Quando completei 50 anos fiz minha primeira viagem à Europa. Sim, eu sei que fui muito tarde, e também tenho a explicação para isso: achava que não era direito fazer uma viagem dessas, tão apropriada para as classes mais altas. Fiz um pacto comigo mesmo: só vou para a Europa quando tiver conhecido todo o Brasil. Sei que é bobagem, coisa de quem nasceu, viveu e vai morrer pobre, pelo menos de espírito. O que custava pegar uma mochila e ganhar o mundo do outro lado do oceano? Mas, eu não me dava este direito e prazer. Esperei 50 anos!
Afinal, completei minha corrida pelo
Brasil para me sentir autorizado. Naveguei mares e rios, subi montanhas, cruzei
campos e banhados, numa longa jornada feita aos poucos. Todo ano escolhia
um lugar e para lá levava minha vasta ignorância, em busca de conhecimento. Não
me bastava apenas olhar e apreciar. Tinha que frequentar os botecos, conversar
com as pessoas da terra, entender os sotaques, ouvir a música, ver as baixarias
dos políticos locais. Perceber que são todas iguais e por aí se vai. O Brasil realmente
não é para amadores!
Mesmo com o espírito assim pacificado, tive que fazer um novo pacto para finalmente me autorizar a botar os pés em Paris. Teria que ter um motivo nobre, então, combinei com minha consciência de percorrer os caminhos do pintor Vincent Van Gogh, desde sua cidadezinha nas redondezas de Amsterdan até Arles, sul da França, onde teve seu apogeu artístico, que afinal ninguém compreendeu, pois ao longo de sua curta vida de 34 anos não vendeu um único quadro sequer, até cometer suicídio num trigal como os tantos que pintou na vida, nos arredores de Paris, onde também fui e vi seu túmulo ao lado do irmão Theo, que morreu de tristeza ao saber do triste fim de seu protegido.
Noite Estrelada sobre o Rhone, pintada em Arles (1888) está no Museu D'Orsay, Paris
Aproveitei para dar um pulinho em Londres e assistir a programação da passagem do milênio, que ainda estava rolando e iria se estender até o final do ano. As atrações eram muito caretas, inapropriadas para um mochileiro rockeiro brasileiro. A única coisa que me emocionou não foi a apresentação no palco principal, que exibia um excêntrico homossexual chamado David Bowie, o qual, por mais famoso que fosse, não me era minimamente interessante. Fiquei realmente tocado num auditório secundário, onde 50 gatos pingados assistiam o grupo sul africano Ladysmith Black Manbazo.
No aeroporto de volta ao Brasil, descobri que outros brasileiros viajam sem culpa, mas, talvez não aproveitem tanto. A meu lado na fila de check-in estava um carioca, de meia idade como eu, e entabulamos uma conversa onde descobri também a imensa e abissal diferença que pode existir entre viajantes, mesmo falando a mesma língua. Começou quando ele perguntou quanto eu havia pago para vir até o aeroporto. "Quatro dólares", respondi. "Como pode, se o meu táxi saiu por 80?", Eu me espantei: "Você veio 40 quilômetros de táxi?". Então eu vi que o homem sozinho carregava quatro malas, o que realmente tornava proibitivo ele fazer a viagem de trem, como eu fiz. Outra pergunta dele atiçou minha curiosidade: "Você foi ao Crazy Horse?". Respondi com um palavrão apropriado ao saber do suposto evento "PQP, como fui perder isso? É minha banda preferida". Foi a vez dele pedir explicações, pois não entendeu a razão do meu espanto. Só depois de muito papo é que descobri que ele se referia ao famoso cabaré parisiense, enquanto eu falava da banda de rock do Neil Young.
A música popular norte americana está sustentada por uma impressionante indústria cultural. Este é o motivo pelo qual ela é a mais vendida do planeta. E também é o motivo pelo qual é odiada pelos militantes de esquerda do mundo inteiro, especialmente os brasileiros petistas e assemelhados. É vista como representante do capitalismo internacional.
Nada mais equivocado! Grande parte da cultura norte americana é inspirada justamente em um sentimento anti capitalista, a começar pelos jovens rebeldes dos quais James Dean e Jack Kerouak eram o símbolo mais visível na década de 1950. Depois, nos anos sessenta foram sucedidos por Bob Dylan, a máxima expressão musical da juventude hippie. Mas, não a única.
Um dos grandes ícones da contra cultura norte americana é Neil Young. Este lutou efetivamente do lado underground da cultura. Enquanto Dylan abandonava sua aldeia na fronteira com o Canadá e era recebido com serviço de cama e mesa em Nova Yorque, por sua namorada filha de bolivianos, Joan Baez, Neil Young teve que comer o pão que o diabo amassou em Los Angeles. Uniu-se a uma banda de drogados mexicanos e canadenses, completos representantes do sub mundo californiano, quando formaram a banda Cavalo Louco, que na minha opinião foi o melhor que o rock and roll produziu ao longo da história. O nome também remete a um famoso cacique indígena e o som de suas guitarras e baixos nunca foi igualado em tempo algum, excepto talvez por Jimmy Hendrix, mas, aí já não era rock and roll e sim uma mistura de blues, jazz, new wave e coisas extremamente complicadas do ponto de vista estético e musical Não que a música de Crazy Horse seja simples. Até acho que em parte eles se inspiraram nos longos acordes de Hendrix.
