sexta-feira, 24 de maio de 2013

Cusco, Peru



Quando chegamos a Cusco fazia seis graus às tres horas da manha. Rodoviária velha, suja e vazia. Um único táxi aguardava passageiros. "Por favor, queremos ir ao Hostal Rojas".

-- Tienes la direción?

Nao tínhamos. Havíamos reservado por Internet em Rio Branco, Acre, justamente temendo pelo pior, o que agora se configurava.

-- "Sei que é perto da Praça de Armas. Vamos lá e procuramos", eu disse ao taxista.



O centro histórico da cidade de Cusco nao tem nada a ver com sua periferia, onde fica a Rodoviária. Naquela madrugada de domingo, a cidade fervilhava de atraçoes por todo lado, jovens loiros europeus e norte americanos bailavam alegremente pelas ruas, saindo de uma e entrando em outra boate, onde bandas de rock ou conjuntos folclóricos animavam as festas. Restaurante abertos, com seus pregoeiros em pleno frio da madrugada, tentando atrair clientes para dentro de seus estabelecimentos. Policiais dirigindo o trânsito, que se mostrava complicado nesta parte da cidade. Paramos o táxi na Praça de Armas e perguntamos a uma policial, pois julguei mais recomendável envolver uma mulher. Ela prontamente passou a consultar sua lista de hotéis, enquanto o motorista consultava outros companheiros na praça e rapidamente localizamos o endereço. 

Chegamos na porta do hotel, acordamos o porteiro e quando perguntei pelo preço da corrida, recebi minha segunda surpresa agradável em Cusco. A primeira havia sido o encanto de uma cidade andina luzindo suas luzes festeiras numa alta madrugada. 

-- Sao 20 soles, senhor.

Isso correspondia a 16 reais, para sair da rodoviária, esperar pela localizaçao do hotel e nos deixar na porta. Era praticamente de graça. Dei 30 soles ao bom homem e adentramos a uma suíte de dar água na boca, ampla, com sacada para a rua barulhenta, porém completamente silenciosa no seu interior. Uma banheira gigante nos aguardava, para o merecido descanso depois de 28 horas de viagem de ônibus pela selva Amazônica e cordilheira dos Andes, saindo de praticamente nível do mar para 5 mil metros de altitude, no ponto mais alto da cordilheira, até baixarmos para os atuais 3.400 metros do centro de Cusco.  

Para ver fotos de Cusco, visite meu álbum
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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ônibus amazônico de Rio Branco a Cuzco





Ao contrário de Porto Velho, a cidade de Rio Branco, no Acre, é uma belezinha!  Tudo muito limpo, bem cuidado, bonito, equipamentos urbanos modernos, uma auto estima evidente no ar!  

Ao se parabenizar seus moradores pelo que encontramos, não raro a resposta era "Não foi sempre assim, não senhor." E quando se investiga para saber detalhes, fica muito claro que a transformação deveu-se ao período que se iniciou com o primeiro governo de Jorge Viana, irmão do atual governador, também do PT.  Eu que não tenho qualquer simpatia por este auto denominado Partido dos Trabalhadores (arre!), ainda que tenha sido um de seus fundadores,  sou obrigado a tirar o chapéu para este grupo político, que tirou o Acre das mãos dos antigos exploradores de recursos naturais e deu a seus cidadãos a experiência de escolher suas próprias alternativas. É certo que no final se formou uma outra elite, em torno desse povo da classe média de Rio Branco, a capital, em aliança com a herança que sobrou de Chico Mendes e sua experiência comunitária nos seringais. Mas, é evidente que mesmo isso é muito melhor que os que serravam os corpos dos inimigos com moto-serras.    



 













Quando iniciamos esta aventura, pensávamos que haveria linha aérea que servisse as duas importantes cidades. Não há. Para o indivíduo deixar Rio Branco e chegar a Cuzco de avião, tem que passar por Manaus e Lima. Coisas de países em "franco processo de desenvolvimento", que deixaram de ser miseráveis, e estão integrando suas populações ao mundo civilizado. Assim, "compartem" melhor suas potencialidades turísticas, não é mesmo? 

