sexta-feira, 29 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Cheek to Cheek

Os anos que se seguiram à quebra da bolsa de Nova Yorque em 1929, foram chamados de "a grande depressão". O quadro era de falência econômica da grande nação norte americana, que só foi salva pela perspicácia e inteligência do presidente Roosevelt e seus assessores econômicos, ao lançarem o programa New Deal (Novo Pacto), pelo qual as empresas e os milionários concordavam pagar mais impostos, para que o setor público investisse pesadamente em obras de infra estrutura, dando emprego para os trabalhadores demitidos pela indústria e pela agricultura, por conta da grave crise que se abateu sobre a América.  Assim, ao mesmo tempo em que os desempregados conseguiam alguma renda, passavam a consumir mais produtos, fazendo a economia girar. Uma das mais famosas peças do jornalismo fotográfico, feita em 1936, mostra uma  mãe de família, cujo marido havia perdido o emprego cinco anos antes e faleceu neste período, deixando à mãe das crianças o encargo do seu sustento. Seu olhar de angústia e preocupação mostrava bem o estado em que se encontrava a auto estima dos norte americanos. 

Foto histórica, considerada símbolo da grande depressão dos anos 30 nos EUA  

Como sempre acontece, foi durante essa crise que a arte cinematográfica e a música floresceram nos Estados Unidos. Parece que a preocupação coletiva pela sobrevivência influi na criatividade dos artistas, como fenômeno universal. Também no Brasil, o período de maior criatividade e sensibilidade artística foram os anos da censura, imposta pela ditadura militar. Parece contraditório, mas, é assim que funciona. 

Durante a "grande depressão", brilhou intensamente a luz de um casal, para o qual o grande Federico Fellini viria prestar uma homenagem cinematográfica fascinante, 40 anos depois do tempo real onde eles estrelaram as mais encantadoras fantasias musicais já então produzidas. Fred Astaire e Ginger Rogers, um casal de dançarinos e cantores.  Eles faziam a alegria dos americanos e ajudavam a esquecer os transtornos da crise econômica, criando obras onde pontificam o romance, ao som de belíssimas canções populares. Foi quando o Jazz, que já havia feito sucesso na elite da Europa, deixou os guetos pobres dos bairros negros e foi incorporado pelo glamour dos musicais da Broadway e do cinema de Hollywood, como na canção Cheek to Cheek, que estreou em 1936 no filme "Top Hat",  e até hoje já apareceu em dezenas de produções musicais da Brodway de Nova Yorque. 





Paraíso
Eu estou no paraíso
E meu coração bate tanto que eu mal posso falar
E eu pareço ter encontrado a felicidade que procurei
Quando nós estamos juntos, dançando de rostos colados

Paraíso
Eu estou no paraíso
E as preocupações que me atormentaram durante a semana
Parecem desaparecer como num golpe de sorte em uma loteria
Quando nós estamos juntos, dançando de rostos colados

Oh, eu gosto de subir a montanha
E alcançar o pico mais alto
Mas isto não me emociona nem a metade 
Do que dançar de rosto colado com você

Oh, eu amo sair para pescar
Em um rio ou riacho
Mas eu não me divirto nem metade 
Do que dançar de rosto colado com você

Dance comigo
Eu quero sentir seu corpo abraçado ao meu
Este encanto me levará ao Paraíso

Paraíso
Eu estou no paraíso
E meu coração bate tanto que eu mal posso falar
E eu pareço ter encontrado a felicidade que procurei
Quando nós estamos juntos, dançando de rostos colados
Juntos na noite dançando
Juntos na noite dançando de rostos colados
  













                     

quinta-feira, 28 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Ruby Tuesday


Esta canção é considerada pela revista Rolling Stone na lista das 300 melhores de todos os tempos. Sendo norte americana, a revista não teria interesse especial em promover uma banda inglesa,  no caso a homônima The Rolling Stones, que foi fundada em 1962 e está comemorando 56 impressionantes anos de estrada, principalmente se pensarmos nos ciclos tradicionais de vida das bandas de rock. O nome Rolling Stone (Pedra a Rolar) é tradicionalmente atribuído a comportamentos marcadamente rebeldes, libertários ou libertinos, digamos assim. 

A famosa canção de Bob Dylan só veio ao mundo em 1965, já depois da explosão de sucesso da banda The Rolling Stones.  Esta falsa semelhança é que alimenta  a crença de muitas pessoas, que acham que a canção deu nome à banda. Não, uma coisa não tem nada a ver com a outra, até por que estavam em ambientes completamente diferentes, Dylan na luta política dos direitos civis nos Estados Unidos e os Stones detonando a sociedade careta da Gran Bretanha, como contraponto a doçura pequeno burguesa dos Beatles, considerados então muito mais palatáveis para a moral cristã e ocidental.

