sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Super o quê?




- Super, o que?   Pergunta assustado o recepcionista do hotel tres estrelas em Matinhos, a praia mais popular e mais frequentada do litoral paranaense. Então, eu explico de novo que procuro informações sobre onde pegar um barco que me leve para a Ilha do Superagui, que fica na entrada da Baía de Paranaguá, um pouco mais ao norte da Ilha do Mel, essa sim, muito mais famosa e procurada por descolados em geral, alguns jovens endinheirados cujas famílias veraneiam na praia de Caiobá, já outros tão malucos (e duros) que se hospedam na areia da praia ou acampam nos quintais, todos ansiosos pelos momentos de curtição nas festas regadas a variados estimulantes, assim como nas dezenas de bares e restaurantes de todos os tipos que existem por lá. Como eu havia feito no verão de 1974, numa incrível primeira viagem acompanhado de uma pessoa de sexo feminino, com a qual iria me casar em seguida e ter dois filhos. 




Já a nossa Ilha do Superagui, ao contrário, parou no tempo e no espaço e alguns chegam a prever sua completa desolação e abandono, graças ao isolamento imposto pelo IBAMA, que não permite qualquer obra ou melhoria na área do parque de preservação ambiental no interior do qual se localiza a ilha. Por esta razão ela não possui ruas, carros, supermercados ou qualquer conforto e benfeitoria. Se cai uma ponte numa trilha, vai ficar assim mesmo, pois a administração do parque não a conserta nem deixa que seja reparada por qualquer interessado. A simples reforma de uma cozinha necessita autorização especial e sofre acompanhamento rigoroso. Há poucos meses foi demolida a casa de um político influente na região, pois a teria ampliado sem autorização. Justamente por essas razões é que estávamos programando o feriadão de vinte e um de abril de 2008 nesse paraíso exótico.

Desse modo, a Ilha do Mel não era a nossa opção naquele momento, e como o rapaz do hotel nunca ouvira falar do nosso procurado destino turístico, decidimos ir diretamente a Pontal do Sul, de onde no verão do ano passado eu li que saiam barcos de linha para vários pontos do litoral parnaguara, o que talvez incluísse Superagui.

Não, nossa ilha não estava incluída nos destinos acessáveis a partir de Pontal do Sul. Na verdade, teríamos que tomar uma embarcação para a Ilha do Mel e de lá alugar um barco particular que nos levasse, certamente por muita grana, à Ilha do Superagui. Imediatamente desistimos dessa alternativa. Mas, procura daqui, procura dali, através do catálogo telefônico localizamos uma cooperativa de transporte marítimo na baía de Paranaguá.

- Sim, amanhã de manhã sai um barco para Superagui.

Ufa, que alívio! Não nos importava naquele momento o fato de que a pessoa que atendeu ao telefone calculasse para entre 8 e 10 da manhã de sábado a hora da saída do barco, sem especificar com certeza o horário de partida. O fato é que em Paranaguá conseguiríamos embarcar e pra lá nos dirigimos. Paranaguá foi a primeira urbe paranaense, fundada pelos colonizadores portugueses ainda no século XVI, e não recebeu qualquer outra leva de imigrantes, ficando apenas com seus velhos portugueses, negros escravos e índios. Por isso ela se diferencia totalmente das demais cidades paranaenses, tão cheias de alemães, polacos, italianos, japoneses... Paranaguá, em contraposição, não tem nada disso!   Sua, digamos, pureza, inclui a completa rejeição dos valores e costumes vigentes na capital, embora ambas cidades estejam tão próximas. Além da violenta rejeição cultural, Paranaguá é uma cidade que mantém com seu porto (o maior do país em volume de exportação) uma relação de amor e ódio, seja pelo que ele representa em termos de riqueza, fama e oportunidades de negócios, seja pelo lixo urbano e social a que estão sujeitas todas as grandes cidades portuárias, com a possível exceção de Itajaí. 

De Paranaguá saíram os grandes artistas que animavam no passado os bailes e festas populares  curitibanas, como foram os impagáveis parnaguaras autores de "As Mocinhas da Cidade (“são bonitas e dançam bem...”)",  os saudosos Belarmino e Nhá Gabriela, ainda hoje muito tocados e festejados, tanto que são homenageados com um belo monumento bem no centro da capital paranaense.  O fato é que, se existe uma cultura popular tipicamente paranaense, seja musical ou gastronômica, sua origem está em Paranaguá, com sua baía e seu belo mar repleto de ilhas paradisíacas.




Sábado, sete horas da manhã, estávamos na Rua da Praia, defronte ao embarcadouro de onde saiu uma hora e meia mais tarde o barco com 28 passageiros para a Ilha do Superagui, onde aportamos por volta de meio dia. Junto conosco chegou também o nosso velho conhecido de Floripa, que nos acompanharia pelos tres dias na ilha: o vagabundo Vento Sul.

Certamente uma das últimas áreas significativas remanescentes da original Mata Atlântica está na fronteira litorânea dos estados do PR e SP. Partindo-se da baía de Paranaguá em direção ao norte, uma extensa faixa de aproximadamente 120 kms de comprimento por uns 30 kms de largura, permanece praticamente selvagem, com a presença de aldeias de índios, animais em extinção tais como onças, jaguatiricas, papagaios da cara roxa, macacos de vários tipos e, principalmente, a mata exuberante dos tempos coloniais.  Ao longo deste litoral, que vai até a cidade paulista de Iguape, a costa é demarcada por extensas ilhas separadas entre si e do continente por vários canais margeados por restingas e montanhas. 

