sábado, 14 de abril de 2012

O melhor coral do planeta





A base da música ocidental, como a conhecemos hoje, foi consolidada no período Barroco,  que durou até o início do período Clássico, lá por 1700. A passagem de uma etapa à outra é bastante polêmica, mas, parece que a maioria dos especialistas defendem que este evento importante da história da música deu-se com o florescer da obra de Johann Sebastian Bach, considerado o primeiro clássico, embora muita gente o coloque na lista dos barrocos. Melhor dizer que com ele deu-se a transição. É autor de uma obra considerada básica, "O Cravo bem Temperado", composto com 24 peças entre prelúdios e fugas, onde ele cobre todo o quadro de tonalidades disponíveis. Ao longo da vida, Bach compôs mais de mil obras. Para se ter ideia da importância deste compositor, seu patrício Beethoven disse, em tom de piada séria, que ele deveria se chamar "oceano" e não "riacho", que é a tradução da palavra alemã bach.   . 



















A música de Bach vem sendo esmiuçada ao longo de mais de vinte anos pelo Coro Monteverdi, de Londres, considerado pela crítica como o melhor do mundo. Este coral rompe o paradigma do mundo da música, que é o de valorizar as orquestras. Quando uma determinada obra necessita vozes humanas, então a orquestra convoca um coro terceirizado para ajudá-la. Algumas sinfônicas e cameratas mais famosas possuem seu próprio coro, mas são raros, e, mesmo assim, tratam de deixar claro que os cantores não fazem parte da orquestra, tipo assim "Orquestra Sinfônica e seu coro".  Agora, com o Monteverdi Choir acontece o contrário. Quando ele se anuncia, as mídias de propaganda especificam "Coro Monteverdi e sua orquestra". Observem no primeiro vídeo que o coro está mais alto que a orquestra, de modo que o público pode vê-lo por inteiro, quando o usual no mundo muscal é o contrário. Bom para elevar a auto estima dos coralistas, não?  



O Monteverdi Choir consagrou-se cantando Bach

A experiência do Monteverdi é bem interessante. Primeiro, por que escolheram o nome de um compositor italiano, coisa rara em se tratando de britânicos, o que já demonstra sua visão global da música. Depois, pertence a uma universidade de grande prestígio na Inglaterra, o que lhe garante mão de obra farta e talentosa, além de apoio logístico e financeiro.   O coro principal vive viajando pelo mundo, por isso é enxuto o suficiente para buscar a excelência, senão a perfeição. No entanto, mantém programas de treinamento e vivências musicais abertas aos acadêmicos e à comunidade no entorno, como qualquer coral de universidade, inclusive as UDESC e UFSC daqui de Florianópolis.  Desse modo, o Monteverdi conta com capital intelectual e artístico imenso, formado por centenas de pessoas doidinhas para assumir o coro principal. Já pensou na grandiosidade da competição que se estabelece entre os candidatos?


Acompanhe o capítulo final de um especial da BBC sobre a obra de Bach, onde atua o nosso Monteverdi Choir. Felizmente, tem legendas em espanhol. 



sexta-feira, 6 de abril de 2012

Norwegian Wood

                    --- Ahhnnn, então você é brasileiro, heim?
                     --- Sim, sou do Brasil. Você já esteve no Brasil?
                       --- Não, não... Fora da Europa, eu só conheço os Estados Unidos.
                        --- Não tem vontade de conhecer um dia?
                          --- Não. O lugar que eu gostaria de conhecer é a Patagônia.




                  
Não faz nada bem para a auto estima nacional ouvir algo assim de um estrangeiro. Como pode alguém, aparentemente bem informado, dizer que prefere geleiras e vulcões, em vez das nossas praias ardentes de sol e mulheres bonitas? Mas, o diálogo existiu mesmo e foi travado numa cabine de navio. Meu interlocutor era um norueguês típico, loiro e forte, olhos azuis e inglês fluente. Antes que alguém imagine coisas, saibam que para mim não foi nada agradável encontrá-lo já instalado na cabine onde eu deveria passar a noite, durante o trajeto pelo mar do norte, entre Copenhaggen, na Dinamarca, e Oslo, na Noruega, viagem que dura umas dezoito horas de navegação. Tinha feito mil fantasias de encontrar uma loira viking, com quem teria quentíssimo afair sobre as ondas frias dos mares nórdicos, e me aparece aquela novidade. Este é o problema de viajar sozinho. Em vez de passar a noite numa agradável companhia feminina, me coube o constrangimento de dividir o espaço com aquela figura rara. Ele também não gostou muito da coincidência, pela cara de poucos amigos que fazia, enquanto balbuciava insistentemente a mesma frase "então, quer dizer que você é brasileiro, heim, ora veja só."  