O som produzido pelos Rolling Stones nunca encontrou imitação. Observem que há várias bandas cover dos Beatles, mas são raras as que se atrevem a imitar o grupo de delinquentes ingleses que fundaram e ainda mantêm os Rolling Stones, que, aliás, já tem algum tempo que não mostram novidade alguma. Tomara que venham de novo ao Brasil, país que costumavam frequentar anonimamente nos anos de chumbo da ditadura militar, apenas para curtir nossos prazeres latinos e a sensualidade tropical principalmente baiana, onde costumavam passear anônimos. Não os condeno por isso!!!

Os Stones também produziram lindas canções de amor. Esta que lhes apresento é da lavra de Brian Jones,  um dos fundadores do grupo, que morreu de overdose logo nos primeiros anos da banda, como seria de se esperar para o estilo de vida que levavam. 

Vejamos os versos traduzidos pela minha ótica pessoal. 



Ela nunca disse de onde veio,
"O passado não importa, já passou".
Enquanto brilha o sol ou na noite mais escura
Ninguém sabe se ela vai ou se vem.

Adeus, " Rubi de Terça Feira ",
Quem poderia colocar-te algum rótulo?
Mudando tanto assim a cada novo dia,
Eu estou sempre te perdendo.

Não questione por que ela precisa ser tão livre assim.
Ela te diria que esta é a única maneira de ser,
E que simplesmente não pode estar presa
A uma vida onde nada se ganha e nada se perde. 
O custo seria alto demais.

"Não há tempo a perder, ... peguem seus sonhos
Antes que eles lhes escapem.
Se planejares a vida dessa forma tão burocrática, 
Teus sonhos desaparecem e vão levar junto a tua consciência.
Não seria um vida sem sentido???"

Os Rolling Stones são uma banda absolutamente inusitada. A voz de Mick Jagger e os solos de guitarra de Keith Richards diferem de todo e qualquer som que já se tenha ouvido ha história do rock and roll. Eles têm como característica o estilo marcadamente bruto do blues negro norte americano, misturado com as baladas camponesas do Reino Unido. Ninguém até hoje conseguiu superá-los neste campo artístico. Nos últimos 56 anos, The Rolling Stones participaram de todas as fases do rock and roll, desde os anos inocentes na Inglaterra de 1962, passando por eventos identificados  com a contestação violenta dos valores civilizatórios do mundo ocidental. Alguns de seus shows nos anos setenta foram marcados por extrema violência, mediados pelos Anjos do Inferno, grupo semi violento de motociclistas norte americanos, que "cuidava" da segurança dos seus mega espetáculos, alguns dos quais  resultaram em trágicas mortes, durante algumas apresentações pelos Estados Unidos.

Hoje, no mundo do consumismo irresponsável e da comunicação interpessoal imediata e banal, a canção "Terça Feira de Rubi" parece como um romance surrealista. 


E não é?  Lembra um pouco a ópera "Carmen", a famosa sedutora cigana anárquica de Sevilla, pela qual todos os homens tinham um quê de fascínio e submissão. 

Raramente outros artistas se atrevem a interpretar canções dos Stones. Por isso, só pela coragem, o grande cantor escocês Rod Stewart já merece nossos aplausos. 






Mas, não poderemos nunca nos esquecermos do delírio original.


sábado, 23 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Amar



Era certo que chegaria a hora de colocar nesta série de crônicas uma música brasileira. Não foi tarefa fácil. Em princípio, parecia óbvio que a canção deveria ser da pena de Vinícius de Morais, não é certo? Ele foi o maior poeta da música popular brasileira. Até poderia ser alguma de suas parcerias com Chico Buarque ou Antonio Carlos Jobim, mas, Vinícius tinha que estar presente. Então, comecei a ouvir canções ao lero, apenas para sintonizar aquelas que soassem melhor para colocar num blog como este. Não adiantava, por exemplo, publicar o samba da benção, que o poetinha fez com Baden Powel, por que ela não tem dores de amores, embora seja um maravilhoso canto à vida. 

