quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Redemption Song




A distância até Lages é de 220 quilômetros a partir da ponte que dá acesso ao centro de Florianópolis. Calculei tres horas com folga e saí do Rio Tavares 20 para as sete da manhã. Trânsito nenhum na via usualmente engarrafada. Milagres do horário de verão!  Com facilidade cruzei a ponte e segui meu caminho para Lages, afim de submeter-me à primeira sessão de Terapia de Vidas Passadas.
Terapias não são novidades para mim. A partir dos 25, fiz tudo quanto é tipo de terapia, em grupos ou individuais: Grito Primal, Freud, Reich, Lacan, Osho, Psicodrama, Gestalt, ufa!  Compreender mentalmente até que compreendi, mas, não resolveu muito minha vida. Aos 50 e poucos parei com as terapias e resolvi fazer apenas Reiki, meditar e rezar. Pelo menos, saiu mais barato!
À cada parada nas intermináveis obras da estrada, ia pensando nestas experiências terapêuticas e em minhas outras incompetências e rebeldias, enquanto via os ponteiros se aproximarem perigosamente das nove horas da manhã. Minha sessão estava marcada para 10 horas da manhã e ainda estava passando a cidade de Alfredo Wagner, à 110 km de Lages. Finalmente, depois de uma longa subida, eis que se apresenta o Planalto Serrano e suas retas maravilhosas. O pequeno Fiat Uno 2013 passou a ser pilotado por um dublê de piloto F1 e às 10 horas em ponto eu estacionei na esquina da Frei Gabriel com Santos Dumond, no centro de Lages.   
Aparece o principal obssessor
Depois de anotar meus dados pessoais, o terapeuta perguntou-me se eu sabia qual era a natureza do trabalho ali. Eu respondi que sabia apenas o mínimo. Ele aparentemente julgou que era suficiente e absteve-se de explicações. Apresentou sua auxiliar, que faria o papel de canalizar as personalidades que aparecessem durante o trabalho, “haaa... perfeitamente, professor, seja lá o que isso queira dizer...”.  Na verdade, ela serviria de médium para incorporar os espíritos que aparecessem e, através dela, o terapeuta dialogaria e interagiria com eles. Falei um pouco do que me levava até ali, disse da sensação de que algo estava errado na minha vida, os sentimentos estranhos de incompletude, a insegurança nas relações afetivas de namoro ou casamento, mesmo ao estar próximo de completar 63 anos de idade.  Disse também da esperança de que algo diferente pudesse me ajudar a romper com certos traumas de infância, etc, no que fui interrompido por uma pergunta direta e seca: “Que trauma te incomoda mais?”.  O primeiro que me veio à mente foi a expulsão de nossa família das terras do meu avô, quando eu tinha 5 anos de idade e, ao começar a relatar como foi, o terapeuta começou a pigarrear de forma tão insistente que me senti instigado a comentar que eu vi muitas pessoas na mesma situação dele, talvez o tempo não esteja muito favorável nesta mudança de estação.  “Este pigarro não é meu, é você que o trouxe. Por que?”  Imediatamente lembrei-me que aquele meu avô morrera de câncer de garganta, que depois virou metástase, e que ao vê-lo em seu leito de morte eu tinha dúvidas se o perdoava ou se o continuava odiando.
Nisso a médium auxiliar começou a falar algo incompreensível e o terapeuta disse para mim: “Olhe só, seu avô acaba de chegar”.  Ele falava através dela e o jeito de falar era mesmo parecido com o do velho. Uma fala pra dentro, com pouca sonoridade, conceitos dúbios de difícil compreensão imediata. O terapeuta falava com ele, para tentar clarear as coisas. Decorridos quase 40 anos de seu falecimento, ele ainda não sabia que tinha morrido. Achava que os familiares o tinham abandonado num lugar de doentes, um lugar cheirando à aroma adocicado, todos tinham o olhar esbugalhado e cada um cuidava de si, não existia qualquer amizade ou solidariedade entre as entidades presentes ali. Disse que depois de muito tempo apareceu um grupo de pessoas dizendo que iam levá-lo para tratamento em outro lugar, mas ele aproveitou a oportunidade e fugiu. Daí se grudou em mim, por que nós éramos amigos há muito tempo, gostava de mim, gostava principalmente de beber comigo. Eu era um bom companheiro de copo, mas, agora também o tinha abandonado e ele disse que estava com muita raiva por causa desse abandono.