Fomos obrigados a tomar um ônibus, que faria os mil quilômetros em não menos que as incríveis 29 horas que levamos nesta "viagem".  O jeito foi encarar a buraqueira e a burocracia, que só abriu a aduana brasileira na fronteira às 9 horas da manhã, prestigiado lugar onde nosso ônibus estacionou às 6 da manhã. A população local nem reclama, pois já está acostumada... Haja paciência ...

O ônibus em Rio Branco seria continuação de uma viagem que começa em São Paulo (! e termina numa cidade litorânea perto de Lima !). Estava marcado para 10 da noite, mas, a vendedora de passagens já avisou "Olha, tem dias que ele passa meia noite e meia, tem dia que passa às quatro da manhã, mas, antes de meia noite, nunca passou, não!". E não haveria de ser naquela noite que isso aconteceria. Saímos de Rio Branco 00,30 da madrugada de sábado, com temperatura ao redor de trinta graus. Ufa!

Apesar da miséria evidente, o ser humano e suas obras sempre apresenta suas curiosidades exuberantes, como a floresta que lhe serve de moradia e sustento. Paisagens belíssimas e exóticas, primeiro as amazônicas, depois, se diferenciando na subida da cordilheira, até chegar a 5 mil metros de altitude, de onde se baixa em seguida para os 3,4 mil metros de Cuzco, nosso destino final, onde chegaríamos cansados, gripados, famintos e atordoados pela altitude. Felizmente havía feito uma reserva num hotel padrão mediano, onde me esperava uma deliciosa banheira quente, no meio dos seis graus que fazia em Cuzco.  Eram 5 horas da manhã de domingo, em horário correspondente a Rio Branco.


Ao longo da estrada, observa-se várias derrubadas e os acampamentos de seus trabalhadores. 

"Chiquita" peruana embarcada em São  Paulo. "Se vá a visitar la abuela...".



domingo, 19 de maio de 2013

Porto Velho, terra da desesperança

Centro da cidade vista de um barco no meio do Rio Madeira

A capital de Rondônia é uma grande decepçao. De um ponto perdido no meio da floresta Amazônica,a cidade de Porto Velho aparenta realmente uma cidade velha, descuidada, feia, quente como o inferno e inadequada em todos os sentidos. Por onde se anda, principalmente pela noite, as recomendaçoes sao sempre as mesmas: "Muito cuidado com os nóia." ou "Amigo, este lugar é perigoso, melhor sair daqui."

Deve ser, mesmo. Nem a populaçao local gosta de sua cidade. Até um garotinho de doze anos, com quem conversei (sou ótimo para papear com prè adolescentes!) disse que nao vê a hora de se mandar daqui. Prefere viajar com o pai caminhoneiro, do que frequentar a escola. Todos parecem apenas estar aproveitando a oportunidade que vier para dar no pé. Uma terra de aventureiros!

 
Tudo na cidade lembra o Nordeste. Vieram construir a Madeira-Mamoré e nunca mais foram embora.
Desde o início do sèculo passado foi assim, quando levas de nordestinos migravam para lá, contratados para construir a estrada de ferro Madeira Mamoré, compromisso do governo brasileiro de entao, como recompensa aos bolivianos pela incorporaçao do território do Acre. Hoje, a cidade continua sendo nordestina, com suas comidas, diversoes públicas, músicas, comportamento, etc. Há uma sexualidade muito forte impressa no ar. Mocinhas de doze anos já estao agarradas com rapazes, se amassando nos cantos escuros. E cantos escuros nao sao propriamente uma carência da cidade, ao contrário, precisariam de muito mais luz.

Luz que está sendo providenciada pelos consórcios que constroem as usinas do Rio Madeira. Mas, aos que pensam que este investimento monumental, capitaneado pelos franceses da Tractebel, vai solucionar o problema de segurança a escuridao da cidade, podem tirar o cavalinho da chuva. A inteligência tupiniquim planejou o uso desta energia elétrica para alguns milhares de quilömetros daqui, em lugares situados no espaço desenvolvido do leste brasileiro, Sao Paulo na frente da demanda. Nao sei se vai sobrar alguma coisa para os rondonianos. Por isso estao construindo linhas de transmissao com tres mil quilômetros. Voltamos ao Brasil Grande da ditadura militar. Seria mais fácil construir termo-nucleares no estado de Sao Paulo e deixar os bagres do Rio Madeira em paz ...
 