Apesar da sua panca bem comportada, descobri mais tarde que seus concidadãos gostam mesmo é de uma boa sacanagem. Conversando com uma garota norueguesa, depois que desembarquei na linda capital do país, a gata estava com férias programadas para Recife, no mes de junho, e não acreditou quando eu lhe contei que nessa época fazia frio e havia neve na serra catarinense, onde eu disse que morava. Para eles, nós estamos eternamente na canção do Michel Teló, que, por acaso, está neste momento fazendo o maior sucesso por lá também. 

Voltando à nossa conversa naval, deixei o galego falando sozinho e fui passar a noite na boate do navio. Afinal, era minha primeira viagem num transatlântico e queria aproveitar ao máximo.  Quando me cansava da musica alta, ia para o convés admirar o sol da meia noite. Quanto mais perto do polo norte, mais o sol nunca se põe no verão. No máximo, fica na altura do horizonte, entre meia noite e tres da manhã, aproximadamente, horário em que sai da penumbra e começa de novo a singrar o céu.  Parece que o dia nunca mais vai virar noite, dá uma espécie de medo atávico e a pessoa desacostumada não consegue dormir direito. Você dorme, por que não aguenta mais ficar desperto e, quando acorda, continua sendo dia.  A sensação é estranhíssima!


Viajar em grupo ou em casal é a forma mais confortável de fazer turismo. No caso do casal, é uma aventura espetacular, aprofunda a relação e gera lembranças quase sempre agradáveis, a serem compartilhadas pelo resto da vida. No grupo, você não precisa se preocupar com nada, tudo já está providenciado pela companhia que organiza a viagem. Os hotéis já estão reservados, os passeios que você vai fazer já estão definidos, enfim, não há surpresas e, por este lado, é muito bom. No entanto, a sua liberdade é inexistente ou mínima. E você começa a se perguntar se vale a pena gastar tanto dinheiro para ficar ouvindo gente falar português. Pior ainda quando começam a ligar para suas respectivas casas, a perguntar pela saúde do  cachorro, se a criança já tomou banho ou até para pedir ao filho orientações sobre o funcionamento da filmadora. É de matar! .




Nada que se compare a uma viagem sozinho, numa terra e língua estranhas, onde você tem que se virar por conta própria, desde alimentação até sexo, se for o caso. Talvez o ideal fosse juntar as duas coisas, digo, viajar em casal, mas ter cada qual sua liberdade pessoal. Um amigo me disse que com ele era assim. A mulher ficava no hotel e não se importava se ele passasse a noite inteira fora. Não havia cara feia ou perguntas, quando ele regressava. Disse ele que experimentava mil aventuras eróticas, mesmo quando viajava com a esposa. Bem, na verdade, esse sujeito era magro, alto, bonito e meio gay. Eu, de minha parte, não tenho nenhum destes predicados atendidos, por isso, tenho que batalhar cada momento; e não pense que brasileiros são bem recebidos, por serem simpáticos e bem falantes, como nós mesmos nos achamos. Isso é mito. De forma geral, latino americanos não são bem vindos, nem nos países latinos, quanto mais nos anglo saxões, eslavos e escandinavos. Já passei por situações onde entrei num bar e pedi uma cerveja, sendo praticamente expulso pela garçonete, sob o argumento que não havia a bebida, quando ao meu lado um barulhento grupo de norte americanos bebiam à vontade.  Coisas da vida e da sina de ser pobre. Mas, não vai ser isso que vai nos afastar da grande aventura de correr o mundo, ora, não vai mesmo!  Ainda este ano, quero fazer uma experiência diferente: conhecer a Itália com uma namorada brasileira, porém, dentro de uma excursão espanhola. Só falta encontrar a namorada!






