Certa
madrugada eu estava no Bar Brahma, famoso ponto boêmio da noite paulistana, na
esquina mística de Ipiranga com São João, quando entrou um grupo de jovens, todos
vestidos de preto, sentaram-se numa mesa e ficaram em silêncio, caras de monges
budistas, todos lindíssimos, principalmente a garota loira que pediu os vinhos
brancos que tomaram, pagando sozinha a conta com um cartão de crédito, coisa
rara na época. Depois sairam, sabe-se lá para onde, provavelmente para
continuar a noitada. Nada de "rua augusta a 120 por hora" ou
"pode vir quente que eu estou fervendo". Nada disso. Aquela turminha da
pesada pegava firme, mas suas drogas eram apaziguantes, pela aparência zen que todos apresentavam, qual artistas
de cinema. Naquela noite aprendi mais uma lição e entendi a canção do Caetano
Veloso: "como são lindos os burgueses".
Sérgio
Dias foi um desses burgueses loucos de cara, compositor de canções lendárias, como "2001" e "Ando Meio Desligado", e que nos deixou órfãos de pai vivo, quando ele se abandonou do meio artístico antes dos 30 anos de idade, corroído
pelas drogas e álcool. Sérgio, felizmente, foi salvo por ter literalmente
"pirado", passando quase quarenta anos sob tratamento pesado, às vezes internado em hospícios e clínicas psiquiátricas. Foi o primeiro namorado de
Rita Lee, a "mais completa tradução de São Paulo", segundo o louvado compositor baiano já citado.
Sérgio e Rita montaram uma das bandas mais representativas do rock brasileiro,
os Mutantes, pioneiros a pressentirem os novos tempos do som universal, que
seriam posteriormente popularizados pelos rock progressivos como Pink Froid. Misturavam sons de
catira e viola caipira com acordes dissonantes, fora do padrão
temperado da música bem comportada.
Naqueles
anos loucos, estava em destaque a competição entre dois monstros sagrados do
rock and roll, The Beatles, na Inglaterra, e The Beach Boys, na Califórnia.
Como todos sabemos, este estilo musical nasceu pobre, nas plantações de algodão
do delta do Rio Mississipi, sul dos Estados Unidos. Foi um dos tres herdeiros
dos cantos negros religiosos, conhecidos como Spirituals, para diferenciá-los dos hinos cristãos respeitáveis,
feitos por brancos europeus. Pois os Spirituals invadiram as zonas de
prostituição de Nova Órleans, na foz do Mississipi, e se tranformaram em
blues e jazz. O rock permaneceu caipira, na zona rural, até ser descoberto na
década de 1950. Estourou no mundo todo, principalmente a partir das canções do pop-star
Elvis Presley, transformando-se no mega negócio que é hoje. Então, de fato,
Beach Boys e Beatles faziam parte do mesmo negócio, mas, devido a intensa
competição entre seus países, se colocaram como adversários no mundo do show
business. Tremendo azar dos norte americanos, quando os Beatles lançaram em 1968
o seu mais espetacular álbum, uma maravilha chamada "Banda do Clube dos
Corações Solitários do Sargento Pimenta". Os Beach Boys se preparavam para
dar a resposta, mas, seu líder foi à
pique. As drogas pesadas o fizeram "pirar", tal qual o brasileiro
Sérgio Dias. Resultado: os Beach Boys sairam do mapa. E da competição.
Na
disputa surda entre John Lennon e Brian Wilson, os Beatles lançaram uma homenagem
à União Soviética, em contra partida à canção mais popular dos Beach Boys, a
famosa "Surfing in USA". Os cabeludos ingleses lançaram "Back in USSR".
Hoje parece cômico, mas, naqueles anos da guerra fria, imagine o impacto deste
combate!
Nós
brasileiros assistimos de longe este desafio, pois estávamos isolados do mundo
dito civilizado. Uma ditadura militar estúpida
não deixava entrar nada diferente do trivial. Só fomos conhecer Jimmy Hendrix muito
tempo depois que ele já tinha partido para a outra esfera. Janis Joplin esteve no Brasil, tomou cachaça e fumou maconha na Barra da Tijuca, e nós nem ficamos sabendo, pois a moça não era exemplo para a nossa juventude e foi devidamente censurada a sua honrosa visita. Mas, as rádios costumavam
tocar os dois grupos roqueiros de quem falamos, muito mais os Beatles, claro,
por razões de preferência das gravadoras. Até por que dos Beach Boys não se
esperava mais nada. Uma coisa posso garantir: seu vocal era o melhor de todos.
As letras nem tanto. Prefiro um maluco brasileiro, que pode ser até mais
jovem que o Sérgio Dias. Sempre teremos "loucos de cara" para suprir
nossa sede musical.
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