O desmatamento das margens do rio sò poderia provocar isso mesmo: erosao

O porto é velho, mesmo. E pequeno. E ruim!

Outras fotos estao armazenadas no endereço
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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ser ou não ser. Era a questão. Agora, é Ser Humano.


Seres humanos são imperfeitos, impacientes, impermanentes e insatisfeitos.

Embora a filosofia religiosa oriental budista soubesse disso há milênios, a Igreja Católica construída pelo império romano tentou nos passar a ideia de que seres humanos poderiam ser perfeitos em vida encarnada. Essa é a noção de santidade cristã, alguém que superou em vida as contradições da existência humana. Se isso acontecesse, na visão budista, o Ser já não teria se encarnado de novo, pois estaria perfeito e iluminado. Em outra esfera, com certeza, talvez no paraíso. Para cristãos, o paraíso só será possível após o julgamento por um tribunal celestial, depois de concluída a única passagem do Ser por este vale de lágrimas. Esquisito, não?  Tudo mudou com o estudo profundo da condição humana, dos anos 1800 pra frente, quando  a ciência positivista entraria em acordo com os antigos mestres, construindo matrizes de "verdades" que deles se aproximavam.  Por exemplo, a psicanálise passou a afirmar coisas que espantavam os religiosos fundamentalistas, que logo os classificaram como a serviço do demônio. 

"Não há culpa sem prazer", afirmou o pai da psicanálise, Sigmund Freud, que escapou da fogueira apenas por que não tinha nascido em 1600. 
"Não há prazer sem riscos", acrescentou Wilhelm Reich, o pai da bioenergética, que revolucionou o pensamento ocidental ao concluir suas pesquisas sobre a função psico-física do orgasmo. Por isso mesmo, morreu envenenado numa prisão norte americana, onde tinha ido buscar abrigo fugindo dos nazistas alemães, ora veja!


Uma das condições naturais da impermanência humana é o eterno conflito de gerações. Já se ouviu dizer que as netas imitam as avós. Não há dúvida. O mundo dá voltas em torno de si mesmo há milênios. Mas, avança, ahhh, se avança. Dois passos pra frente e um para trás, rsrsrs.






A cultura de massas do século XX é uma demonstração do avanço da civilização. Até então, a arte se restringia à elite dominadora. Reis e poderosos contavam com seus casts particulares de artistas, músicos, escritores, adivinhos, mágicos e magos, enfim, todo o conhecimento artístico estava a serviço da elite. Não há dúvida que se produziram obras magníficas, inclusive aquelas feitas durante o período medieval, barroco e clássico, longo período de mil anos, onde a Igreja detinha o monopólio da música. Neste cenário se criaram grandes obras da humanidade, sob a inspiração de gênios como Bach, Mozart e Bethoven. Mas, já na segunda metade dos anos 1800 ocorreu um evento significativo, a Ópera. 

A partir de 1850 a Igreja perdia o monopólio da diversão. Já era possível romper com o padrão machista de bispos e padres, ao se encenar as aventuras de uma cigana enfeitiçada, que seduzia todos os homens, como a Carmen de Bizet, ou a mulher rainha supostamente destinada a governar a Terra, graças aos seus super poderes de fêmea, brilhantemente descrita por um russo na obra Carmina Burana.  

Mas, foi a música popular que transformou tudo. O principal evento transformador foi o canto negro spiritual norte americano, que se transformou no Blues, Jazz e Rock, que dominam o mercado até hoje. Todos os ritmos regionais, do tipo Samba, Tango, Bolero, árabes, asiáticos, africanos, indianos, etc., mesmo os que se aventuram no mercado ocidental, como a música New Age, estão longe de competir com o padrão elegido pelo mercado. Ou seja, o padrão norte americano de música. 