Do norte para o sul, Ilha Comprida, do Cardoso e do Superagui formam este arquipélago protetor da fauna marinha ao longo da costa, uma vez que os canais são abrigos naturais para procriação e preservação das espécies. Na Ilha do Superagui existe apenas um pequeno povoado localizado na barra de entrada do canal que a separa da Ilha das Peças. Alguns quilômetros ao norte, quando o canal volta a juntar-se com as águas da baía, está localizada a cidade de Guaraqueçaba, também perdida no tempo e no espaço, cujo acesso por terra demanda 95 kms de estrada de chão em meio a mata e montanhas da Serra do Mar. Uma aventura para poucos corajosos!  Entretanto, esta mesma Guaraqueçaba está apenas a meia hora da vila do Superagui, se formos de lancha do tipo “voadeira”.  É dessa forma que as futuras mamães da ilha vão à maternidade, desde que faleceu por aqui a última parteira. 

No lado oposto ao canal encontra-se o oceano aberto na Praia Deserta, com seus 37 kms de areias brancas absolutamente vazias, como indica o nome. Caminha-se por horas, até cruzar com um ou outro pescador artesanal ou turista, uns a cavalo, outros de bicicleta alugada na vila. Barzinho para uma gelada ou caipirinha, nem pensar. A gente se dá por satisfeito em ter levado uma garrafa de água. Em uma de nossas caminhadas, cruzamos com um nativo pedalando sua bicicleta, de onde sobressaía o detalhe de um imenso facão preso à garupa. Depois dos "bons-dias", perguntamos se o exuberante utensílio se destinava à sua defesa pessoal, ao que ele respondeu que não, pois usava o facão apenas para cortar uma picada no mato ou destrinchar algum peixe, já que sua proteção ele confiava ao Altíssimo, o que nos mostrou mais uma faceta do povo ilhéu, a sua enorme religiosidade, talvez herança das várias missões católicas e protestantes que já passaram pela aldeia.

Se o persistente viajante seguir sempre ao norte, ao longo da praia sem fim, avistará revoadas de assustados pássaros de várias espécies, que migram permanentemente entre as ilhas e o continente. No extremo norte da ilha, vai encontrar poucas choupanas de pesca e uma pequena venda na beira do canal que dá acesso à Ilha do Cardoso, já então em terras paulistas. Mas, mesmo de bicicleta é bom precaver-se, pois ao aventureiro inadvertido a natureza costuma pregar certas ciladas, como a de ficar isolado pelo enchimento de algum riozinho, que se transforma de repente num riozão, com a maré alta. Nesse caso a solução é esperar a maré baixar. Ou tentar cruzar a nado, com todos os riscos da empreitada. 

Pousadas há tres ou quatro, todas na pequena vila, muito rústicas. Restaurantes, só por encomenda nas próprias pousadas. Em compensação, as iguarias que se ofertam nas cozinhas caiçaras dificilmente serão encontradas em griffes granfinas de São Paulo.  O segredo é bastante conhecido: tudo muito fresco e bem temperado. Variadas ervas aromáticas, alho, cebola e, principalmente, peixes, camarões, lulas, mariscos e ostras absolutamente frescas, pescadas ou colhidas poucas horas antes.  Dos turistas que desembarcam na ilha, seguramente a maioria o fazem com o propósito de pescar, atividade que exercitam com enorme prazer, sempre em grupos que partem alegremente da praia defronte ao canal, embarcados em alguma lancha ou canoa, com a qual vasculham as águas próximas, seja pelos próprios canais ou nas ilhas em mar alto, de onde voltam quase sempre ao por do sol, trazendo os frutos de suas aventuras, que são deliciosamente compartidos com os demais visitantes, mesmo os absolutamente incapazes de lidar com anzóis e varas, conforme exemplo deste que vos fala, principalmente com "varas". 

Para isso, as pousadas são guarnecidas com fogões e churrasqueiras, onde se come bem e se bebe melhor ainda. De fato, é difícil resistir ao convite para regalar-se à beira de uma grelha repleta de ostras recém recolhidas pela turma que voltou à pouco de uma pescaria. As ostras aos poucos vão se abrindo, conforme aquecidas pelo braseiro,  os convivas as vão retirando da grelha e sorvendo-as em estado puro mesmo. Eu, no meu caso, segui o conselho que manda acompanhá-las sempre com uma cachacinha curtida numa erva nativa chamada Cataia, que só existe nas restingas locais. Garanto que sobrevivi, até prova em contrário ... 

Depois do feriadão de vento sul, com o inevitável frio e chuva fininha penetrando ossos, portas e janelas, a terça feira amanheceu exuberante, com o sol da manhã avermelhando o horizonte. Mesmo assim, embarcamos satisfeitos na lancha de mestre Juca Barreiro, de volta ao trapiche da Rua da Praia. em Paranaguá.  O clima frio e chuvoso de fato nos negou o calor do sol, banhos de mar e biquinis à mostra, entretanto, esse mesmo clima nos proporcionou um profundo contato com a ilha,  seus habitantes e muitas novas amizades, atributos mais interessantes do que barulhentos turistas convencionais talvez pudessem nos proporcionar.  




Sim, voltaremos um dia, Superagui, pra ficar mais tempo !    
       
  





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