Até que cheguei no Tom Zé. Alguns de vocês já sabem de minha admiração pelo baiano, que fui buscar em São Paulo, para abrir a semana dos calouros da Universidade Federal do Paraná, uma vez que não tínhamos verba para trazer o Gonzaguinha, que era o preferido da galera, mas custava muito caro. Pois bem, Tom Zé arrombou a banca, fez show maravilhoso, deu palestra para os jovens e até participou de festas na cidade. Foi um verdadeiro encanto para todos.  Agora, revendo sua obra, descubro estes versos numa canção de amor:

"Espalhar no céu, Beatles a granel"

Maior dedicação amorosa, impossível.  Quando estamos apaixonados, somos apenas meros instrumentos a serviço do outro.  Fica a lição de que "amar é fel e mel". Eu gostaria muito de ficar só com o mel, mas, volta e meia, me deparo com o fantasma do fel. Fazer o que? Amar !






Amar, amar
Ceder ao coração
A razão
E só, só, só viver
Pra ser
A casca pro outro
Viver.

E ter, e ter e ter
Amarguras mil sem ter,
Por que nem pra que tecer
E ser...

Como uma varinha de condão
Para quando riscar o chão
Espalhar, espalhar no céu 
Beatles a granel
Em sonhos de papel
Porque na vida amar é fel e mel

Tudo bem alto,
Tudo baixinho,
Tudo calado
Tudo bem alto,
Tudo baixinho
Tudo..

Paraguai, 2012.


O Paraguai sempre foi uma grande fazenda. Belíssima mata atlântica, igual ao do vizinho Paraná, viu seu território ser dedicado principalmente à agricultura. O país sempre teve ditadores. Um deles se chamava Solano Lopes. Estudou em Paris, de onde trouxe uma esposa francesa e um grupo de técnicos e científicos, visando mudar o país a partir da industrialização. Naquela época, 1850, quem mandava no mundo era a Inglaterra, que não achou boa idéia aquela de industrializar um país sem qualquer importância, que não tinha nem saída para o mar. Mas que, de alguma forma, ameaçava o mercado que os ingleses consideravam seus, os países do atual Mercosul.




Brasil e Argentina deviam os tubos para os ingleses. O filme "Visconde de Mauá" nos mostra como o famoso diplomata do Império vivia em viagens seguidas para Londres, afim de negociar nossas dívidas com a Raínha. Pois bem, não foi difícil aos ingleses fazer com que os exércitos de Brasil e Argentina intervissem para acabar com aquela aventura exótica, um país industrializado ao sul do equador, ora veja ! O trabalho foi facilitado por que o senhor Solano Lopes achou que poderia ganhar a guerra e abriu logo tres frentes de combates. No Mato Grosso, para distrair as tropas do império brasileiro, que somavam 200 mil soldados; em Corrientes, para envolver o exército argentino, e verdadeiramente seu objetivo principal, que era uma saída para o mar, retomando o controle de Montevideo, onde os brasileiros e argentinos tinham patrocinado um golpe que instalou no governo um títere do império britânico. Solano Lopes perdeu a guerra, depois de cinco anos de combates. O Paraguai foi destruído a ponto de sobrar apenas 10% da população masculina. O último e simbólico combate foi travado por meninos imberbes paraguaios, num cafundó qualquer do norte do país, onde o derrotado Solano Lopes recusou-se a render-se e foi morto à lança, juntamente com seu filho de 15 anos. O comandante brasileiro era o genro do imperador, e, num gesto de sadismo e covardia, ainda fez com que a viúva, esposa e mãe dos últimos mortos, enterrasse seus corpos, antes de a mandarem para a prisão  em Asunción, ao invés de a expulsarem para sua terra natal, a França, o que seria uma medida mais humanitária, afinal, ela não tinha nada a ver com as tresloucadas aventuras de seu marido. A guerra é cruel, todos sabemos, mas não deveria ter servido para a diversão perversa de um insignificante descendente da oligarquia monarquista francesa, o Conde D'Eu, marido da princesa Izabel.
  




A partir de então, o país sempre foi dominado por meia dúzia de famílias brancas, contra uma população 99% de índios guaranis. Até a década de noventa, esteve submetido a uma terrível e cruel ditadura, a da família  Stroessner, que viveram  exilados em Brasília, após serem apeados do poder. Seu estilo de vida sempre foi nababesco, gastando a grana que acumulou quando era o único mandatário do Paraguai. Felizmente, o velho Stroessner já foi para o inferno. Mas, seu filho, que tem o grau de general paraguaio, continua por lá, tomando sua champagne francesa e influenciando a política paraguaia.