O terapeuta explicou-me que o corpo astral de meu avô foi parar num Umbral onde habitavam espíritos de mesmo nível, todos cancerosos em péssimo estado evolutivo, sem qualquer consciência. As pessoas que o foram buscar, provavelmente depois de muitos anos, eram socorristas espirituais que lhe propunham um caminho de cura, um longo tratamento de seu corpo astral, o qual no momento estava em estado deplorável, imprestável. Haveria que passar um longo tempo em tratamento, até ter condições de encarnar novamente como humano e, mesmo assim, provavelmente passaria algumas encarnações morrendo prematuramente ou sendo abortado, até que pudesse refazer algum pacto reencarnatório que o levasse para um nível de vibração mínimo, que desse sustentação a uma nova experiência, por que na última ele regrediu a um nível caótico. O terapeuta disse que era capaz de “ver” o corpo astral de meu suposto avô e que o que via não era nada animador. A situação estava péssima, o que muito me prejudicava, por que ele havia se tornado meu obssessor principal e não tinha a menor intenção de me largar.
Na sequência do diálogo com o terapeuta espiritual, meu avô disse que se pudesse teria evitado minha ida àquela sessão em Lages, mas que não podia fazer nada para impedir, por que eu havia ingressado em um campo fora de seu alcance. Imediatamente lembrei-me das sessões de reiki e de meditações que retomei nos últimos 15 dias, e de como isso possa ter-me colocado vibrando numa dimensão inalcançável pelo obssessor. Fiquei feliz e emocionado por isso, ao perceber que de fato as orações e as atividades de cunho religioso afastam as trevas e os maus espíritos.
O terapeuta perguntou ao espírito de meu avô a razão pela qual me seguia e este respondeu que eu era seu único amigo. Quando foi perguntado se aceitaria ajuda para se curar, respondeu que não, que não acreditava em nada daquilo. Então, iniciou-se um embate entre o terapeuta e o espírito de meu avô, que dizia não haver mais esperanças para ele, que haveria de morrer assim.  Algo realmente confuso, pois , parece que ele de fato se negava a aceitar que já estivesse morto. Colocado contra dados irrefutáveis, lembrou-se de como a doença o maltratara em vida e concluiu que estava mesmo em outro patamar, mas se recusava a aceitar ajuda. Foi então orientado e desafiado a voltar mais e mais no tempo, até que entrou no ar outra personalidade, desta feita um espírito de uma pessoa muito rica e poderosa, que tinha uma associação comigo em uma remota vida passada, provavelmente na idade média, pelas características vistas pelo terapeuta a partir da canalização da médium. Nós éramos dois nobres senhores e vivíamos em intermináveis orgias, gastando o dinheiro que tínhamos à vontade. Comprávamos de tudo, de amantes a amigos, promovendo festas devassas. Éramos grandes amigos, mas, já não era a primeira vez que vivíamos juntos. Já tínhamos firmado vínculos em outras vidas anteriores. Ao longo do trabalho terapêutico, muitas representações de laços cármicos foram sendo esmiuçadas, em ordem desconexa e às vezes incompreensível para mim, mas, com a ajuda e experiência do terapeuta, construímos um quadro que me pareceu coerente, dentro mesmo do sentido da palavra KARMA, que significa Roda em sânscrito, a língua sagrada da antiguidade. Significa que a imensa maioria dos espíritos passam encarnações após encarnações repetindo as mesmas coisas, gerando pequenas vinganças, trocando de papéis no mais das vezes, sem tomar a direção do crescimento espiritual verdadeiro, do caminho da consciência para a evolução, em busca do estágio que vai finalmente nos libertar da roda que gira sem sair do lugar.
O Enredo das Vidas Passadas com Meu Avô
