terça-feira, 30 de janeiro de 2018

SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR.




Uma primeira vez eu fui a São Paulo. Fui sozinho, para ver "como é que era". Hospedei-me numa espelunca qualquer e andava pela cidade. 

Dentro de um ônibus urbano tive minha primeira experiência com o preconceito. Naquele tempo, os coletivos tinham janelas de abrir. Eu abri a minha e pus minha juvenil cabeça pra fora, a observar a agitação da cidade, seus edifícios nunca vistos e sua exuberância urbana. O motorista, lá da frente, percebendo meus gestos irresponsáveis, gritou

--- "Você aí, BAHIANO na poltrona x, quer perder a cabeça? Jogue-se do Viaduto do Chá, mas não manche meu ônibus com sangue, tá legal?; Ô meu... feche esta janela".
Eu fechei o vidro esfumaçado e achei que deveria mesmo ficar mais atento.
Andei por cinemas e bares, fui no Bar Brahma na esquina mística de Ipiranga com São João, onde Caetano não havia ainda proclamado sua paixão pela "deselegância discreta de tuas meninas".

Um ou dois dias depois, estou caminhando tranquilamente pelas ruas do centro, quando vejo um jovem me acompanhando. Percebendo que eu o percebi, ele se aproxima:
--- "Legal te ver caminhando tranquilo em meio a este alvoroço. Eu faço a mesma coisa depois do serviço; vou no meu ritmo. Você está indo a algum lugar específico?"
Estávamos em 1968 e não havia perigo algum no horizonte dos meus 17 anos de idade. Eu disse que não estava indo a nenhum lugar, que estava sem destino, apenas conhecendo a cidade, pois eu não era dali, era de Curitiba, estava só a passeio.
Ele me convidou para tomar um chopp numa travessa da Rua Augusta. Topei. Tomamos um, dois, três, quatro, cinco, 14, 15, 16, e quando chegamos nas duas dúzias, ele disse que tinha que ir para casa. Eu respondi que, "sim, muito bem, foi um prazer conhecê-lo". Mas, qual o quê?
--- "Não, isso não pode terminar assim. Um encontro como este é para a vida toda. Eu quero que você vá jantar na minha casa."
E acenou para uma atração extra. Seu apartamento ficava defronte ao estádio de futebol do Palmeiras, de modo que poderíamos apreciar a partida que se desenrolaria naquela quarta feira.
Quando chegamos ao seu apartamento, ele já foi logo se desfazendo da camisa e da calça, ficando só de cuecas.
---"Tira a roupa, Laércio, está muito quente. Tome um banho fresco e fique à vontade. Aqui ninguém vai nos importunar".
Foi quando me dei conta do que estava acontecendo. E reagi com as armas que achava que ainda me restavam.
---"Pôxa, fulano, me dou conta agora que tenho um compromisso no centro da cidade. Caramba, tenho que voltar imediatamente. Além disso, não vou usar o seu chuveiro, por que estou com uma doença desconhecida no pau e acho que posso te contaminar, desculpe não ter falado isso antes".

Ele fez questão de abrir a porta imediatamente e se despediu com um "boa sorte", deixando claro que não apertaria minha mão. Eu desci as escadas com o coração aliviado e saí na rua em busca de um ponto de ônibus, admirando as luzes da espetacular noite paulistana! 


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