quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não me dá nos cornos, seu istepô!



O primeiro de maio amanheceu ensolarado e brilhante, o mesmo azul turquesa a prenunciar um dia de espetáculos, que se acabou em nuvens na altura do meio dia... rsrsrs. Nesta época do ano, os dias começam sempre assim, como se estivéssemos no outono de Aux-en-Provence, sul da França, curtindo os primeiros ventos gelados que sopram do Saara e atravessam o mar Mediterrâneo, enchendo de areia e glamour a cozinha de Lion, uma centena de quilômetros longe da costa, a central milenar da cozinha francesa e, por conseguinte, do mundo civilizado. De Lion se pode pegar um trem numa das várias estações que servem à civilização, com o detalhe de metrô grátis, e subir até os Alpes, para tomar um banho térmico e encharcar-se de lava vulcânica, sorver um branco seco e voltar para a janta no mercado público mais interessante da Europa. 

Nada disso importava nesta manhã. Nos mantivemos entretidos com uma conversa amena, pois nossa musa iria dar uma entrevista na TV de Itajaí, estava muito nervosa, de modo que precisamos apelar para várias técnicas de tranquilização, até que ela se mostrou tão agradecida e emocionada que chorou em público, quero dizer, um público privado, só para mim, embora eu desconfiasse que algo assim pudesse suceder no decorrer da entrevista em si, fato que realmente não aconteceu, ainda bem, nossa!, livramo-nos do pior. A entrevista foi um sucesso, como sempre!



O que protege nossa praia da poluição humana são suas dunas eternas.

Cheguei no centro místico da Praia do Campeche, de onde se avista a famosa Ilha. 
A Missa corria solto, cantorias do divino e várias entonações emocionantes.
Me impressionou a qualidade do coro e dos músicos encarregados da liturgia. 
Os padres e coadjuvantes distribuiam o sacramento, há um momento de discursos das autoridades presentes, falam tres vereadores, dos quais eu conheço um, o Sandrini, uma espécie de sobrevivente da velha política, onde os Ramos comandavam tudo em todos os partidos, há pelo menos cento e cinquenta anos. Os outros dois vereadores não sei dizer quem são. Produtos da transformação de Floripa em metrópole, eleitores novos e ignorantes das regras locais,  que não sabem das tradições de manter a mesma elite no poder. Mas, não se preocupem, eles também cumprem a mesma missão de manter o poder nas mãos da oligarquia, a serviço da especulação imobiliária. E que se "fodam" os interesses de nativos e moradores que vieram de fora! O que interessa são os lucros fenomenais, decorrentes da exploração pura e simples dessa maravilha que é a natureza de Floripa, um dos cenários mais encantadores do Planeta, sem dúvida ...


Ilha do Campeche ao fundo
Terminada a missa, os discursos das autoridades remetiam sempre à necessidade de cumprir o estabelecido pelo Ministério da Pesca, ou seja, iniciar a pesca artesanal com canoas somente a partir do dia 15 de maio. Uma das reivindicações maiores dos pescadores artesanais era justamente iniciar esta atividade a partir de 1º de maio, hoje. Acho sinceramente que isso não tem qualquer importância econômica, pois a pesca artesanal está mesmo condenada à falência. Mas, o que custava deixar isso ao encargo dos próprios pescadores? Por que a indústria pesqueira, baseada em Itajaí, precisa tanto humilhar as comunidades litorâneas de Santa Catarina?

Falaram vários intérpretes dessa premissa, o superintendente do Ministério da Pesca, o do Meio Ambiente, o da Secretaria de Pesca da prefeitura municipal, até o presidente da federação dos pescadores, um pelego bem falante, se dizendo muito corajoso, até o ponto de ignorar as ofensas pessoais e poder recomendar aos pescadores do Campeche que não entrassem em litígio com a autoridade, aconselhando que cumprissem o que está posto pelo governo federal, a serviço dos industriais de Itajaí: pesca com rede e canoa, só entre 15 de maio e 15 de julho. Ridículo!!!



Tudo bem, todo mundo satisfeito, autoridades deixam o palanque ao lado dos padres e lideranças sindicais, todos tranquilos em relação à massa que ali esperava pelo espetáculo musical que viria em seguida, a pelegada confiante de que tudo já estava resolvido. Então, sem ninguém perceber a importância disso,  entra em ação ninguém mais que uma simples feiticeira açoriana, uma mulher bruxa que se deu como missão preservar as tradições ilhoas. Dona Bilica!!!



Dona Bilica começa sua intervenção chamando as "autoridades" de volta ao palco; "Dondeé qui ocêx vão, ô istepô, vorta cá! Pensa qui é falá bobagi e si mandá, é? Olholholho,lho,lhói, te exconjuro, cambada de mandrião!". 

Em seguida passa a fazer considerações perfeitamente lúcidas, politicamente perfeitas dentro do quadro da luta de classes, tomando partido nitidamente pelos desvalidos que ali estão a assistir a um espetáculo engendrado pelos poderosos. Dona Bilica, sutilmente e de forma escancaradamente cômica, chama a atenção para o fato de que aos pescadores artesanais está proibida a pesca de arrasto, enquanto se pode observar no mar o movimento dos barcos pesqueiros, que praticam a pesca predatória. Não houve como contestar tamanha autoridade moral. O público veio abaixo, em aplausos emocionados.  

Saí daquele palco de areia branca com a alma lavada! Nem esperei o espetáculo musical dos valores que habitam esta província, a planície imaculada entre a Baia Sul e o mar aberto, onde se pode avistar o verde intenso das copas que enfeitam a imensidão azul, a Ilha do Campeche,  "abençoada por deus e bonita por natureza" . 


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