- Super, o
que? Pergunta
assustado o recepcionista do hotel tres estrelas em Matinhos, a praia mais
popular e mais frequentada do litoral paranaense. Então, eu explico de novo que
procuro informações sobre onde pegar um barco que me leve para a Ilha do
Superagui, que fica na entrada da Baía de Paranaguá, um pouco mais ao norte da
Ilha do Mel, essa sim, muito mais famosa e procurada por descolados em geral, alguns
jovens endinheirados cujas famílias veraneiam na praia de Caiobá, já outros tão
malucos (e duros) que se hospedam na areia da praia ou acampam nos quintais,
todos ansiosos pelos momentos de curtição nas festas regadas a variados
estimulantes, assim como nas dezenas de bares e restaurantes de todos os tipos
que existem por lá. Como eu havia feito no verão de 1974, numa incrível primeira viagem acompanhado de uma pessoa de sexo feminino, com a qual iria me casar em seguida e ter dois filhos.
Já a nossa Ilha do
Superagui, ao contrário, parou no tempo e no espaço e alguns chegam a prever
sua completa desolação e abandono, graças ao isolamento imposto pelo IBAMA, que
não permite qualquer obra ou melhoria na área do parque de preservação
ambiental no interior do qual se localiza a ilha. Por esta razão ela não possui
ruas, carros, supermercados ou qualquer conforto e benfeitoria. Se cai uma
ponte numa trilha, vai ficar assim mesmo, pois a administração do parque não a
conserta nem deixa que seja reparada por qualquer interessado. A simples
reforma de uma cozinha necessita autorização especial e sofre acompanhamento
rigoroso. Há poucos meses foi demolida a casa de um político influente na
região, pois a teria ampliado sem autorização. Justamente por essas razões é
que estávamos programando o feriadão de vinte e um de abril de 2008 nesse
paraíso exótico.
Desse modo, a Ilha do Mel não era
a nossa opção naquele momento, e como o rapaz do hotel nunca ouvira falar do
nosso procurado destino turístico, decidimos ir diretamente a Pontal do Sul, de
onde no verão do ano passado eu li que saiam barcos de linha para vários pontos
do litoral parnaguara, o que talvez incluísse Superagui.
Não, nossa ilha não estava
incluída nos destinos acessáveis a partir de Pontal do Sul. Na verdade,
teríamos que tomar uma embarcação para a Ilha do Mel e de lá alugar um barco
particular que nos levasse, certamente por muita grana, à Ilha do Superagui. Imediatamente
desistimos dessa alternativa. Mas, procura daqui, procura dali, através do
catálogo telefônico localizamos uma cooperativa de transporte marítimo na baía
de Paranaguá.
- Sim, amanhã de manhã sai um barco para Superagui.
Ufa, que
alívio! Não nos importava naquele momento o fato de que a pessoa que atendeu ao
telefone calculasse para entre 8 e 10 da manhã de sábado a hora da saída do
barco, sem especificar com certeza o horário de partida. O fato é que em
Paranaguá conseguiríamos embarcar e pra lá nos dirigimos. Paranaguá foi a primeira urbe
paranaense, fundada pelos colonizadores portugueses ainda no século XVI, e não
recebeu qualquer outra leva de imigrantes, ficando apenas com seus velhos portugueses,
negros escravos e índios. Por isso ela se diferencia totalmente das demais
cidades paranaenses, tão cheias de alemães, polacos, italianos, japoneses...
Paranaguá, em contraposição, não tem nada disso! Sua, digamos, pureza,
inclui a completa rejeição dos valores e costumes vigentes na capital, embora
ambas cidades estejam tão próximas. Além da violenta rejeição cultural, Paranaguá
é uma cidade que mantém com seu porto (o maior do país em volume de exportação)
uma relação de amor e ódio, seja pelo que ele representa em termos de riqueza, fama
e oportunidades de negócios, seja pelo lixo urbano e social a que estão
sujeitas todas as grandes cidades portuárias, com a possível exceção de Itajaí.
De Paranaguá saíram os grandes artistas que animavam no passado os bailes e festas populares curitibanas, como foram os impagáveis parnaguaras autores de "As Mocinhas da Cidade (“são bonitas e dançam bem...”)", os saudosos Belarmino e Nhá Gabriela, ainda hoje muito tocados e festejados, tanto que são homenageados com um belo monumento bem no centro da capital paranaense. O fato é que, se existe uma cultura popular tipicamente paranaense, seja musical ou gastronômica, sua origem está em Paranaguá, com sua baía e seu belo mar repleto de ilhas paradisíacas.