Numa vida remota, num ponto indeterminado no tempo, eu estabeleci uma parceria com uma de minhas esposas na vida atual, algo como marido e mulher. Tivemos então tres filhos, mas eu tinha dúvidas se eles tinham sido gerados a partir de mim ou se eram de outros homens. Por isso os abandonei a todos, juntamente com a mãe deles. Caí numa vida de irresponsabilidades e bebedeiras. Um dos filhos era meu atual avô, que era o mais velho e fez de tudo para que eu não os abandonasse. Eu não lhe dei ouvidos.  Morri de um ataque do coração, aos 69 anos de idade, profundamente arrependido, porém sem ter mais como consertar os estragos que fiz.  
Numa encarnação posterior, meu avô foi casado com minha atual mãe e eu fui o filho deles, sendo também abandonado, como vingança cármica do que eu próprio havia cometido em encarnação anterior. A então esposa (minha mãe atual) era uma mulher devassa e vivia aos trancos e barrancos com seu marido (meu avô paterno atual). Nenhum dos dois me protegeu e passei uma vida de grandes privações.
Depois aparece uma encarnação onde meu avô é um doente mental (ou médium, não fica muito claro) e sofre terrivelmente, sendo amarrado numa jaula. Parece que eu fui algum tipo de algoz ou carcereiro, o que só fez aumentar o vínculo e o ódio cármico de um pelo outro.
Quando tivemos a vida de nobres amigos, o vínculo ficou mais fortalecido, com as bebedeiras e orgias que fizemos juntos. Até que vem a encarnação atual, onde ele se vinga novamente, promovendo a expulsão de meu pai, cujo papel ainda não apareceu na história. Muitos outros papéis dos atuais filhos, esposas e tantas pessoas envolvidas nesse “saco de gatos” ainda estão por serem elucidados, caso dê continuidade ao processo terapêutico.  
O Encaminhamento do Espírito Obssessor
Num ponto do embate, o espírito de meu avô se diz extremamente cansado, quando lhe é ofertado novamente se quer fazer o pacto para se curar e se livrar dos sofrimentos atuais. O terapeuta lhe diz que só há duas alternativas: Ou aceita a cura e segue as regras, ou volta para o Umbral dos doentes, o que fatalmente acontecerá se ele não se tratar e continuar sugando energia de obssecados como eu. Parece claro que eu não sou o único neste jogo mortal (talvez meu irmão seja outro?). O terapeuta pergunta se ele está vendo pessoas que queiram ajudá-lo e ele responde que sim, que está vendo essas pessoas ali presentes. O espírito quer saber se eu posso perdoá-lo e o terapeuta responde que não é necessário, que ele não precisa do meu perdão. Incentiva-o a aceitar a ajuda que os socorristas estão lhe oferecendo e ele diz que aceita.  Em princípio há uma sinalização de solução para o caso de minha obssessão, mas, por tratar-se de um espírito extremamente rebelde e preguiçoso, pode ocorrer justamente o contrário, dele se agarrar ainda mais na minha vida, afim de sugar as energias que necessita, principalmente a do álcool, de modo que convém realmente que eu não dê chance, que não abra essa brecha, por que, se eu deixar entrar o primeiro copo, passo a dividir automaticamente o controle da minha sobriedade com este espírito que me acompanha há muito tempo. E aí, senhoras e senhores, só a misericórdia divina para tirar-me novamente do buraco onde estarei me refestelando com o espírito de meu avô, bebendo todas até o ponto da embriaguês e da insconsciência. Como eu parei de alimentá-lo, o espírito obssessor está com muita raiva e, se pudesse, sua vingança seria terrível. Por isso mesmo, o terapeuta chama a atenção para as práticas espiritualistas que me elevem a um patamar vibratório que ele não possa alcançar.  
O terapeuta diz que não adianta lutar contra o obssessor na base da simples vontade, ou com orações que peçam à divindade ou aos meus protetores o seu afastamento, por que sou eu mesmo que o trago, uma vez que tenho vínculos com ele que vêm de muitos e muitos séculos, muitas e muitas vidas passadas. Diz que o que eu preciso fazer é romper esses laços de forma unilateral. Diz que eu devo rezar por ele, sim,  pedir que se encaminhe para tratamento, para sair do estágio atual e iniciar um longo caminho de aprendizado, algo que só ele pode fazer, pois mesmo os seres no Umbral astral possuem livre arbítrio.