Não só de sons dissonantes e distorcidos viveu Neil Young. No ano de 1969, juntou-se a outros companheiros e fizeram impressionante performance no famoso festival de Wookstock, aquele encontro de nudistas e libertários que aconteceu numa fazenda no interior de Nova Yorque. Depois do evento, passaram a se reunir anualmente e isso tornou-se um acontecimento imperdível nos Estados Unidos.
Voltemos ao rock and roll. Quando retirou um tumor instalado junto ao cérebro, Neil Young supostamente iria se aposentar, depois de rodar as estradas do mundo por mais de quarenta anos. Não foi nada disso que aconteceu. Voltou aos estúdios e aos palcos, inicialmente cantando temas políticos relacionados com sua revolta ante os anos Bush; depois, não teve como evitar a convocação dos antigos companheiros. E voltou à velha forma.
POWDERFINGER (Neil Young & Crazy Horse, 2012)
"Olhe Mamãe, há um barco branco vindo pelo rio
Com um grande farol vermelho, e uma bandeira, e um homem no leme
Eu acho que é melhor você ir chamar o John,
Porque parece que este barco não está aqui para entregar o correio.
E está a menos de uma milha de distância
Eu espero que ele não tenha vindo para ficar
Há números no lado e uma arma
E está fazendo ondas gigantes
Papai se foi, meu irmão está caçando nas montanhas
O grande John tem bebido desde que o rio levou Emmy-Lou
Então, eu fiquei aqui para fazer meditação
E eu apenas acabei de fazer vinte e dois
Eu estava imaginando o que fazer
E quanto mais próximo eles estão,
Mais aqueles sentimentos crescem
O rifle de papai em minhas mãos sentiu-se reconfortante
Ele me disse, "vermelho significa correr, filho, números não levam a nada"
Mas quando o primeiro tiro atingiu as docas, eu o vi
Levantei meu rifle para meu olho
Nunca parei para imaginar por que
Então eu vi tudo preto
E minha face salpicada no céu
Abrigue-me do pó
Cubra-me com o pensamento
Pense em mim como alguém que você nunca imaginou
Que desapareceria tão jovem
Com tanta coisa deixada inacabada
Lembre-me ao meu amor, sei que vou sentir falta dela".
(Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1927 — Nova Iorque, 8 de dezembro de 1994)
O popular Tom Jobim, erudito,
culto, simplório, não-criador de pássaros (por que os preferia soltos), que
sempre compunha junto à natureza, foi o mais completo compositor, maestro,
pianista, cantor, arranjador e poeta musical brasileiro.
Chico Buarque o chama "meu
maestro soberano". Ele próprio se espelhava em Villa Lobos, de quem
começou a certa altura da vida a imitar o estilo, inclusive os charutos
inconfundíveis que o mestre fumava sem parar. Na juventude, Tom se associou
a vários compositores do primeiro time da MPB para fundar um estilo marcante,
de uma musicalidade que encantou o mundo, muito próxima do melhor que o jazz
poderia proporcionar: a Bossa Nova. Com ela Jobim correu o mundo e se
apresentou ao lado das maiores feras do show business norte americano.
Após os 50 anos de idade, Tom Jobim começou uma investida para o fundo do
Brasil, fugindo do estilo que o consagrou na zona sul do Rio de Janeiro. Foi
nessa caminhada que começou a seguir os passos de Villa Lobos, em busca da essência
da alma brasileira. Ele concluiu que essa essência não estava nos ritmos
africanos que geraram o samba, nem nas toadas ibéricas que geraram a modinha,
as músicas românticas e os sambas canções. Tom Jobim foi buscar a brasilidade
no batuque do índio e na dança das florestas, no azul infinito dos cerrados e
na luta desesperada pela vida, encenada pelo homem da caatinga nordestina.
Não sei se foram as infindáveis
noitadas nas boates de Copacabana, curtidas à whisky e bossa nova, após
terminarem as várias apresentações que fazia por noite, afim de ganhar o
sustento desde mocinho, pois na infância lhe faltara o pai de classe média
tijucana, deixando-o como "chefe de família" precocemente. Não
sei se foram os demorados almoços nas churrascarias do Rio de Janeiro,
herdeiras das tradições gaúchas, assim como eram as tradições de sua atávica
origem familiar Jobim. Não sei se simplesmente foi o destino.
O caso é que o Maestro desenvolveu uma trombose muito séria apenas havia
completado 60 anos de idade, contra a qual lutou "bravamente" entre
charutos, churrascos, whiskies e amigos, em fantásticas festas musicais, até
sucumbir num hospital de Nova York, onde foi buscar o inútil tratamento, uma
vez que as causas originais nunca foram efetivamente combatidas.
Assim, muito cedo perdemos nosso maior gênio
musical. Felizmente, ficaram suas gravações. Na última fase, recolhia-se amiúde
no ambiente familiar com o genro Danilo Caymmi e as filhas, entre as quais as adotivas Cinara e Cibele.
