Em 1989 realizava-se a primeira eleição presidencial desde 1961. Todas as tendências políticas estavam representadas. Foi a última eleição realmente politizada de nossa história recente. A escalação era sui generis: na direita, Paulo Maluf. No centro, Mário Covas. Na meia direita, Fernando Collor, e, na meia esquerda, Luis Inácio disputava o posto com Leonel Brizolla. A ponta esquerda estava, de fato, desprovida de representantes, mas, o conjunto da opinião pública, influenciado grandemente pelas grandes mídias se encarregou de colocar Lula neste posto.
Eu já era ex-militante do PT, mais pela minha impaciência e falta de disciplina, do que pelos defeitos do partido, que era o mais organizado dos partidos de massa, ou seja, aqueles voltados para o grande público, e não centrado em si mesmos, como os partidos de "quadros", como se auto intitulavam os nanicos marxistas. No entanto, eu torcia pelo Leonel Brizolla, por que achava que o PT não tinha justamente os quadros necessários para comandar uma transição tão difícil, como seria o da ditadura para a democracia plena, convivendo com as diferenças sociais e os interesses capitalistas tão fortes e politicamente poderosos, que desde sempre influenciaram os governos nacionais, inclusive os militares. Já o PDT tinha gente experiente e bem formada, cheia de qualidades, como o professor Darci Ribeiro e o arquiteto Oscar Niemayer, além do próprio Brizolla, um comandante de porte internacional, que já havia provado sua capacidade de organizar mudanças.
Meses antes da eleição, fui a um encontro de ambientalistas na Chapada dos Guimarães, próxima a Cuiabá. Lá, a maioria das pessoas presentes eram torcedores do Mário Covas, devido a sua fama de moderado e habilidoso nas negociações, uma qualidade que Brizolla não tinha. Até o pessoal do PV, cujo candidato era Fernando Gabeira, torcia pelo Covas, a começar pelo Gilberto Gil, que animava a festa e falava pelos cotovelos nas horas vagas, quando não estava cantando ou discursando.
Apurados os votos do primeiro turno, surpreendentemente Lula ficou 200 mil votos na frente de Brizolla e assumiu a tarefa de dar combate a Collor no segundo turno. Covistas e Brizollistas insistiam que ele deveria renunciar, deixando esta tarefa para alguém mais experiente e palatável ao gosto do povão. Diante do absurdo proposto, Lula desafiava os aliados com bravatas "quando eu quis ter um filho, eu fiz o filho, não pedi pra ninguém fazer", ou "se o povo quisesse o Brizolla no segundo turno, teria votado nele mais do que em mim", até que o velho caudilho gaúcho decretou "É, vamos ter que engolir o sapo barbudo".
Lula não fez feio na votação final. Acho que a diferença foi abaixo dos 10 milhões de votos, mas, com todas as forças conservadoras a bater-lhe impiedosamente, perdeu para Collor de Mello. O ambiente das vésperas do pleito estava carregado. Nós tínhamos muito medo de um novo golpe, enquanto os ultra esquerdistas desafiavam a direita escancaradamente, sem medo de ser feliz. Mario Amato, presidente da FIESP, dizia que se Lula ganhasse, 800 mil empresários deixariam o país. O presidente do Bamerindus contratava artistas e soltava dinheiro a rodo, em apoio a Collor, cuja campanha suja foi buscar uma filha fora do casamento e o depoimento da mãe dela, a acusar que Lula tinha tentado que ela abortasse a criança... Assunto tabu no Brasil, que destrói lideranças construídas em longos anos de intenso trabalho. Foi o caso de Lula. No debate final contra Collor, Lula não foi bem. Mas, na edição da Rede Globo, veiculada fartamente pela TV na véspera da eleição, Lula era apresentado como um idiota despreparado, enquanto Collor brilhava como bom moço. Bonito já era, contra o baixinho e feio Lula, mas, em termos de propaganda enganosa, a TV foi ao seu momento mais triste em nossa história.
Hoje, Lula é o grande lider político brasileiro. Venceu a eleição na prefeitura de São Paulo com um ilustre desconhecido, que tinha 3% das intenções de voto quando começou a campanha. Bancou Dilma como candidata e a elegeu, contra as forças da direita convencional, que se reagrupavam em torno de José Serra, quanto contra os petistas da velha guarda, que viam Dilma com desconfiança, por ela ter vindo do PDT de Brizolla, ou melhor, de Alceu Collares, do qual foi secretária tanto na prefeitura quanto no governo do estado. Se quiser, volta à presidência em 2014, apesar de Dilma ter-se antecipado e se lançado com todo o poderio de sua artilharia pesada, a caneta presidencial. Se Lula quiser, basta ordenar à convenção petista que não dê a Dilma o direito de disputar a reeleição, e duvido que sua ordem seja desobedecida. Mas, não o fará, por que não precisa. Dilma lhe faz todos os desejos e vontades.
Diante desse quadro de hegemonia política, eu me pergunto por que o PT precisa dos aliados que tem. Collor empurrou goela abaixo da nação o sequestro das contas bancárias da população, quando tinha apenas 18% de apoio no congresso. Por que Dilma precisa ter esta maioria escandalosa e, para isso, dar abrigo em seu governo a figuras como Sarney? Por que não organiza sua base de acordo com métodos modernos, alinhados com sua política de governo, orientada para a reforma social? Por que insiste em manter aliança com o que há de mais retrógrado na política brasileira?
Alguém é capaz de me responder?