (marketing do bem, qualificado e popular). Num ano anterior, quando ainda se usava celebrar o aniversário da cidade, a empresa Angeloni se beneficiou com seu nome no topo de vários outdoors espalhados pela cidade, anunciando um grande show patrocinado por ela, no qual provavelmente não gastou um centavo, nem com a água para matar a sede dos operários que montaram o palco.
No último verão, o grupo RBS de comunicação (retransmissor da Rede Globo) usou e abusou dessa, digamos, facilidade da Lei, e nos brindou com várias festas na praia, todas de gosto duvidoso, um festival de frivolidades para distrair jovens turistas ricos e ignorantes. Tais eventos nada acrescentaram à cultura local ou mesmo nacional. Mas, o som e a propaganda da RBS rolou solta nas praias da ilha. Investimento privado, zero. Só patrocínio oficial e abstinência fiscal. Assim caminha a cultura nacional. Por falar nisso, alguém aí é capaz de dizer na lata o nome da autoridade que atende por aquele Ministério?
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