domingo, 1 de abril de 2012

loucos de cara




Certa madrugada eu estava no Bar Brahma, famoso ponto boêmio da noite paulistana, na esquina mística de Ipiranga com São João, quando entrou um grupo de jovens, todos vestidos de preto, sentaram-se numa mesa e ficaram em silêncio, caras de monges budistas, todos lindíssimos, principalmente a garota loira que pediu os vinhos brancos que tomaram, pagando sozinha a conta com um cartão de crédito, coisa rara na época. Depois sairam, sabe-se lá para onde, provavelmente para continuar a noitada. Nada de "rua augusta a 120 por hora" ou "pode vir quente que eu estou fervendo". Nada disso. Aquela turminha da pesada pegava firme, mas suas drogas eram apaziguantes, pela aparência zen que todos apresentavam, qual artistas de cinema. Naquela noite aprendi mais uma lição e entendi a canção do Caetano Veloso: "como são lindos os burgueses".

Sérgio Dias foi um desses burgueses loucos de cara, compositor de canções lendárias, como "2001" e "Ando Meio Desligado", e que nos deixou órfãos de pai vivo, quando ele se abandonou do meio artístico antes dos 30  anos de idade, corroído pelas drogas e álcool. Sérgio, felizmente, foi salvo por ter literalmente "pirado", passando quase quarenta anos sob tratamento pesado, às vezes internado em hospícios e clínicas psiquiátricas. Foi o primeiro namorado de Rita Lee, a "mais completa tradução de São Paulo", segundo o louvado compositor baiano já citado. Sérgio e Rita montaram uma das bandas mais representativas do rock brasileiro, os Mutantes, pioneiros a pressentirem os novos tempos do som universal, que seriam posteriormente popularizados pelos rock progressivos como Pink Froid. Misturavam sons de catira e viola caipira com acordes dissonantes, fora do padrão temperado da música bem comportada.


Naqueles anos loucos, estava em destaque a competição entre dois monstros sagrados do rock and roll, The Beatles, na Inglaterra, e The Beach Boys, na Califórnia. Como todos sabemos, este estilo musical nasceu pobre, nas plantações de algodão do delta do Rio Mississipi, sul dos Estados Unidos. Foi um dos tres herdeiros dos cantos negros religiosos, conhecidos como Spirituals, para diferenciá-los dos hinos cristãos respeitáveis, feitos por brancos europeus. Pois os Spirituals invadiram as zonas de prostituição de Nova Órleans, na foz do Mississipi, e se tranformaram em blues e jazz. O rock permaneceu caipira, na zona rural, até ser descoberto na década de 1950. Estourou no mundo todo, principalmente a partir das canções do pop-star Elvis Presley, transformando-se no mega negócio que é hoje. Então, de fato, Beach Boys e Beatles faziam parte do mesmo negócio, mas, devido a intensa competição entre seus países, se colocaram como adversários no mundo do show business. Tremendo azar dos norte americanos, quando os Beatles lançaram em 1968 o seu mais espetacular álbum, uma maravilha chamada "Banda do Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta". Os Beach Boys se preparavam para dar a resposta, mas, seu líder  foi à pique. As drogas pesadas o fizeram "pirar", tal qual o brasileiro Sérgio Dias. Resultado: os Beach Boys sairam do mapa. E da competição.

Na disputa surda entre John Lennon e Brian Wilson, os Beatles lançaram uma homenagem à União Soviética, em contra partida à canção mais popular dos Beach Boys, a famosa "Surfing in USA". Os cabeludos ingleses lançaram "Back in USSR". Hoje parece cômico, mas, naqueles anos da guerra fria, imagine o impacto deste combate!





   
Nós brasileiros assistimos de longe este desafio, pois estávamos isolados do mundo dito civilizado.  Uma ditadura militar estúpida não deixava entrar nada diferente do trivial. Só fomos conhecer Jimmy Hendrix muito tempo depois que ele já tinha partido para a outra esfera. Janis Joplin esteve no Brasil, tomou cachaça e fumou maconha na Barra da Tijuca, e nós nem ficamos sabendo, pois a moça não era exemplo para a nossa juventude e foi devidamente censurada a sua honrosa visita. Mas, as rádios costumavam tocar os dois grupos roqueiros de quem falamos, muito mais os Beatles, claro, por razões de preferência das gravadoras. Até por que dos Beach Boys não se esperava mais nada. Uma coisa posso garantir: seu vocal era o melhor de todos. As letras nem tanto. Prefiro um maluco brasileiro, que pode ser até mais jovem que o Sérgio Dias. Sempre teremos "loucos de cara" para suprir nossa sede musical.