sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Contra-cultura norte americana é Neil Young




A música popular norte americana está sustentada por uma impressionante indústria cultural. Este é o motivo pelo qual ela é a mais vendida do planeta. E também é o motivo pelo qual é odiada pelos militantes de esquerda do mundo inteiro, especialmente os brasileiros petistas e assemelhados. É vista como representante do capitalismo internacional.

Nada mais equivocado! Grande parte da cultura norte americana é inspirada justamente em um sentimento anti capitalista, a começar pelos jovens rebeldes dos quais James Dean e Jack Kerouak eram o símbolo mais visível na década de 1950. Depois, nos anos sessenta foram sucedidos por Bob Dylan, a máxima expressão musical da juventude hippie. Mas, não a única.

Um dos grandes ícones da contra cultura norte americana é Neil Young. Este lutou efetivamente do lado underground da cultura. Enquanto Dylan abandonava sua aldeia na fronteira com o Canadá e era recebido com serviço de cama e mesa em Nova Yorque, por sua namorada filha de bolivianos, Joan Baez, Neil Young teve que comer o pão que o diabo amassou em Los Angeles. Uniu-se a uma banda de drogados mexicanos e canadenses, completos representantes do sub mundo californiano, quando formaram a banda Cavalo Louco, que na minha opinião foi o melhor que o rock and roll produziu ao longo da história. O nome também remete a um famoso cacique indígena e o som de suas guitarras e baixos nunca foi igualado em tempo algum, excepto talvez por Jimmy Hendrix, mas, aí já não era rock and roll e sim uma mistura de blues, jazz, new wave e coisas extremamente complicadas do ponto de vista estético e musical Não que a música de Crazy Horse seja simples. Até acho que em parte eles se inspiraram nos longos acordes de Hendrix.

Não só de sons dissonantes e distorcidos viveu Neil Young. No ano de 1969, juntou-se a outros companheiros e fizeram impressionante performance no famoso festival de Wookstock, aquele encontro de nudistas e libertários que aconteceu numa fazenda no interior de Nova Yorque. Depois do evento, passaram a se reunir anualmente e isso tornou-se um acontecimento imperdível nos Estados Unidos.





Voltemos ao rock and roll. Quando retirou um tumor instalado junto ao cérebro, Neil Young supostamente iria se aposentar, depois de rodar as estradas do mundo por mais de quarenta anos. Não foi nada disso que aconteceu. Voltou aos estúdios e aos palcos, inicialmente cantando temas políticos relacionados com sua revolta ante os anos Bush; depois, não teve como evitar a convocação dos antigos companheiros. E voltou à velha forma. 


POWDERFINGER (Neil Young & Crazy Horse, 2012)


"Olhe Mamãe, há um barco branco vindo pelo rio
Com um grande farol vermelho, e uma bandeira, e um homem no leme
Eu acho que é melhor você ir chamar o John,
Porque parece que este barco não está aqui para entregar o correio.
E está a menos de uma milha de distância
Eu espero que ele não tenha vindo para ficar
Há números no lado e uma arma
E está fazendo ondas gigantes
Papai se foi, meu irmão está caçando nas montanhas
O grande John tem bebido desde que o rio levou Emmy-Lou
Então, eu fiquei aqui para fazer meditação
E eu apenas acabei de fazer vinte e dois
Eu estava imaginando o que fazer
E quanto mais próximo eles estão,
Mais aqueles sentimentos crescem
O rifle de papai em minhas mãos sentiu-se reconfortante
Ele me disse, "vermelho significa correr, filho, números não levam a nada"
Mas quando o primeiro tiro atingiu as docas, eu o vi
Levantei meu rifle para meu olho
Nunca parei para imaginar por que
Então eu vi tudo preto
E minha face salpicada no céu
Abrigue-me do pó
Cubra-me com o pensamento
Pense em mim como alguém que você nunca imaginou
Que desapareceria tão jovem
Com tanta coisa deixada inacabada
Lembre-me ao meu amor, sei que vou sentir falta dela". 







terça-feira, 21 de outubro de 2014

Saudades do Brasil





Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim 
(Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1927 — Nova Iorque, 8 de dezembro de 1994)


O popular Tom Jobim, erudito, culto, simplório, não-criador de pássaros (por que os preferia soltos), que sempre compunha junto à natureza, foi o mais completo compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e poeta musical brasileiro. 