“A minha música deve muito às árvores, às montanhas, ao mar, à costa, aos pássaros ... Tudo isso é um grande estímulo pra escrever música. Pra sentar de manhã, ver o sol e achar que a vida é bonita, que é um troço que vale a pena ser vivido”, disse Tom Jobim ao lançar o álbum Passarim, em 1987. Aqui, ele se torna um ecologista cada vez mais radical, como na canção Borzeguim, que etimologicamente é uma espécie de coturno militar com o que ele nomeia um personagem oculto na canção, provavelmente seu próprio alter ego caminhando pelas veredas sem trilhas no meio da mata, intimando o caçador "coisa ruim": “Deixa o tatu-bola no lugar / Deixa a capivara atravessar, / Deixa a anta cruzar o ribeirão, / Deixa o índio vivo no sertão, / Deixa o índio vivo nu, / Deixa o índio vivo, / Deixa o índio, / Deixa, deixa, / Escuta o mato crescendo em paz, / Escuta o mato crescendo, / Escuta o mato, / Escuta”.
Matita Perê foi lançado em 1973, quando o ambiente
político convidava para certo recolhimento. As forças de inteligência e
operações especiais da ditadura haviam acabado com os movimentos guerrilheiros
urbanos e, na falta do que mais fazer, passaram a infernizar o mundo
intelectual e artístico, em busca de novos "comunistas". A repressão
e censura era pesadíssima, então, Jobim mergulhou para o interior do Brasil
numa saga musical e poética, levado pela mão inspiradora de João Guimarães
Rosa.
Orquestrações na linha da genialidade arranjadas em parceria com Dory Caymmi,
poema magnífico escrito por Paulo Cesar Pinheiro, gravação primorosa feita nos
Estados Unidos, tudo isso fez de Matita Perê um álbum fundamental na
história da MPB. Assim como a música de Jobim, a lenda de Matita Perê é cheia
de mistérios, vastas
paisagens, profundidade, beleza e multi-funcionalidade. Tanto pode ser uma
velha bruxa como um pássaro matreiro. Em algumas regiões do sertão, está
associada ao Saci Pererê. Vamos ouvi-la numa gravação em homenagem póstuma a
Tom Jobim, feita pela Sinfônica de São Paulo. O cantor teria que ser
necessariamente um mineiro: Milton Nascimento.
Karl Marx foi o filósofo judeu alemão que mais influenciou a sociedade ocidental em toda sua história.
Dilma é de esquerda, Lula se diz de esquerda, Zé Dirceu e Luciana Genro disputam para ver quem é mais de "esquerda". Até figuras carimbadas, que há mais de um século comandam a economia, os destinos da pátria, a produção agro-pecuária e a movimentação do mercado financeiro, se definem como de "centro-esquerda", só para citar José Sarney, Paulinho Bornhausen, Eduardo Matarazzo Suplicy, Sérgio Cabral, Beto Richa e Olavo Setúbal, entre outros. Será que Marina Silva também é de esquerda?
Vamos recorrer ao auxílio dos universitários. Na definição da enciclopédia aberta na Internet, a Wikipédia, "Há um consenso geral de a ESQUERDA inclui progressistas, sociais-liberais, social-democratas, democrático-socialistas, libertários socialistas, comunistas e anarquistas, enquanto a DIREITA inclui fascistas, conservadores, reacionários, neo-conservadores, capitalistas, alguns grupos anarquistas, neo-liberais, econômico-libertários, monarquistas, teocratas islâmicos ou não, nacionalistas e nazistas."
Ajudou? Mais ou menos ... nessa definição tão ampla, podemos enquadrar qualquer pessoa como esquerdista ou direitista, tanto faz. Alguém sempre vai ter características dos dois lados. Por exemplo: a Inglaterra tem uma raínha (e futuramente um rei, seu neto ou seu filho), que governa sob a proteção de Deus, representada pela autoridade do clero da Igreja Anglicana, religião oficial do Reino Unido. Isso a faz "de direita", sem dúvida. Porém, na ordem do dia, a raínha não manda nada. O Estado é administrado por um primeiro ministro, escolhido pelo Parlamento eleito pelo povo, que pode ser derrubado a qualquer momento se lhe faltar a confiança do parlamento, e, em contra partida, pode dissolver o parlamento e convocar novas eleições gerais para eleger novos representantes. Nesse sentido se define como social-democrata e seria, portanto, "de esquerda". Vimos que não é tão fácil enquadrar pessoas e países dentro do conceito da Wikipédia!
No meu modo de entender, podemos chamar de "esquerdista" a pessoa que está envolvida num processo de mudança social e pessoal, em busca do ideário definido pela revolução francesa em 1789, que pregava a evolução como caminho para alcançar "liberdade, igualdade e fraternidade". Por seu lado, os "direitistas" lutam para conservar o estado atual das coisas. Desse modo, um esquerdista hoje pode vir a ser direitista amanhã, se o estágio social avançar de tal modo que aquilo que a pessoa defendia no passado já não serve ao propósito da evolução.
E daí? Marina Silva, por exemplo, é esquerdista ou não?