Agora vem mais este golpe. Não morro de amores por Fernando Lugo, ao contrário. Mas, isso não vem ao caso. O fato é que a elite paraguaia, mais uma vez, volta a controlar o estado, como sempre fez. O apoio dos brasiguaios é compreensível, pois eles realmente estavam pagando o pato das injustiças centenárias que fazem a história do Paraguai. Eram o alvo principal do MST paraguaio, estaca de apoio a Fernando Lugo. Estes esforçados colonos brasileiros só têm a ganhar com o golpe. O grande perdedor, sem dúvida, será o povo paraguaio. Mas, eles estão acostumados...



quinta-feira, 21 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Ne me Quittes Pas


Estamos acostumados a ver a cantora francesa Edith Piaff como exemplo do sofrimento por amor. São inúmeros filmes e peças de teatro, onde o personagem forte da famosa artista se revela em toda sua fragilidade amorosa. No Brasil, a atriz Marília Pera protagonizou uma peça de forte impacto, onde desempenha tanto o papel da pobre mulher abandonada sempre por seus amantes, quanto sua voz maravilhosa e única no cenário do romantismo contemporâneo. Em um dos filmes clássicos sobre Piaff, o diretor monta uma cena onde ela ordena ao seu motorista que a leve ao encontro de um amante que está à 400 km de Paris, mesmo advertida de que a madrugada está fria e as pistas molhadas e escorregadias, pela neve que cai no inverno europeu. Mesmo assim, ela assume os riscos e inicia a viagem, para, quando estão na metade do caminho, arrepender-se e pedir ao pobre homem que volte para casa, em Paris. Isso demonstra sua personalidade complicada, talvez em decorrência de uma infância e juventude ultra sofrida, chegando a ser prostituta como carreira paralela à de cantora, sendo explorada por cafetões bandidos, até que um empresário profissional a descobre num cabaré e faz com que se torne a mais bem sucedida cantora da França e, quiçá, de todo o mundo ocidental. 

Seu maior sucesso, no entanto, "Não me abandones", foi escrita e sofrida na própria pele por um homem. Até quem não entende patavina de francês, como eu, sente que a  canção "Ne me quittes pas" é uma súplica de amor, ou de submissão, para que a pessoa amada não nos abandone, como está prestes a confirmar-se na prática, pelo ato da separação entre o compositor da famosa canção e sua parceira.  É uma dor sem igual e qualquer ser humano que a tenha experimentado, quer dizer, praticamente 100% da humanidade,  sabe o quanto isso é cruel. Alguns poetas, no entanto, conseguem colocar esse sentimento em versos. É o caso de Jacques Brel, um rapaz belga, pobre e romântico, que veio tentar a vida em Paris nos anos 1950. Ali conheceu uma garota, pela qual se apaixonou loucamente, como se não fossem loucas todas as paixões!

Como seria de se esperar, sua musa Gabrielle o abandonou, vá lá saber-se por que, pode ser que tenha se encantado por outro rapaz, ou que não suportasse mais o ronco ou a a chatice do músico belga, enfim, ela deu-lhe um belo chute na bunda.  Pois deste transtorno nasceu este clássico da música romântica universal, cantada por centenas de belíssimos intérpretes pelo mundo afora.  Mas, nunca ninguém superou  Edith Piaff, que a gravou pela primeira vez, em 1959.




Aqui, vai a versão de Maysa,  uma das mais consideradas cantoras românticas brasileira de todos os tempos. Que foi tão ou mais complicada que a francesa Piaff.


terça-feira, 19 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Yolanda




A ilha caribenha de Cuba é conhecida por sua música extravagante, colorida, cheia de raízes africanas, das quais são exemplos o Mambo e a Rumba. Também tem tradição nas canções hispânicas de acentuada sensualidade, como o Bolero, que ali foi criado pelos colonizadores espanhóis há uns duzentos anos atrás. Ninguém poderia supor que neste país tão mulato e alegre, parecido com a nossa Bahia, nascesse um hino visceral à paixão de um homem por uma mulher.

Na canção YOLANDA, o seu autor, Pablo Milanés, foi às últimas consequências da entrega incondicional de uma pessoa à outra, a busca ideal pelo casamento total e indestrutível. Mas, sua amada Yolanda o abandonou justamente no pior momento, quando o rapaz descobre um câncer ósseo e tem que se afastar do mundo artístico para se tratar, vindo a perder uma perna e a ficar vários meses entrando e saindo de hospitais. Daquele amor apaixonado, restou apenas sua voz melancólica entoando:

“Si me faltaras, no voy a morirme  
Si he de morir quiero que sea contigo.
Mi soledad se siente acompañada
Por eso a veces sé que necesito 
Tu mano, tu mano, tu mano, 
eternamente tu mano…"