Quando estamos para encerrar a sessão, que já passou das duas horas convencionais, aparece o registro akáshico da minha vida anterior, na qual abandonei meu filho/avô à sua própria sorte, eu que deveria cuidar da segurança dele e de sua mãe (uma das minhas companheiras na vida atual).  O terapeuta explicou que essas aparições são parte da minha personalidade, meu Eu Superior, minha alma imortal e seus registros que se personalizam para trazer alguma mensagem. No caso a mensagem que a médium captou foi a seguinte: "queria pedir que ele não fique apenas refletindo a respeito do karma, mas que parta para o resultado que interessa, quero pedir que ele comece a trabalhar pelo nosso futuro resgate, que comece a limpar os erros do passado, é um longo trabalho, que não vai se concluir nesta encarnação, mas, que é preciso começar a ser feito".  
Já passou da hora!



domingo, 27 de outubro de 2013

Em busca do tango perdido

Buenos Aires  é  uma  das  capitais  mais  encantadoras  do  planeta.   Não  foi  feita  para ser conhecida  num  rompante:   "se hoje é  quinta feira de  manhã,  então  isso  aqui  deve  ser  a Recoleta".   Não!    Há  que  ser  sorvida  aos  poucos,   devagar como um bom vinho.  Há que caminhar por suas entranhas e percorrer suas veias onde circula a energia secular do Tango.

Recoleta, Centro de Exposições ao lado da Universidade de Buenos Aires.
Aqui foi a sede principal do Festival Mundial de Tango. 

Quando o barco se desviou de Puerto Madero, pegando o rumo leste, não sabia ainda que seríamos jogados num bairro industrial decadente, entre o Centro e a Boca. "Por isso que a passagem era mais barata", concluí depois. Graças a nosso diferencial descolado, saimos caminhando pela rua, atrás de táxi, ao contrário das dezenas de passageiros cheios de mala, que ficaram na porta do ponto de desembarque. Não tínhamos um puto tostão em peso, mas, sabíamos o endereço do Hostal Circus e a certeza de que encontraríamos o tango perdido. Se ele não surgisse inesperadamente em alguma esquina de San Telmo, estaria nos aguardando na Recoleta,   onde  está  o  Centro  de  Exposições,   local da sede principal  do Festival Mundial de Tango de Buenos Aires. 






Está comprovado que o Tango era música de "marginais e prostitutas". Esta verdade histórica já não escandaliza nem o arcebispo de Buenos Aires.   As origens também são conhecidas: a batida milongueira saudosista dos criollos vindos do pampa para tentar a sorte na capital,  o isolamento dos imigrantes operários italianos e alemães, trazidos para construir a grande metrópole e abandonados à própria sorte em bairros sem qualquer recurso urbano, obrigados a construírem suas casas a partir de sobras de mercadorias e dos próprios navios velhos abandonados, o que faria com que as edificações ao largo da Boca do rio Riachuelo tivessem o colorido de várias tonalidades, de acordo com os materiais imprestáveis recolhidos pelos moradores, o que faria da Boca um festival de cores tão extraordinário quanto o magnífico tango que lhe rende homenagem. 




No início, o tango também estava intimamente associado ao Candombe, a música dos escravos negros (sim, a Argentina também teve escravos negros, mas, isso já é outra história).  Dessa mistura extraordinária nasceu o Tango. O certo é que não se tratava de música que as famílias de bem olhassem com bons olhos. A forma de dançar, por exemplo, era tão sensual que apenas as mulheres da prostituição a aceitavam, e talvez venha daí a lenda de que os portenhos dançavam homem com homem. E era verdade, pelo menos nas vilas ao longo do Rio de la Plata. Também corre como anedota a afirmação de que o bandoneon saiu da igreja para entrar na putaria. Com todo respeito, isso também é verdade, pois os imigrantes alemães praticavam seus ritos religiosos ao som desse instrumento estranho, que parece uma sanfona pequena e de fole comprido. Ele acabou substituindo a flauta, instrumento que fazia os solos musicais nos antigos primeiros tangos.   Depois de quase um século e meio de história, o tango continua atual como nunca. 

Milhares de duplas do mundo inteiro disputam o título de Campeões Mundiais

Festival Mundial de Tango de Buenos Aires mostrou que esta cidade respira Tango por todos os poros. Variadas localizações foram utilizadas para agregar admiradores  vindos do mundo inteiro. Vimos apresentações de uma orquestra sueca, tocando um estilo absolutamente inimaginável, muito próximo do jazz, assim como vimos também apresentações de velhos músicos e compositores argentinos históricos, ainda vivos e atuantes aos oitenta e poucos anos de idade. E uma incrível competição para a escolha do melhor casal bailarino de Tango, envolvendo duplas do mundo inteiro, do Japão aos Estados Unidos, passando pela Europa e todo o bom gosto que o velho continente dedica a este ritmo secular. E tudo de graça, sem gastarmos um daqueles tostões furados!  




Os vencedores da etapa Rússia 
se apresentam em Buenos Aires