Chico Buarque o chama "meu maestro soberano". Ele próprio se espelhava em Villa Lobos, de quem começou a certa altura da vida a imitar o estilo, inclusive os charutos inconfundíveis que o mestre fumava sem parar. Na juventude, Tom se associou a vários compositores do primeiro time da MPB para fundar um estilo marcante, de uma musicalidade que encantou o mundo, muito próxima do melhor que o jazz poderia proporcionar: a Bossa Nova. Com ela Jobim correu o mundo e se apresentou ao lado das maiores feras do show business norte americano. 

Após os 50 anos de idade, Tom Jobim começou uma investida para o fundo do Brasil, fugindo do estilo que o consagrou na zona sul do Rio de Janeiro. Foi nessa caminhada que começou a seguir os passos de Villa Lobos, em busca da essência da alma brasileira. Ele concluiu que essa essência não estava nos ritmos africanos que geraram o samba, nem nas toadas ibéricas que geraram a modinha, as músicas românticas e os sambas canções. Tom Jobim foi buscar a brasilidade no batuque do índio e na dança das florestas, no azul infinito dos cerrados e na luta desesperada pela vida, encenada pelo homem da caatinga nordestina.   

Não sei se foram as infindáveis noitadas nas boates de Copacabana, curtidas à whisky e bossa nova, após terminarem as várias apresentações que fazia por noite, afim de ganhar o sustento desde mocinho, pois na infância lhe faltara o pai de classe média tijucana, deixando-o como "chefe de família" precocemente. Não sei se foram os demorados almoços nas churrascarias do Rio de Janeiro, herdeiras das tradições gaúchas, assim como eram as tradições de sua atávica origem familiar Jobim.   Não sei se simplesmente foi o destino.   O caso é que o Maestro desenvolveu uma trombose muito séria apenas havia completado 60 anos de idade, contra a qual lutou "bravamente" entre charutos, churrascos, whiskies e amigos, em fantásticas festas musicais, até sucumbir num hospital de Nova York, onde foi buscar o inútil tratamento, uma vez que as causas originais nunca foram efetivamente combatidas. 

Assim, muito cedo perdemos nosso maior gênio musical. Felizmente, ficaram suas gravações. Na última fase, recolhia-se amiúde no ambiente familiar com o genro Danilo Caymmi e as filhas, entre as quais as adotivas Cinara e Cibele. 



“A minha música deve muito às árvores, às montanhas, ao mar, à costa, aos pássaros ... Tudo isso é um grande estímulo pra escrever música. Pra sentar de manhã, ver o sol e achar que a vida é bonita, que é um troço que vale a pena ser vivido”, disse Tom Jobim ao lançar o álbum Passarim, em 1987.  Aqui, ele se torna um ecologista cada vez mais radical, como na canção Borzeguim, que etimologicamente é uma espécie de coturno militar com o que ele nomeia um personagem oculto na canção, provavelmente seu próprio alter ego caminhando pelas veredas sem trilhas no meio da mata, intimando o caçador "coisa ruim":  “Deixa o tatu-bola no lugar / Deixa a capivara atravessar, / Deixa a anta cruzar o ribeirão, / Deixa o índio vivo no sertão, / Deixa o índio vivo nu, / Deixa o índio vivo, / Deixa o índio, / Deixa, deixa, / Escuta o mato crescendo em paz, / Escuta o mato crescendo, / Escuta o mato, / Escuta”.


Matita Perê foi lançado em 1973, quando o ambiente político convidava para certo recolhimento. As forças de inteligência e operações especiais da ditadura haviam acabado com os movimentos guerrilheiros urbanos e, na falta do que mais fazer, passaram a infernizar o mundo intelectual e artístico, em busca de novos "comunistas". A repressão e censura era pesadíssima, então, Jobim mergulhou para o interior do Brasil numa saga musical e poética, levado pela mão inspiradora de João Guimarães Rosa. 


Orquestrações na linha da genialidade arranjadas em parceria com Dory Caymmi, poema magnífico escrito por Paulo Cesar Pinheiro, gravação primorosa feita nos Estados Unidos, tudo isso fez de Matita Perê um álbum fundamental na história da MPB. Assim como a música de Jobim, a lenda de Matita Perê é cheia de mistérios,  vastas paisagens, profundidade, beleza e multi-funcionalidade. Tanto pode ser uma velha bruxa como um pássaro matreiro. Em algumas regiões do sertão, está associada ao Saci Pererê. Vamos ouvi-la numa gravação em homenagem póstuma a Tom Jobim, feita pela Sinfônica de São Paulo. O cantor teria que ser necessariamente um mineiro: Milton Nascimento.