OS PRIMÓRDIOS DO ESQUERDISMO
Como vimos, a Revolução Francesa que se implantou a partir de 1789, definiu as bases do que é "esquerdismo". Isso por que os parlamentares que lutavam por transformações, como Robespierre, Danton e Marat, sentavam-se do lado esquerdo do plenário. Aqueles que queriam a volta da monarquia ou a manutenção dos privilégios da burguesia, sentavam-se à direita. Depois, como nos conta a história, a França caiu de novo no obscurantismo Napoleônico e voltou a ser monarquia, ao largo de efêmera glória militar logo aniquilada pelas forças inglesas. No entanto, a semente do esquerdismo ficou plantada, de modo que 50 anos depois nascia o Marxismo, que proliferou inicialmente em terras francesas. Karl Marx concebeu o Comunismo, regime pelo qual todo cidadão receberia do Estado segundo suas necessidades pessoais, e onde o Estado arrecadaria de cada um, segundo suas potencialidades e talentos pessoais. Ainda vivo, Marx assistiu a primeira experiência de seu comunismo ser implantada na cidade de Paris, cuja população se revoltou e proclamou a "Comuna de Paris", um governo autônomo da cidade, tomando o poder e expulsando as forças militares do governo central. A Comuna durou não mais que quarenta dias e nesse curto período de tempo instituiu coisas realmente revolucionárias, como o fim das igrejas, onde cada capela se transformou num espaço de discussão comunitária, o fim do trabalho noturno, implantando a jornada de oito horas, a liberdade sindical, a igualdade de direitos entre os gêneros (sexos), a educação pública e gratuita, além de outras mudanças sociais. No entanto, a experiência comunista não perdurou, pois logo foi invadido e destruído pelas forças contrárias, que se reagruparam em cidades do interior da França e partiram contra a capital, matando cerca de 20 mil militantes comunistas. Entre as causas da derrota, o movimento marxista apontava a postura amadora da gestão comunista, onde as centenas de delegados indicados pela comunidade ficaram perdulariamente discutindo entre si, enquanto os conservadores se organizavam militarmente para o ataque. A partir desse fracasso, o movimento comunista mundial produziu milhões de teses, como a impossibilidade de construir o comunismo num só país, gerando a Internacional Comunista, entidade encarregada de espalhar a revolução mundial. Wladimir Lênin foi o principal arquiteto das estratégias de tomada do poder pela revolução comunista. Formado em Paris e Londres, grandes centros capitalistas ao final do século XIX, Lênin e seu companheiro Trotski viram a revolução comunista ter sucesso em seu próprio país, a Rússia feudal monarquista, administrada à ferro e fogo pelos Czares. Isso não estava nos estudos e previsões de Marx, cuja teoria era de que o capitalismo deveria, por suas próprias contradições internas, gerar as condições para a revolução comunista, em um país capitalista adiantado e não num país rural atrasado como a Rússia.
Estabeleceu-se, assim, a contradição. Para controlar a reação e a influência da classe dominante russa, a revolução socialista instituiu a "ditadura do proletariado", um conceito leninista que propunha o controle absoluto do estado por uma vanguarda bem informada e eficiente, afim de coordenar a transição do estado burguês para o estado comunista. Por uma circunstância não prevista pelos revolucionários, Lênin veio a falecer abruptamente , perdendo-se toda a sua suposta sabedoria e liderança, com sua morte física. Neste cenário, emergiu Joseph Stálin, que foi se impondo como liderança militar ao exército vermelho a partir do poder central em Moscou, enquanto seu arqui inimigo Leon Trotski se preocupava em espalhar o comunismo pelas províncias islâmicas da Ásia sob influência russa. Quando Trotski retornou a Moscou, Stálin já havia dominado a estrutura de administração do estado comunista. Aí, aconteceu o desastre comum a todas as revoluções. Joseph Stálin usou a ditadura do proletariado para implementar uma nova classe dirigente, cheia de privilégios tal qual a antiga dinastia dos czares. Sabemos como a história terminou. Trotski resolveu abandonar a União Soviética, após perder para Stálin o comando dos soviéticos, e passou a se preocupar com a futura revolução que realmente interessava, a dos Estados Unidos, para a qual se preparava a partir do México, onde foi morar e onde foi assassinado a mando de Stálin em 1940. Era o fim da revolução comunista! A partir daí o mundo se resumia numa disputa de poder mundial entre os vencedores da segunda guerra mundial, duas potências imperialistas, de um lado o capitalismo, representado pelos Estados Unidos e, de outro, a aliança soviética representada pela Rússia stalinista e seus satélites. Isso durou até início da década de 1990, quando ruiu a estrutura soviética, por absoluta falta de competitividade frente aos avanços econômicos e tecnológicos do mundo capitalista. COMO CHEGAMOS AO GOLPE MILITAR? O socialismo entrou no Brasil por via do movimento anarquista. O próprio genro de Marx, o francês Paul Lafargue, contestava a sagração cristã do Trabalho como realização pessoal, classificando-o como "dogma desastroso" das sociedades baseadas no cristianismo. Em meio aos extremamente religiosos alemães e italianos, vieram parar no Brasil alguns anarquistas, como parte da intensa imigração de operários verificada no final do século XIX. As primeiras manifestações sindicais no país vieram desse tipo de militância, os anarquistas, e proliferaram com algum sucesso entre o operariado imigrante em São Paulo, por volta dos anos 1900. O país estava então submetido ao militarismo de modo autoritário, herdado por Floriano Peixoto dos marechais da Guerra do Paraguai, como os comandantes de forças imperiais