De Paranaguá saíram os grandes artistas que animavam no passado os bailes e festas populares curitibanas, como foram os impagáveis parnaguaras autores de "As Mocinhas da Cidade (“são bonitas e dançam bem...”)", os saudosos Belarmino e Nhá Gabriela, ainda hoje muito tocados e festejados, tanto que são homenageados com um belo monumento bem no centro da capital paranaense. O fato é que, se existe uma cultura popular tipicamente paranaense, seja musical ou gastronômica, sua origem está em Paranaguá, com sua baía e seu belo mar repleto de ilhas paradisíacas.
Sábado, sete horas da manhã,
estávamos na Rua da Praia, defronte ao embarcadouro de onde saiu uma hora e
meia mais tarde o barco com 28 passageiros para a Ilha do Superagui, onde
aportamos por volta de meio dia. Junto conosco chegou também o nosso velho
conhecido de Floripa, que nos acompanharia pelos tres dias na ilha: o vagabundo Vento Sul.
Certamente uma das últimas áreas
significativas remanescentes da original Mata Atlântica está na fronteira litorânea
dos estados do PR e SP. Partindo-se da baía de Paranaguá em direção ao norte,
uma extensa faixa de aproximadamente 120 kms de comprimento por uns 30 kms de
largura, permanece praticamente selvagem, com a presença de aldeias de índios,
animais em extinção tais como onças, jaguatiricas, papagaios da cara roxa,
macacos de vários tipos e, principalmente, a mata exuberante dos tempos
coloniais. Ao longo deste litoral, que
vai até a cidade paulista de Iguape, a costa é demarcada por extensas ilhas
separadas entre si e do continente por vários canais margeados por restingas e
montanhas.
Do norte para o sul, Ilha Comprida, do Cardoso e do Superagui formam este arquipélago protetor da fauna marinha ao longo da costa, uma vez que os canais são abrigos naturais para procriação e preservação das espécies. Na Ilha do Superagui existe apenas um pequeno povoado localizado na barra de entrada do canal que a separa da Ilha das Peças. Alguns quilômetros ao norte, quando o canal volta a juntar-se com as águas da baía, está localizada a cidade de Guaraqueçaba, também perdida no tempo e no espaço, cujo acesso por terra demanda 95 kms de estrada de chão em meio a mata e montanhas da Serra do Mar. Uma aventura para poucos corajosos! Entretanto, esta mesma Guaraqueçaba está apenas a meia hora da vila do Superagui, se formos de lancha do tipo “voadeira”. É dessa forma que as futuras mamães da ilha vão à maternidade, desde que faleceu por aqui a última parteira.
Do norte para o sul, Ilha Comprida, do Cardoso e do Superagui formam este arquipélago protetor da fauna marinha ao longo da costa, uma vez que os canais são abrigos naturais para procriação e preservação das espécies. Na Ilha do Superagui existe apenas um pequeno povoado localizado na barra de entrada do canal que a separa da Ilha das Peças. Alguns quilômetros ao norte, quando o canal volta a juntar-se com as águas da baía, está localizada a cidade de Guaraqueçaba, também perdida no tempo e no espaço, cujo acesso por terra demanda 95 kms de estrada de chão em meio a mata e montanhas da Serra do Mar. Uma aventura para poucos corajosos! Entretanto, esta mesma Guaraqueçaba está apenas a meia hora da vila do Superagui, se formos de lancha do tipo “voadeira”. É dessa forma que as futuras mamães da ilha vão à maternidade, desde que faleceu por aqui a última parteira.
No lado oposto ao canal
encontra-se o oceano aberto na Praia Deserta, com seus 37 kms de areias brancas
absolutamente vazias, como indica o nome. Caminha-se por horas, até cruzar com
um ou outro pescador artesanal ou turista, uns a cavalo, outros de bicicleta
alugada na vila. Barzinho para uma gelada ou caipirinha, nem pensar. A gente se
dá por satisfeito em ter levado uma garrafa de água. Em uma de nossas
caminhadas, cruzamos com um nativo pedalando sua bicicleta, de onde sobressaía
o detalhe de um imenso facão preso à garupa. Depois dos "bons-dias", perguntamos se o exuberante utensílio se destinava à sua defesa pessoal, ao que
ele respondeu que não, pois usava o facão apenas para cortar uma picada no mato
ou destrinchar algum peixe, já que sua proteção ele confiava ao Altíssimo, o
que nos mostrou mais uma faceta do povo ilhéu, a sua enorme religiosidade,
talvez herança das várias missões católicas e protestantes que já passaram pela
aldeia.
