terça-feira, 17 de julho de 2012

Memórias na tarde cinzenta e fria

Meu amigo Joel, do Campeche, disse à pouco que dias assim como hoje, frio, cinzento e chuvoso,  só servem para cozinhar. Ou beber. Como não bebo em dias de semana e já estou gordo o suficiente para manter-me longe do fogão, escolhi passar o tempo escrevendo coisas sobre o arco da velha. Já me cansei de postar mensagens nas redes sociais, então, passo a relatar certas memórias, coisas de velho, que talvez possam ser interessantes, principalmente para a galera jovem, que não sabe nada do passado recente, por que o nosso país não tem mesmo memória. Propositalmente, aliás, para continuar tudo como sempre foi, apesar das aparentes mudanças.





Com a aprovação da Lei de Anistia, em 1979, a ditadura deixava claro que seus dias estavam contados. Apesar da resistência de alguns gorilas, o politburo comandado por generais mais estudados e mais espertos, achou por bem programar a transição, tratando de garantir que os seus seriam preservados de futuros julgamentos da história, razão pela qual o Brasil é o único país latino americano onde os torturadores estão protegidos pelas leis.  Não apenas os criminosos de guerra, mas, uma série infindável de bandidos, principalmente políticos, também estão seguros por leis inexequíveis de uma justiça hipócrita, mas, deixa pra lá, este não é o foco desta crônica.

Desde que vi a ditadura por dentro, de dentro do quartel da Polícia do Exército, eu morria de medo, mas, considerava minha obrigação fazer alguma coisa para mudar aquele estado de coisas. Comecei a colaborar com o MDB, onde estavam todos os grupos de esquerda. Até que o PT foi fundado, em 1980. Era odiado tanto pela esquerda como pela direita. Pela direita, por razões naturais, já que éramos todos socialistas. Pela esquerda por uma razão muito simples: reserva de mercado. Tanto os soviéticos (PCB) quanto os stanilistas (PCdoB, MR8), consideravam-se portadores da boa nova, a vanguarda do proletariado, que estava destinada a comandar a revolução socialista, que viria no seu tempo certo, como disseram Marx e Lenine. Enquanto esperavam o tempo certo, aproveitavam festejando benesses com a burguesia nacional, que comandava em parte o MDB.  

Seu ódio pelo PT aumentava na proporção em que as forças progressistas da igreja católica ganhavam peso, com suas organizações de base, tipo CIMI, Pastoral Operária, etc. Por outro lado, também não podiam admitir a nossa convivência fraternal com os grupos trotskistas, cujo inspirador fora assassinado no México, a mando de Stálin, e prometiam vingança. Além do mais, todos denunciávamos o caráter reformista da esquerda do MDB e suas alianças espúrias com o empresariado. Ora, vejam só como as coisas mudam. Para permanecerem iguais ao passado.

Até que em 1980 a burguesia promoveu um grande encontro, com grande estardalhaço na mídia, ao qual chamaram CONCLAP, Conferência Nacional das Classes Produtoras, querendo dizer, os donos dos meios de produção. Imediatamente o PT começou a pregar uma conferência nossa, a da Classe Trabalhadora. Naquele tempo, as reuniões políticas ainda eram reguladas pela polícia federal, a quem competia autorizar ou não. É, crianças, foi assim que os militares controlaram a transição, para não lhes fugir do campo de alcance. "Damos os anéis, sim, mas vamos preservar pelo menos os dedos", pareciam dizer aos ventos das mudanças que sopravam sobre o país.

O objetivo nesta conferência, ignorada pela Rede Bobo e todas as suas comparsas,   era lançar a Central Única dos Trabalhadores - CUT. Todo o mundo político de oposição compareceu à tal conferência, realizada em Praia Grande, litoral paulista, no inverno de 1981. Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Teotônio Vilela, Miguel Arraes, José Richa, inclusive os soviéticos e os stanilistas, cujo propósito era desestabilizar e impedir a fundação da CUT. Eles nos chamavam abertamente de traidores, acusavam-nos de termos nascido nos laboratórios do General Golberi, de estarmos a serviço do Vaticano, etc e tal. E suas práticas vândalas surtiram efeito. A CUT só foi ser fundada em 1983, apenas com sindicalistas do PT. A adesão dos stanilistas do PCdoB só se deu mediante altas negociações de vantagens, quando Lula já estava se encaminhando para sua carreira de sucesso, pois, até então, era visto como um bode barbudo, a quem Brizola finalmente disse que "teriam que engolir", no segundo turno da eleição presidencial de 1989, olha quanto tempo depois!  

Havia 6 mil delegados nesta conferência, representando todos os sindicatos brasileiros, reconhecidos ou não. Eu, por exemplo, fui representando a Associação dos Profissionais em Processamento de Dados, sem qualquer reconhecimento oficial. Imagine a zona que eram as plenárias. João Amazonas era vaiado e impedido de falar, por militantes soviéticos, enquanto Luis Carlos Prestes não conseguia concluir seu discurso, ao som de "traidor, traidor", gritado pelos stanilistas. Lula, então, passava o maior sufoco, para se livrar das cobranças de ter criado um novo partido. Em dado momento, estando Lula discursando, um importante sindicalista soviético pediu aparte e sentou bucha: 

--- "Lula, por que você foi criar um novo partido dos trabalhadores, se os trabalhadores brasileiros já têm o seu partido desde 1929" ? 

--- "Por que quando eu quis ter um filho, eu fiz o filho. Não pedi para ninguém fazer".

Ele sempre foi meio tanso e grosso assim. Não me causa espanto que tenha sido ludibriado pelo Maluf. 


3 comentários:

  1. Esta tua ótima crônica compensou com folga ter ficado em casa neste "tarde cinzenta e fria".
    Abraços, Moisés

    ResponderExcluir
  2. Muito bom mas como será o amanhã se nao sonharmos????porque nao vivo de passado...KKKKKKKKKKK vim aqui so para perturbar...kkkk
    Muito boa esta cronica, parabens....como sempre vc é um bom escritor...mau humorado mas bom ....abs

    ResponderExcluir