Ele não é necessariamente bom. Mas, é, sem dúvida, o melhor que temos. Envolvente, filosófico, questionador, transformador, midiático, meditativo, religioso, literário. Enfim, é o meu preferido também!





Isso não quer dizer que a periferia não faça boa música. Claro que faz! Constantemente, produtos da periferia do sistema capitalista adentram aos Estados Unidos e Europa, fazendo relativo sucesso, o que, pelo menos, lhes garante o sustento em suas comunidades originais.

Foi o caso de diversos artistas brasileiros, desde a clássica Carmen Miranda, que voltou da matriz com sua paródia "disseram que eu voltei americanizada". Na verdade, Carmen Miranda só fez sucesso por que correspondeu a um  apelo de mercado, propiciada pela morte inesperada de Carlos Gardel. Então, para preencher o espaço destinado aos latinos, chamaram a luso-brasileira das bananas na cabeça. Assim como Tom Jobim e seus bossa-novas, que preencheram um lack dos cubanos, que brilhavam no show business de jazz latino, e foram abruptamente cortados pela revolução cubana de Guevara-Castro em 1959.

Enfim, tudo é mercado e cada artista tem seu preço. Felizmente esta regra não se aplica a todos. Pelo menos um de nossos ídolos está fora dela:  Milton Nascimento.  Ele só  cedeu algumas poucas vezes ao Sistema, a maior parte delas em engano de consciência, seduzido por terceiros, de forma inocente e até infantil, como no apoio à campanha das Diretas Já, em 1984, com a canção "Coração de Estudante", que, depois, viria a tornar-se o hino oficial da Nova República e do governo Sarney, valha-me-nossa-senhora-do-bigode-preto! Milton sempre foi inclassificável, como na alegoria de Caetano Veloso, "salve os mil-tons e seus sons geniais". 

Nesta canção emblemática, chamada "Uma Moeda", Milton faz duo com simplesmente Flora Purim, brasileira auto exilada, então uma das grandes damas do jazz norte americano nos anos setenta.


O encontro da música de Milton Nascimento com Waine Shorter e Herbie Hanckok, em 1976, foi uma festa para os ouvidos. Nós, que estávamos totalmente isolados pela ditadura militar, podíamos nos encontrar em ambientes particulares, supostamente protegidos dos espias da repressão, beber nossa cachaça e ouvir um som de outro espaço, que nos colocava a salvo daqueles tempos bárbaros. Pelo menos pelo tempo que durava a festa... E que festas!!! 






quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não me dá nos cornos, seu istepô!



O primeiro de maio amanheceu ensolarado e brilhante, o mesmo azul turquesa a prenunciar um dia de espetáculos, que se acabou em nuvens na altura do meio dia... rsrsrs. Nesta época do ano, os dias começam sempre assim, como se estivéssemos no outono de Aux-en-Provence, sul da França, curtindo os primeiros ventos gelados que sopram do Saara e atravessam o mar Mediterrâneo, enchendo de areia e glamour a cozinha de Lion, uma centena de quilômetros longe da costa, a central milenar da cozinha francesa e, por conseguinte, do mundo civilizado. De Lion se pode pegar um trem numa das várias estações que servem à civilização, com o detalhe de metrô grátis, e subir até os Alpes, para tomar um banho térmico e encharcar-se de lava vulcânica, sorver um branco seco e voltar para a janta no mercado público mais interessante da Europa. 

Nada disso importava nesta manhã. Nos mantivemos entretidos com uma conversa amena, pois nossa musa iria dar uma entrevista na TV de Itajaí, estava muito nervosa, de modo que precisamos apelar para várias técnicas de tranquilização, até que ela se mostrou tão agradecida e emocionada que chorou em público, quero dizer, um público privado, só para mim, embora eu desconfiasse que algo assim pudesse suceder no decorrer da entrevista em si, fato que realmente não aconteceu, ainda bem, nossa!, livramo-nos do pior. A entrevista foi um sucesso, como sempre!



O que protege nossa praia da poluição humana são suas dunas eternas.