A própria Yolanda conta que conheceu Pablo quando este tinha 25 anos de idade, e era apenas um rapaz cubano, mulato, pobre e triste. Apesar de ter construído a carreira com várias canções de intensa alegria, suas grandes obras foram Yolanda e Años, canções tristes que consolidaram um estilo completamente novo e desconhecido da música cubana, a partir do movimento que se autodenominou "Nova Trova", inspirada nas canções românticas e nos "blues" dos negros norte americanos. Mais tarde, com sua doença sob controle e uma prótese na perna amputada, Pablo Milanés correu o mundo, física e artisticamente. 
Nenhum outro músico  cubano foi tão reverenciado no exterior, nem mesmo os que se exilaram para os Estados Unidos, fugindo da revolução comunista, como Célia Cruz e Bola de Nieve. Aqui no Brasil,  Pablo ganhou um fan de carteirinha, Chico Buarque, que o chamava jocosamente de "meu homem em Cuba". 

Chico Buarque fez uma versão impecável da música Yolanda, que ofereceu para a cantora Simone fazer enorme sucesso nos anos 80. A letra de Chico, como seria de se esperar, melhorou ainda mais a dramaticidade da canção. Ele poderia simplesmente traduzir do espanhol para o português e, pronto, o sucesso seria o mesmo. Mas, além  de manter o sentido desesperado do poema original, Chico criou novas imagens poéticas e manteve a sonoridade das frases musicais, para que soassem em português igual ao canto de Pablo em espanhol. Por exemplo, se traduzisse  literalmente os versos finais, 

"rezando el credo que me has enseñado, miro tu cara y digo en la ventana: Yolanda"    
  
ele teria que colocar a palavra "janela", que em português soaria totalmente isento de poesia. Por isso, manteve o espírito da letra, mas trocou "ventana" por "ventania". Ficou muito melhor:  

"rezando o credo que tu me ensinastes, olho teu rosto e digo à ventaniaYolanda" .


Vamos acompanhar a versão de Chico Buarque na íntegra?
    
"Esta canção não é mais que uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica, sem procurar a justa forma
Do que me vem de forma assim tão caudalosa
Te amo, te amo, eternamente te amo

Se me faltares nem por isso eu morro
Se é pra morrer, quero morrer contigo
Minha solidão se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo, teu colo, eternamente teu colo

Quando te vi eu bem que estava certo
De que me sentiria descoberto
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores, de amores, eternamente de amores

Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo que tu me ensinastes
Olho teu rosto e digo à ventania 
Iolanda, Iolanda, eternamente Iolanda."





domingo, 17 de junho de 2012

ROMANTISMO NA MÚSICA POPULAR - Te Recuerdo, Amanda



Uma das mais celebradas canções de amor de todos os tempos foi feita no Chile nos meses que precederam o golpe de estado de Pinochet. Seu autor era um militante político, ator e diretor de teatro, poeta e compositor. O mais famoso e querido do país, por isso mesmo odiado pelos fascistas. Assim que deram o golpe, eles o prenderam, extirparam sua mão direita, para que não mais tocasse seu instrumento, o violão. Soltaram-no, para, em seguida, prenderem novamente no campo de concentração que era o Estádio Nacional. Três dias depois seu corpo apareceu, com marcas de tortura e desfigurado, numa favela de Santiago. Nada disso era necessário, por que Victor Jara era um doce, incapaz de fazer mal a qualquer pessoa. Era apenas um poeta e cantava seu tempo.   "Te Recuerdo, Amanda" fez enorme sucesso no Brasil, na interpretação de um grupo de música latino americana, então na moda, chamado Tarancón. Eram músicos brasileiros e duas cantoras bolivianas, que corriam o país de norte a sul, cantando em universidades, sindicatos e igrejas. Qualquer entidade democrática que lhes abrisse as portas, as mesmas que tinham sido fechadas pela ditadura militar brasileira, amiguinha de Pinochet.









Te recordo, Amanda,
A rua molhada
Correndo para a fábrica
Onde trabalhava Manuel.

O sorriso largo
A chuva no cabelo
Não importava nada
Tu corrias para encontrar-te com ele.

Com ele, com ele, com ele, com ele.
São cinco minutos. A vida é eterna em cinco minutos.
Soa a sirene. De volta ao trabalho
E tu caminhando iluminas tudo,
Os cinco minutos te fazem florescer.

Te recordo, Amanda,
A rua molhada
Correndo para a fábrica
Onde trabalhava Manuel.