como Deodoro e Caxias. Isso durou toda a primeira república café-com-leite, uma aliança entre os produtores rurais de Minas e de São Paulo, que sempre elegiam os seus representantes para ganhar as eleições marcadas pelo voto de cabresto. Até que uma parcela militar se revolta em 1922 e se declara em movimento contestatório à posse do político "café" Arthur Bernardes. A revolta foi devidamente sufocada pelas autoridades militares, mas o "tenentismo" continuou a se espalhar pelo país. Até que em 1924 um capitão do exército se declara em rebelião contra o governo, junto com seus comandados em Santo Ângelo (RS) e inicia uma marcha contra o comando central. Forma-se, então a Coluna Prestes, que vai correr todo o Brasil pregando novas práticas de distribuição da riqueza gerada pelas propriedades dos latifundiários. Isso chamou a atenção do movimento comunista internacional, que passou a ver no Capitão Prestes a possibilidade de se implantar de forma consistente no Brasil. Prestes, após o fim da sua coluna, vai morar em Moscou, de onde retorna totalmente convertido ao comunismo. Vem de lá em 1935 com a missão de implementar a revolução brasileira, carregando consigo uma mala de dólares falsos e uma alemã legítima, bonita, gostosa e absolutamente militante, personagem a quem os soviéticos encarregaram não só a segurança pessoal de Prestes, assim como a garantia de que ele e a futura revolução brasileira estariam alinhadas à União Soviética. Prestes e Olga desembarcam aqui no nosso Campeche, num vôo da companhia aérea francesa que fazia o roteiro pelo litoral brasileiro. Seguem por via terrestre até o Rio de Janeiro, de onde deveriam comandar a revolução comunista. Foi triste o fim que teve Olga Benário e a Intentona de 1935, fartamente utilizada pelo regime de Getúlio Vargas para implantar a sua ditadura à moda fascista, que durou até o fim da segunda guerra mundial. Com o fim do regime Vargas, o país voltava a ser uma democracia formal, inclusive com Luiz Carlos Prestes sendo eleito senador. Foi novamente um desastre! Logo em seguida o regime se fechou de novo e Luiz Carlos Prestes foi cassado e banido. Mudou-se para a Rússia novamente. O partido comunista foi para a clandestinidade. Em 1961, Jânio Quadros, o presidente recém eleito renuncia ao mandato, numa manobra confusa. Então, João Goulart, o vice presidente, assume a titularidade. Jango, como era chamado, era grande proprietário de terras em tres países limítrofes, Argentina, Uruguai e Brasil. Este grande latifundiário, que havia sido ministro de Getúlio Vargas em seu segundo mandato de 1950 a 1954, surpreendentemente se faz "porta voz" dos interesses populares por reformas, vejam só, com apoio dos comunistas!. As crises se agravam de forma cíclica, até que em 1964 sobrevém o golpe de estado militar, implantando novamente uma ditadura que duraria pelo menos mais vinte anos. O Brasil mergulhava de novo na escuridão fascista! COMO CHEGAMOS AO GOVERNO LULA Ao final dos anos 1970, a ditadura militar mandava em tudo, após ter eliminado completamente a oposição esquerdista, armada ou não, e conviver pacificamente com uma oposição consentida através da disputas eleitorais entre Arena e MDB. No ABC paulista surgia um movimento sindical diferente, influenciado pela militância internacional dos metalúrgicos da indústria automobilística. O sindicato de São Bernardo do Campo assumiu a liderança das reivindicações da categoria, a qual, de certa forma, representava todas as reivindicações gerais dos trabalhadores brasileiros, sufocadas pelo regime militar. Lula, um jovem então sem qualquer perspectiva política, que havia sofrido um acidente de trabalho onde perdeu um dedo da mão direita, foi levado por seu irmão militante do PCB para atuar no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo. Ali, o jovem Lula se revelou e logo em 1975 já foi conduzido à diretoria do sindicato. A partir de 1978 Lula conduziu as mais importantes greves do país. Não importava as pressões do governo militar, que mandava aviões da FAB sobrevoarem o estádio onde os grevistas se reuniam, não importava as pressões pela demissão dos grevistas, nem mesmo a prisão de líderes como o próprio Lula, ainda assim, a greve continuava, até a vitória final do movimento. Ali estavam fincadas as bases do futuro Partido dos Trabalhadores, concebido como uma aliança entre os militantes católicos da chamada Teologia da Libertação e os grupos de esquerda derrotados militarmente pela ditadura. Ao PT primordial, a partir de 1984 foram se agrupando vários grupos militantes que esperavam dias melhores para o país, construindo alianças que levaram o partido finalmente à vitória eleitoral em 2002, após Lula assinar uma tal Carta aos Brasileiros, onde o partido abdica de seus princípios socialistas e adere aos compromissos oriundos do governo anterior do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, inclusive assumindo todos os seus compromissos decorrentes do processo de privatização das empresas estatais brasileiras. Lula fez questão de enterrar o projeto que defendeu em campanha, o de submeter a chamada "privataria tucana" a uma CPI no parlamento, tema que ficou reservado apenas como recurso de marketing nas futuras campanhas eleitorais contra os mesmos tucanos. Marina Silva era então uma jovem mulher pobre e negra, destinada a ser dona de casa e mãe de várias crianças, analfabetas como ela própria! Aprendeu a ler com 17 anos de idade, quando se iniciou na carreira política, em contato com companheiros de luta nas periferias de Rio Branco, capital do Acre, para onde havia fugido da dura vida na floresta. Nunca abandonou seus companheiros de extrativismo, onde atuou ao lado do ambientalista Chico Mendes. Tornando-se