Nos últimos vinte dias, passei mais de 100 horas dentro de ônibus viajando ou andando em cidades de Alagoas, Sergipe e Bahia. Esta é uma maneira interessante e barata de entrar em contato verdadeiro com o povo, sua cultura, seus modos de viver e falar. Eram basicamente pessoas simples e pobres, tanto que andavam de ônibus. O comportamento dos passageiros, por aqui, é completamente diferente de todas as demais regiões do Brasil. Estabelecem-se várias conversas e ambientes variados dentro do coletivo, com conversas altas e acaloradas, onde as pessoas não têm medo de se mostrarem, falando abertamente de seus problemas, suas experiências pessoais, ou dando conselhos e analisando os problemas dos demais. É uma verdadeira terapia em grupo.
Num coletivo no centro de Maceió, o sujeito do lado sintonizou seu celular e começou a tocar um antigo sucesso de Fagner, que foi tema de novela, "... e se teu amigo vento não te procurar, é por que multidões ele foi arrastar." Cantarolava junto com a música e tocava meu ombro "veja que maravilha". Eu criei coragem e comecei a cantar junto. Parece que a ninguém aquilo pareceu extravagante ou se incomodou com o fato. Depois ele passou para uma canção totalmente brega, que eu nunca tinha ouvido antes, mas, nessa altura vi que já tinha chegado meu ponto de desembarcar, eu disse "valeu cara, muito bom seu gosto musical" e ele ficou sorrindo, todo satisfeito, perguntando "Conhece Fortaleza?" Tenho a impressão de que poderíamos continuar aquilo por horas e eu não sabia no que ia dar, portanto, achei mesmo melhor desembarcar.
Lua cheia sobre o Rio São Francisco, em época de seca. |
Num ambiente cultural desses, o São João só teria que ser diferente, primeiro por que começa ainda em maio e segue julho adentro. A estas últimas manifestações, nós do sul costumamos chamar de festas julinas, o que é totalmente incorreto, pois continuam a fazer parte do ciclo de festas rurais juninas, que festejam o início do plantio e agradecem pela colheita anterior. Aqui no nordeste é tudo São João, não importa a data em que se realizem. Além disso, coincidem com a época de chuvas, o que sempre é uma alegria para o povo pobre do interior. Cada cidade anuncia com grande entusiasmo uma ou várias festas oficiais, para as quais convidam artistas de todo tipo. Fora as festas familiares ou de grandes empresas. Os grandes ídolos vagueiam pelas cidades mais ricas e os mais simples têm sua oportunidade de se firmarem como artistas populares. Tem pra todo mundo, mesmo para bandas que em outras épocas do ano se dediquem a outros gêneros, como a Chiclete com Banana, por exemplo. Só tem que cantar forró, sendo isso, vale tudo!
Ao passear por essas paragens, percebi a importância do Gonzagão. Eu sabia que ele era admirado no nordeste, mas, não que fosse ainda tratado como um deus. É impressionante a adoração que o povo tem por esse mito sertanejo. Todas as bandas, inclusive as de música brega nordestina, tipo Calcinha Preta, estão a serviço dos cem anos do homem. Tenho notado que o Gonzagão continua sendo o rei do baião, mas, percebo também a popularidade de outro cantor, que eu julgava acabado. Fagner. Eu tenho um amigo argentino, que vive de ensinar música, além de ser produtor de espetáculos de tango, regente de coros universitários e grande cantor de ópera. Eu lhe mostrei o disco que Fagner gravou na Andaluzia, Espanha, no início da carreira. Ele ficou impressionado:"Esto és una maravilla". Para os nordestinos em geral, continua sendo.
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