O sorriso largo
A chuva no cabelo
Não importava nada
Tu corrias para encontrar-te com ele.

Com ele, com ele, com ele, com ele.
Que partiu para a serra
Que nunca cometeu qualquer deslize. Que partiu para a serra,
E em cinco minutos caiu destroçado.
Soa a sirene, de volta ao trabalho.
Muitos não voltaram, tampouco Manuel.

Te recordo, Amanda
A rua molhada
Correndo para a fábrica
Onde trabalhava Manuel.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

MELHORES TANGOS DE TODOS OS TEMPOS

Tango, a sensualidade dançável. 




VOLVER (Carlos Gardel e Alfredo le Pera)
Antes da segunda guerra mundial os tangos tinham força dramática impressionante. A começar com La Cumparsita, o primeiro sucesso mundial, seguiram-se grandes tangos de forte impacto como À Media Luz, Cuesta Abajo, Cambalache e tantos outros que ficaram na memória inconsciente do público, retratando quase sempre crises morais e decadência, em ambientes que misturavam elegância e violência, sedução e traição. Carlos Gardel, que foi o maior de todos, pertencia a esse universo meio marginal, meio romântico. Consta que frequentava o baixo mundo de Buenos Aires e interagia profundamente com os personagens que descrevia em suas canções, a ponto de ter sofrido um tiro, disparado por ninguém menos que o pai de Ernesto Guevara, o futuro Chê, numa briga de bar, não sei dizer se disputando alguma dama da noite. No entanto, quando excursionava pela Europa na década de 1930,  Gardel encontrou em Paris o paulistano naturalizado argentino, Alfredo le Pera, que passou a cuidar não só das letras das músicas, mas também do figurino e da imagem do ídolo, além de dirigir seus filmes. Em 1935 os dois produziram juntos o mais brilhante disco de tango de todos os tempos, poucos meses antes de ambos morrerem no acidente aéreo que os vitimou e à toda a orquestra. Era simplesmente fantástico, pois trazia pérolas como El Dia que me Quieras, Por una Cabeza (que foi tema do filme Perfume de Mulher) e, na minha opinião, um dos tres mais belos tangos de todos os tempos, VOLVER, um poema escrito por Alfredo,  dando cor à inconfundível marca tangueira do grande moroso del Abasto, o bairro onde cresceu o pequeno marginal que veio com sua mãe do Uruguai, para ali se instalar quando ele tinha dois anos de idade.  Aqui, mostramos Volver na voz da espanhola cantora de flamenco, Estrella Morente, trilha sonora da famosa película homônima dirigida por Pedro Almodóvar. 











BALADA PARA UN LOCO (Astor Piazzolla e Horácio Ferrer)

Astor Piazzolla já nasceu milionário, pois era filho de um grande empresário da cidade de Mar del Plata. Este senhor tinha grandes planos para o filho: queria vê-lo dirigindo óperas e grandes orquestras sinfônicas no circuito Paris-Nova Yorque, por isso o mandou estudar música nos Estados Unidos. Acontece que o pequeno Astor gostava mesmo era de bandoneón e tango, o que lhe era proibido terminantemente pelo zeloso pai. Mas, não teve jeito. Assim que se viu formado, Piazzolla voltou para a Argentina e se instalou em Buenos Aires, onde aprendeu a técnica perfeita com uma orquestra clássica de tango, para, em seguida, revolucionar tudo e mostrar o que vale uma boa formação erudita. Seu início de carreira nos anos 1950 foi tão conturbado e suas canções tão complexas, que os tangueiros o proibiram de anunciá-las como "tango". Então, ele passou a chamá-las de "música contemporânea da cidade de Buenos Aires", para não se misturar aos desafetos que o rejeitavam. Porém, chegados os anos sessenta, Astor Piazzolla começou a pegar o jeito do gosto popular e lançou um grande hit,  que descrevia poeticamente nos versos de Horácio Ferrer, as aventuras de um maluco beleza completamente doido e santo, livre nas ruas da capital portenha, "mistura rara do penúltimo vagabundo com o primeiro caroneiro clandestino na viagem para Vênus".   Assim nasceu Balada para un Loco, neste vídeo interpretado pela atriz Joseán Morloesin Mellado, com ilustrações dela própria.