representante político dos seringalistas e dos preservacionistas, Marina levou os atuais líderes petistas do Acre, os irmãos Viana, para representar os moradores da floresta num ato pela preservação do meio ambiente realizado na ONU nos anos oitenta. Assumiu tal representatividade que foi eleita senadora pelo Acre, enquanto crescia cada vez mais a importância do ambientalismo em nível internacional, como contra partida aos processos poluidores industriais e mineradores, assim como contra a degradação ambiental promovida pelo uso intensivo do petróleo. Foi consagrada como grande militante do meio ambiente, reconhecida como sucessora de Chico Mendes. GOVERNOS DO PT. ESQUERDA OU DIREITA ? Lula foi eleito com grande aprovação popular em 2002. Assim como Fernando Collor se impôs ao parlamento a partir de sua votação pessoal, tendo apenas 18% de representação no congresso nacional, Lula poderia ter-se imposto como legítimo representante popular, com a caneta na mão. Já tinha inclusive feito os acordos necessários para evitar confrontos com a classe dominante e com as forças militares. Não foi suficiente para ele. Teve que armar um arco de alianças que incluia tudo o que havia de pior na política brasileira em todos os tempos. Desnecessariamente, diga-se de passagem. Foi como a demonstrar para seus novos e "velhos" aliados, que ele tinha realmente desistido de seus propósitos de mudanças substanciais. As substituiu por perfumarias assistencialistas como o programa "bolsa família". Ainda assim, seu programa econômico foi muito importante para o país, pois gerou imensa transferência de recursos para as populações de baixa renda, causando grande demanda por produtos de consumo, animando a indústria e promovendo expressivo crescimento econômico em seu mandato. Já Dilma Rousseff, a "presidenta" que o sucedeu, representou o completo aparelhamento do estado pelo partidos que formam a aliança política em torno do eixo executivo federal. São 100 mil cargos de confiança que o governo federal pode indicar em sua própria estrutura executiva ou nas estatais. A gestão de Dilma fez "vistas grossas" a vários processos de corrupção e uso fraudulento da máquina pública e recursos federais. Continuou com sua estratégia de entregar os cargos aos aliados, sem questionar os procedimentos éticos de seus titulares. A estrutura de administração federal não levou em conta nenhum dos preceitos da moderna administração. Ao todo eram 39 ministérios, um absurdo completo do ponto de vista da eficiência. Numa mesma área existiam os Ministérios dos transportes, dos portos, da aviação civil, da força aérea, do turismo e a secretaria reguladora da aviação civil. Assim, ficava claro que o objetivo da administração pública era gerar vagas de alto nível, para serem preenchidas pelos aliados, que eram tantos quantos seriam necessários para cooptar todos os possíveis adversários políticos. Menos aqueles que a propaganda oficial escolheu como "inimigos", afim de manter em foco sempre um alvo a ser atingido e odiado pelos seguidores, qual o príncipe Maquiavel pregava em seu ideário do bom comandante de governos. No caso presente, esse inimigo ainda é o PSDB, como poderia ser qualquer outro. O importante é ter um inimigo como centro do ódio e desprezo oficial. No mandato de Dilma, foi revelado o escândalo da Petrobrás, onde os desvios chegam à casa de "bilhões" de dólares. Ao mesmo tempo tentava-se abafar reflexos de outros escândalos, como o próprio "mensalão" promovido no primeiro mandato de Lula, onde o governo aprofundava o conceito do "é dando que se recebe" do governo Sarney, através da prática de comprar apoio parlamentar com o uso de verbas públicas. No caso do governo petista, a coisa fica mais grave por que as propinas não eram mais liberações de verbas públicas, mas, pagamento em dinheiro vivo, obtidos de contratos super faturados. Com sua tradição esquerdista baseada no militantismo do passado, os governos do PT conseguiram cooptar sem problemas as entidades representativas dos trabalhadores, sindicatos organizados em torno de centrais de várias orientações políticas, assim como as representações dos estudantes e dos movimentos sociais, oferecendo, além de vantagens pecuniárias para as entidades, cargos públicos para seus dirigentes e militantes. Dessa forma a estrutura governamental foi se ampliando cada vez mais, e já não era possível abdicar dos 39 ministérios gorduchos. Os modelos de crescimento baseados nas transferências de renda para os miseráveis, através de programas como o Bolsa Família, encerraram seu ciclo virtuoso. Teria sido necessário criar outras formas de avanço, como o enxugamento da máquina pública, a implementação de eficiência nos serviços, a melhor distribuição da carga tributária, o planejamento estratégico do país, com objetivos claros a serem atingidos no curto, médio e longo prazo. Mas, a estrutura governamental estava viciada, de modo a tornar impossível qualquer movimento mudancista para melhor. Ao contrário, o governo cada vez mais procurava apoio nos setores mais atrasados do país, como forma de combater o assédio da oposição neo liberal do antigo ninho tucano-pefelista, ou da oposição ambientalmente e politicamente sustentável, representada por uma mulher amazônica, negra, ex petista, militante da mudança ambiental e que não tinha vergonha de expor suas alianças, que eram tratadas de forma clara e transparente. Esta frente oposicionista foi tratada à ferro e fogo e, em aliança com o tucanato, a propaganda petista conseguiu estigmatizar Marina Silva e deixá-la fora da disputa de 2014, vencida pelo competente marqueteiro João Santana, do PT, hoje simbolicamente em prisão domiciliar. E daí? Você é de esquerda ou direita?