Cheguei no centro místico da Praia do Campeche, de onde se avista a famosa Ilha. 
A Missa corria solto, cantorias do divino e várias entonações emocionantes.
Me impressionou a qualidade do coro e dos músicos encarregados da liturgia. 
Os padres e coadjuvantes distribuiam o sacramento, há um momento de discursos das autoridades presentes, falam tres vereadores, dos quais eu conheço um, o Sandrini, uma espécie de sobrevivente da velha política, onde os Ramos comandavam tudo em todos os partidos, há pelo menos cento e cinquenta anos. Os outros dois vereadores não sei dizer quem são. Produtos da transformação de Floripa em metrópole, eleitores novos e ignorantes das regras locais,  que não sabem das tradições de manter a mesma elite no poder. Mas, não se preocupem, eles também cumprem a mesma missão de manter o poder nas mãos da oligarquia, a serviço da especulação imobiliária. E que se "fodam" os interesses de nativos e moradores que vieram de fora! O que interessa são os lucros fenomenais, decorrentes da exploração pura e simples dessa maravilha que é a natureza de Floripa, um dos cenários mais encantadores do Planeta, sem dúvida ...


Ilha do Campeche ao fundo
Terminada a missa, os discursos das autoridades remetiam sempre à necessidade de cumprir o estabelecido pelo Ministério da Pesca, ou seja, iniciar a pesca artesanal com canoas somente a partir do dia 15 de maio. Uma das reivindicações maiores dos pescadores artesanais era justamente iniciar esta atividade a partir de 1º de maio, hoje. Acho sinceramente que isso não tem qualquer importância econômica, pois a pesca artesanal está mesmo condenada à falência. Mas, o que custava deixar isso ao encargo dos próprios pescadores? Por que a indústria pesqueira, baseada em Itajaí, precisa tanto humilhar as comunidades litorâneas de Santa Catarina?

Falaram vários intérpretes dessa premissa, o superintendente do Ministério da Pesca, o do Meio Ambiente, o da Secretaria de Pesca da prefeitura municipal, até o presidente da federação dos pescadores, um pelego bem falante, se dizendo muito corajoso, até o ponto de ignorar as ofensas pessoais e poder recomendar aos pescadores do Campeche que não entrassem em litígio com a autoridade, aconselhando que cumprissem o que está posto pelo governo federal, a serviço dos industriais de Itajaí: pesca com rede e canoa, só entre 15 de maio e 15 de julho. Ridículo!!!



Tudo bem, todo mundo satisfeito, autoridades deixam o palanque ao lado dos padres e lideranças sindicais, todos tranquilos em relação à massa que ali esperava pelo espetáculo musical que viria em seguida, a pelegada confiante de que tudo já estava resolvido. Então, sem ninguém perceber a importância disso,  entra em ação ninguém mais que uma simples feiticeira açoriana, uma mulher bruxa que se deu como missão preservar as tradições ilhoas. Dona Bilica!!!



Dona Bilica começa sua intervenção chamando as "autoridades" de volta ao palco; "Dondeé qui ocêx vão, ô istepô, vorta cá! Pensa qui é falá bobagi e si mandá, é? Olholholho,lho,lhói, te exconjuro, cambada de mandrião!". 

Em seguida passa a fazer considerações perfeitamente lúcidas, politicamente perfeitas dentro do quadro da luta de classes, tomando partido nitidamente pelos desvalidos que ali estão a assistir a um espetáculo engendrado pelos poderosos. Dona Bilica, sutilmente e de forma escancaradamente cômica, chama a atenção para o fato de que aos pescadores artesanais está proibida a pesca de arrasto, enquanto se pode observar no mar o movimento dos barcos pesqueiros, que praticam a pesca predatória. Não houve como contestar tamanha autoridade moral. O público veio abaixo, em aplausos emocionados.  

Saí daquele palco de areia branca com a alma lavada! Nem esperei o espetáculo musical dos valores que habitam esta província, a planície imaculada entre a Baia Sul e o mar aberto, onde se pode avistar o verde intenso das copas que enfeitam a imensidão azul, a Ilha do Campeche,  "abençoada por deus e bonita por natureza" .