SUR (Anibal Troilo e Homero Manzi)

Anibal Troilo é tão importante que a data de seu aniversário foi declarada "Dia Nacional do Tango" na Argentina. Veio do Uruguai ainda criança, como Gardel, e também se naturalizou argentino. Está situado cronologicamente entre Gardel e Piazzolla, lá pelos anos quarenta. Morou a vida inteira perto do obelisco da Avenida Nove de Julho, o ponto emblemático da capital. Tinha precária saúde cardíaca e, por mais que tomasse cuidados, provavelmente a fumaça dos cigarros de terceiros, nas longas noites passadas desempenhando sua arte pelos cabarés, acabou liquidando com seu FRÁGIL coração. Antes da hora, por que mal passara dos cinquenta anos. Foi o professor que ensinou bandoneón para Astor Piazzolla, que aqui lhe presta uma homenagem mais do que sincera, tocando ao seu estilo próprio a mais importante canção do mestre, considerada pelos críticos como o mais belo tango jamais feito. O cantor é Roberto Polaco Goyeneche, o crooner eterno da banda de Anibal Troilo. A canção fala de uma Buenos Aires que não existe mais, quando um velho se põe a recordar o passado, do tempo em que namorava sua pequena e adorada mulher, nos seus "vinte anos de idade tremendo de carinhos". Desiludido, chega a conclusão de que "nunca mais iluminarei com as estrelas nossas caminhadas tranquilas pelas noites de Pompéya", partindo da esquina de barro e pampa, San Juan com Boedo antiga, o ar ainda puro perfumando a noite com aromas de ervas daninhas e alfafa. 







quinta-feira, 7 de junho de 2012

Como entender pessoas, sem falar suas línguas

Noite Estrelada, obra prima de um sujeito incompreendido no seu tempo



Eu gostaria de ser poliglota, para poder falar e entender pessoas de diversas partes do mundo. No entanto, às vêzes não é necessário falar outra lingua, pois existe algo universal, que é a  linguagem  da emoção humana. Aqui no Nordeste, por exemplo, as pessoas são muito mais emotivas e se manifestam mais livremente sobre seus sentimentos. É comum nas estações de ônibus as cenas de choros, tanto dos que embarcam, quanto dos que ficam.  Os motoristas, sempre atrasados, coitados,  precisam apressar os chorões "Vambora, minha gente,  se não ninguém sai daqui hoje".  Na Europa, só me lembro de ter visto uma única cena assim, quando embarquei num trem na Holanda para ir à Dinamarca. Na mesma cabine que eu, estava uma senhora muçulmana e seu filho, ambos chorando copiosamente, enquanto do outro lado da janela de vidro, na plataforma da estação de Rotterdam, um homem também se comovia às lágrimas. Eu sei que eram muçulmanos pelas vestimentas da mulher, mas, árabes não eram. Pareciam eslavos, talvez alguma família imigrante daquelas antigas repúblicas asiáticas que formavam a União Soviética, podiam ser da Tchechênia, por exemplo, ou de qualquer país tão miserável que era melhor encarar o preconceito na Europa.



Na mesma cabine estava também um senhor de idade. Chamou-me a atenção, por que ele não tirava os olhos da Bíblia, com  a particularidade de que a dita cuja estava  escrita em português. Quando cruzamos a fronteira alemã, um oficial pediu os passaportes de todos os passageiros da cabine. O velhinho não entendia o que lhe pediam, que lhe tentavam explicar em alemão, inglês e até francês. Eu achei que poderia  ajudar e disse-lhe em bom e claro português: "Eles querem ver seu passaporte, senhor."   Ele imediatamente enfiou a mão no casaco e tirou o documento, passando-o ao guarda. Então, começamos a conversar. Contou-me que era português, mas havia se casado e morado em Vitória da Conquista, Bahia, até sua esposa falecer. Lá, converteu-se a uma dessas igrejas protestantes pentecostais e iniciou-se como pastor. Ficando viúvo, voltou a Portugal e entregou-se ao trabalho de espalhar sua fé, atuando em toda a Europa. Eu lhe perguntei como fazia para pregar, que língua falava. Ele respondeu "a única que sei, ora bolas, o português" 




--- Mas, como o senhor se fazia entender na Holanda, falando português?, e como vai fazer  agora, na Dinamarca? E ele respondeu com a maior tranquilidade: "Deus sempre providencia um tradutor. Não arrumou-me alguém como tu, agorinha mesmo?"      Quando chegamos na estação principal de Colônia, eu levantei-me e lhe disse: "Vamos, aqui temos que trocar de trem".  Como bom português, o homem era também meio cismadoEle me respondeu que não, "não vou sair daqui de jeito nenhum, por que ninguém me disse que tinha que fazer isso".   Então, eu olhei bem sério para ele e expliquei com calma, porém ameaçador, dizendo que se ficasse no trem, iria parar em Berlim, e talvez lá Deus não fosse complacente com ele de novo, de modo a lhe arranjar outro tradutor, uma vez que já tinha feito esse milagre para o dia de hoje.  Ele pensou por um instante e resolveu me acompanhar, por via das dúvidas, pois vá que Deus só conceda mesmo um milagre por dia... 