Pouquíssimas pessoas no Brasil conhecem a obra de Bob Dylan. Nós demos azar, por que estávamos sobre a censura prévia da ditadura militar, bem na época em que ele mais criou e encantou o mundo com sua poesia rascante, a denunciar injustiças sociais com sua língua ferina, afiada sobre um desconcertante lirismo, que às vezes se aproxima do misticismo e em outras sugere non-sense. Ele é uma espécie de herói de minha juventude, por que naqueles anos sessenta, em que me formei para a vida, o senhor Robert Zimermann era uma das principais influências políticas na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, o que me parecia perfeitamente alinhado com a luta por liberdades democráticas no Brasil, submetido àquela estúpida e cruel ditadura militar, patrocinada justamente pelos senhores da guerra estabelecidos no mundo, os dirigentes norte americanos contra os quais o poeta exercia sua militância literária e vivencial. Ninguém pode querer entender Dylan ao pé da letra. Se assim for, não vai entender o que ele de fato quis dizer. Ele é uma espécie de Guimarães Rosa, pois inventa palavras; é letrista mais difícil de ser traduzido. Entender Dylan, guardadas as devidas proporções, é como entender Charles Chaplin. Infelizmente poucas pessoas conseguiram entender o que eles de fato quiseram dizer.
Eu considero o cantor Bob realmente muito inferior ao poeta Dylan, codinome que usou para inspirar-se no inglês Dylan Thomas, seu contemporâneo, que escrevia versos inspirados sobre a vida das pessoas simples e dos caminhantes pelas estradas do mundo, sem nenhuma preocupação de ordem política ou social, temas que o discípulo Bob incorporou ao seu repertório. O Dylan inglês morreu de alcoolismo aos 39 anos de idade, mas, o judeu norte americano está até hoje correndo o mundo e, aos 78 anos de idade, não consta estar programando alguma aposentadoria.
Apesar de não ser um brilhante cantor, em algumas oportunidades Dylan canta com voz profissional, que, se não chega a ser um Elvis, pelo menos não deixa distância dos cantores do blues. Quando sua doçura vocal se mistura com os poemas românticos ou épicos, não há como não se emocionar. Ouçam essa canção sobre ser eternamente jovem, que é uma ambição humana recorrente, e me digam se não tenho razão!
Por outro lado, quando Dylan entra em contacto com suas origens caipiras, passa a incorporar a pronúncia cow boy e a interpretar como se estivesse no lombo de um cavalo, atravessando a grande planície central norte americana numa aventura de cavaleiro andante, como nessa linda canção de letra incomparável, que já o levou a ser indicado para o Prêmio Nobel de literatura.
Soprando no Vento
Quantas estradas um homem precisará andar Antes que possam chamá-lo de homem? Quantos mares uma pomba branca precisará sobrevoar Antes que ela possa dormir na areia? Sim, e quantas balas de canhão precisarão voar Até serem para sempre banidas?
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento A resposta está soprando no vento
Sim, e quantos anos uma montanha pode existir Antes que ela seja dissolvida pelo mar? Sim, e quantos anos algumas pessoas podem existir Até que sejam permitidas a serem livres? Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça E fingir que ele simplesmente não vê?
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento A resposta está soprando no vento
Sim, e quantas vezes um homem precisará olhar para cima Antes que ele possa ver o céu? Sim, e quantas orelhas um homem precisará ter Antes que ele possa ouvir as pessoas chorar? Sim, e quantas mortes ele causará até saber Que pessoas demais morreram
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento A resposta está soprando no vento
No entanto, em termos de
cidadão do mundo, nada supera sua apresentação em Berlin oriental, antiga Alemanha comunista, com seu mega sucesso filosófico existencial em 1986.
Fileira da Desolação
Estão vendendo cartões postais sobre o enforcamento
Pintando os passaportes de marrom
O salão de beleza está lotado de marinheiros
Um circo está na cidade
Lá vem o comissário cego
Eles o mantém em um transe
Uma mão amarrada ao equilibrista
que caminha pela corda bamba A outra está na sua calça E o batalhão de choque está inquieto Precisando urgentemente de um lugar para ir Enquanto Lady e eu olhamos lá de fora Dentro da Fileira da Desolação.
Cinderela, ela parece tão tranquila Precisa ser uma para se reconhecer numa?, ela sorri E coloca suas mãos nos bolsos de trás Ao estilo de Betty Davis E entra Romeo, ele está gemendo "Você pertence a mim, eu acredito ainda" E então alguém responde,
"Você está no lugar errado, meu amigo É melhor cair fora!!!" E o único som que permanece Depois que as ambulâncias estridentes partem É Cinderela chorando Na Fileira da Desolação.
Agora a lua está quase escondida As estrelas começam a se apagar A velha cartomante Inclusive já recolheu todos os seus objetos para dentro Tudo menos Caim e Abel E o corcunda de Notre Dame Todo mundo no festival está fazendo amor Ou esperando a chuva cair E o Bom Samaritano, ele está se vestindo Ele está se preparando para o show Ele vai ao carnaval esta noite Na Fileira da Desolação.
Agora, Ofélia, ela está perto da janela Por ela eu temo tanto Em seu vigésimo segundo aniversário Já é uma velha solteirona Para ela, a morte é algo romântico Ela veste um colete de ferro Sua profissão é sua religião Seu pecado é sua falta de vida E embora seus olhos estejam fixados sobre O grande arco-íris de Noé Ela gasta seu tempo olhando Para a Fileira da Desolação.
Einstein, disfarçado de Robin Hood Com suas memórias em seu porta-malas Passou por aqui uma hora atrás Com seu amigo, um monge invejoso Ele me pareceu tão imaculadamente assustador Enquanto filava sorrateiramente um cigarro Então ele seguiu cheirando sua própria podridão E recitando de cor o alfabeto arcaico Agora, você sequer pensaria em vê-lo atuando Mas ele já foi famoso há muito tempo Por tocar o violino elétrico Na Fileira da Desolação.