Se o persistente viajante seguir
sempre ao norte, ao longo da praia sem fim, avistará revoadas de assustados
pássaros de várias espécies, que migram permanentemente entre as ilhas e o
continente. No extremo norte da ilha, vai encontrar poucas choupanas de pesca e
uma pequena venda na beira do canal que dá acesso à Ilha do Cardoso, já então
em terras paulistas. Mas, mesmo de bicicleta é bom precaver-se, pois ao
aventureiro inadvertido a natureza costuma pregar certas ciladas, como a de
ficar isolado pelo enchimento de algum riozinho, que se transforma de repente num
riozão, com a maré alta. Nesse caso a solução é esperar a maré baixar. Ou
tentar cruzar a nado, com todos os riscos da empreitada.
Pousadas há tres ou quatro, todas
na pequena vila, muito rústicas. Restaurantes, só por encomenda nas próprias
pousadas. Em compensação, as iguarias que se ofertam nas cozinhas caiçaras
dificilmente serão encontradas em griffes granfinas de São Paulo. O
segredo é bastante conhecido: tudo muito fresco e bem temperado. Variadas ervas
aromáticas, alho, cebola e, principalmente, peixes, camarões, lulas, mariscos e
ostras absolutamente frescas, pescadas ou colhidas poucas horas antes. Dos turistas que desembarcam na ilha,
seguramente a maioria o fazem com o propósito de pescar, atividade que
exercitam com enorme prazer, sempre em grupos que partem alegremente da praia
defronte ao canal, embarcados em alguma lancha ou canoa, com a qual vasculham
as águas próximas, seja pelos próprios canais ou nas ilhas em mar alto, de onde
voltam quase sempre ao por do sol, trazendo os frutos de suas aventuras, que
são deliciosamente compartidos com os demais visitantes, mesmo os absolutamente
incapazes de lidar com anzóis e varas, conforme exemplo deste que vos
fala, principalmente com "varas".
Para isso, as pousadas são guarnecidas com fogões e churrasqueiras, onde se come bem e se bebe melhor ainda. De fato, é difícil resistir ao convite para regalar-se à beira de uma grelha repleta de ostras recém recolhidas pela turma que voltou à pouco de uma pescaria. As ostras aos poucos vão se abrindo, conforme aquecidas pelo braseiro, os convivas as vão retirando da grelha e sorvendo-as em estado puro mesmo. Eu, no meu caso, segui o conselho que manda acompanhá-las sempre com uma cachacinha curtida numa erva nativa chamada Cataia, que só existe nas restingas locais. Garanto que sobrevivi, até prova em contrário ...
Para isso, as pousadas são guarnecidas com fogões e churrasqueiras, onde se come bem e se bebe melhor ainda. De fato, é difícil resistir ao convite para regalar-se à beira de uma grelha repleta de ostras recém recolhidas pela turma que voltou à pouco de uma pescaria. As ostras aos poucos vão se abrindo, conforme aquecidas pelo braseiro, os convivas as vão retirando da grelha e sorvendo-as em estado puro mesmo. Eu, no meu caso, segui o conselho que manda acompanhá-las sempre com uma cachacinha curtida numa erva nativa chamada Cataia, que só existe nas restingas locais. Garanto que sobrevivi, até prova em contrário ...
Depois do feriadão de vento sul,
com o inevitável frio e chuva fininha penetrando ossos, portas e janelas, a
terça feira amanheceu exuberante, com o sol da manhã avermelhando o horizonte. Mesmo
assim, embarcamos satisfeitos na lancha de mestre Juca Barreiro, de volta ao
trapiche da Rua da Praia. em Paranaguá. O clima frio e
chuvoso de fato nos negou o calor do sol, banhos de mar e biquinis à mostra,
entretanto, esse mesmo clima nos proporcionou um profundo contato com a ilha, seus habitantes e muitas novas amizades, atributos
mais interessantes do que barulhentos turistas convencionais talvez pudessem
nos proporcionar.
Sim, voltaremos um dia, Superagui, pra ficar mais tempo !
Sim, voltaremos um dia, Superagui, pra ficar mais tempo !
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