Ficamos duas horas na estação,  para aguardar  a chegada de nossa conexão. Enquanto caminhava com ele pelo saguão, pensei sair para tomar uma cerveja alemã, mas, desisti, em solidariedade a seu modo de ser. Então, convidei-o para um lanche, que ele aceitou imediatamente, com uma ressalva: "Eu somente posso devolver-te o dinheiro da despesa quando chegarmos à Dinamarca, assim que o pastor local for pegar-me na estação".  

Não tinha no bolso um puto centavo, que pudesse trocar por marco alemão. 



É noite de São João




Nos últimos vinte dias, passei mais de 100 horas dentro de ônibus viajando ou andando em cidades de Alagoas, Sergipe e Bahia. Esta é uma maneira interessante e barata de entrar em contato verdadeiro com o povo, sua cultura, seus modos de viver e falar. Eram basicamente pessoas simples e pobres, tanto que andavam de ônibus. O comportamento dos passageiros, por aqui, é completamente diferente de todas as demais regiões do Brasil. Estabelecem-se várias conversas e ambientes variados dentro do coletivo, com conversas altas e acaloradas, onde as pessoas não têm medo de se mostrarem, falando abertamente de seus problemas, suas experiências pessoais, ou dando conselhos e analisando os problemas dos demais. É uma verdadeira terapia em grupo.

Num coletivo no centro de Maceió, o sujeito do lado sintonizou seu celular e começou a tocar um antigo sucesso de Fagner, que foi tema de novela, "... e se teu amigo vento não te procurar, é por que multidões ele foi arrastar."  Cantarolava junto com a música e tocava meu ombro "veja que maravilha".  Eu criei coragem e comecei a cantar junto. Parece que a ninguém aquilo pareceu extravagante ou  se incomodou com o fato. Depois ele passou para uma canção totalmente brega, que eu nunca tinha ouvido antes, mas, nessa altura vi que já tinha chegado meu ponto de desembarcar, eu disse "valeu cara, muito bom seu gosto musical" e ele ficou sorrindo, todo satisfeito, perguntando "Conhece Fortaleza?"  Tenho a impressão de que poderíamos continuar aquilo por horas e eu não sabia no que ia dar, portanto, achei mesmo melhor desembarcar.

Lua cheia sobre o Rio São Francisco, em época de seca.


Num ambiente cultural desses, o São João só teria que ser diferente, primeiro por  que começa ainda em maio e segue julho adentro. A estas últimas manifestações, nós do sul costumamos chamar de festas julinas, o que é totalmente incorreto, pois continuam a fazer parte do ciclo de festas rurais juninas, que festejam o início do plantio e agradecem pela colheita anterior. Aqui no nordeste é tudo São João, não importa a data em que se realizem. Além disso, coincidem com a época de chuvas, o que sempre é uma alegria para o povo pobre do interior. Cada cidade anuncia com grande entusiasmo uma ou várias festas oficiais, para as quais convidam artistas de todo tipo. Fora as festas familiares ou de grandes empresas. Os grandes ídolos vagueiam pelas cidades mais ricas e os mais simples têm sua oportunidade de se firmarem como artistas populares. Tem pra todo mundo, mesmo para bandas que em outras épocas do ano se dediquem a outros gêneros, como a Chiclete com Banana, por exemplo. Só tem que cantar forró, sendo isso, vale tudo! 

Ao passear por essas paragens, percebi a importância do Gonzagão. Eu sabia que ele era admirado no nordeste, mas, não que fosse ainda tratado como um deus. É impressionante a adoração que o povo tem por esse mito sertanejo. Todas as bandas, inclusive as de música brega nordestina, tipo Calcinha Preta, estão a serviço dos cem anos do homem. Tenho notado que o Gonzagão continua sendo o rei do baião, mas, percebo também a popularidade de outro cantor, que eu julgava acabado. Fagner. Eu tenho um amigo argentino, que vive de ensinar música, além de ser produtor de espetáculos de tango, regente de coros universitários e grande cantor de ópera. Eu lhe mostrei o disco que Fagner gravou na Andaluzia, Espanha, no início da carreira. Ele ficou impressionado:"Esto és una maravilla". Para os nordestinos em geral, continua sendo.