Doutor Sujeira, ele mantém seu mundo Dentro de uma grande taça de couro Mas todos os seus pacientes estão brochas E tentam explodi-lo em desespero Agora sua enfermeira, uma pobre moça local Está no comando do poço de cianeto virtual Enquanto aponta para as cartas em que se lê "Tenha misericórdia de sua alma" Ao lado, todos brincam com os apitos baratos Você pode ouvi-los soprar Se esticar sua cabeça pra fora o suficiente Na Fileira da Desolação.
Atravessando a rua, eles abriram as cortinas Estão se preparando para o festim O Fantasma da Ópera A imagem perfeita de um padre Estão alimentando Casanova, de colher Para que ele se sinta mais confiante Então, eles o matarão com autoconfiança Depois de envenena-lo com palavras, sim!
E o Fantasma está gritando para as meninas magricelas Saiam daqui, vocês não sabem, mas , Casanova está sendo punido por ir Para a Fileira da Desolação.
Agora à meia noite todos os agentes E a equipe sobre-humana Saem e tratam de reunir todos Os homens que sabiam mais do que eles Então os levam até a fabrica Onde a máquina de ataque cardíaco Está amarrada nos ombros de uma pessoa E então o querosene É trazido dos castelos antigos Por homens da previdente seguradora Checam para ver se ninguém foge Da Fileira da Desolação
Louvado seja o Netuno de Nero O Titanic navega ao poente E todos estão gritando De Que Lado Você Está? E Ezra Pound e T. S. Eliot Estão lutando na torre do capitão Enquanto os cantores de Calipso estão rindo deles E pescadores seguram flores Entre as janelas do mar Onde as amáveis sereias fluem E ninguém precisa pensar muito Sobre a Fileira da Desolação
"Sim, eu recebi sua carta, ontem (sobre a ocasião em que a maçaneta da porta quebrou) E quando me perguntou como eu estava indo Era algum tipo de gozação? Todas essas pessoas que você menciona Sim, eu as conheço a todas, são todos meio toscos Eu (na verdade) tive que rearrumar seus rostos E dar a todos um outro nome diferente. Agora, não consigo mais ler muito bem. Só peço que não me mande mais cartas, não! A não ser que você as envie de dentro Da Fileira da Desolação.
A primeira recordação que tenho de Curitiba é de 1955, andando perdido pelas bancas de frutas do Mercado Público. Nós dormíamos no caminhão onde meu pai trazia abacates e bananas do norte do Paraná. Enquanto ele apregoava seus produtos para a pequena multidão de comerciantes que se formava todas as madrugadas na frente do Mercado, eu saí da cabine e me perdi no meio de tanta cor. Tudo não passou de um grande susto!
Algum tempo depois, eu voltava para a capital, agora agregado à família de minha tia Cida, numa casa de madeira no bairro do Boqueirão. Passava os longos dias caminhando pelas ruas empoeiradas da terra branca dos bairros pobres, vendendo panelas e ouvindo Lay Lady Lay no radinho de pilha. Mais ouvia do que vendia, é verdade ...
Fiquei nesta labuta até cumprir o chamado do serviço militar. Meu destino era ser infante no 20º RI do Bacacheri, onde cheguei num mês de abril chuvoso e frio. Disse para meus botões: "aqui não fico!", e fui me apresentar ao capitão médico, alardeando minha experiência em escritórios de contabilidade. "Eu preciso mesmo de alguém para organizar essa bagunça", recebeu-me o capitão médico encarregado de encaminhar aqueles milhares de recrutas, de acordo com as aptidões físicas e intelectuais de cada um. Sabendo que o tesouro estava no final da fila, fui adiando minha própria situação, até que o capitão me ofereceu um café quente e perguntou o que eu queria fazer da minha vida.
--- "Quero ir para o Rio de Janeiro", disse, resoluto.
O capitão explicou-me que aquilo seria uma loucura, que iria perder um ano da minha vida, se é que voltasse com vida, pois eu não imaginava o inferno no qual estava entrando. Mas, eu não abri mão.
--- "Se o senhor achar que eu não sirvo e quiser mandar-me de volta pra casa em Maringá, tudo bem, mas, saiba que pelo meu querer eu quero servir na polícia do exército do Rio de Janeiro".
Aquilo era uma decisão maluca e eu iria muito me arrepender, ele dizia para minha cabeça dura de 18 anos de idade, mas, faria o meu gosto. E assinou minha incorporação.
Um ano e meio durou minha iniciação artística, digamos assim, por que eu fiquei para a última baixa, pela insubordinação de ter-me recusado a levar um balde de água para ser jogada sobre o corpo de um "subversivo" pendurado no pau de arara, quando eu tirava guarda no presídio do quartel, que havia sido terceirizado para acolher os convidados do DOI-CODI.
De volta a Curitiba, penei mais uns dois ou três anos, agora já melhor instruído nas artes da vida, até que passei num concurso da companhia estadual de energia e tornei-me aprendiz de programador de computador. Nada mal para alguém cuja única chance era tornar-me segurança ou auxiliar contábil.
Morei em "tanta casa que já nem me lembro mais", mas da primeira nunca esqueci. Uma casinha de fundos no bairro místico das Mercês.