Quando servi ao exército brasileiro na posição de recruta, algumas vezes entrei na sala do capitão de minha companhia. Ali existia um quadro com a figura do Che Guevara, a foto famosa com a boina de guerrilheiro. Nesta foto estavam pregados vários alfinetes vermelhos, que aumentavam em volume na medida em que as forças da repressão eliminavam mais um guerrilheiro, ou suspeito de ser guerrilheiro. O Capitão era um sujeito moreno, bigodudo, duro, implacável, disciplinador, enfim, tudo que se espera de um oficial do exército em tempos de ditadura militar. Ainda mais que em nosso quartel funcionava clandestinamente o centro de torturas comandado pelo DOI-CODI, de triste memória. Ali morreram muitos prisioneiros, debaixo das mais bárbaras práticas de interrogatório, ensinadas pela CIA norte americana. Culpados ou inocentes, não sei. Mas, vi famílias inteiras sendo torturadas, apenas por que um filho ou sobrinho ou mesmo agregado adotado tinha entrado para a guerrilha. A busca por informação valia tudo e nada estava proibido ao regime. Curioso que o comandante do quartel, um coronel ultra conservador e da elite do exército, morador de Ipanema, fazia discursos diários na formatura, lamentando a forma como os agentes do órgão repressor se vestiam, cabelos compridos, roupas descoladas de hippies, e pior, frequentando o cassino e restaurante dos oficiais fardados. Essa era sua grande questão ética. O que se passava nos muros do presídio interno do quartel, isso o nosso coronel fazia questão de ignorar.
Naquela época, o simples fato de divulgar para jornais estrangeiros informações relevantes sobre as torturas, era considerado crime que devia ser punido com tortura muito pior. Assim foi que conheci algumas aeromoças da Varig, que foram descobertas levando material de denúncia para a Europa. Foram consideradas de alta periculosidade, presas, torturadas e mantidas em cárcere do estado por vários anos, até serem condenadas formalmente e libertadas, por que já tinham cumprido as penas com muito mais pena do que a sentença do juiz militar previa.
Os militantes que hoje atuam no PT, pelo menos os mais velhos, foram vítimas preferenciais do DOI-CODI. Os torturadores não davam muita importância para o PCB, que consideravam apenas uns velhotes soviéticos burocráticos. O que lhes importava eram os novos idealizadores da revolução socialista, entre eles figuras como José Dirceu e José Genuíno, que pregavam a luta armada.
Agora, estas figuras, associadas com o embaixador cubano no Brasil, tentam evitar que a blogueira Yoani Sanches conte sua história e mostre seu filme, retratando a repressão de uma outra ditadura militar, esta muito mais atual, no caso, a ditadura militar de Cuba. E para isso usam recursos do estado brasileiro, como funcionários de confiança da presidência da república, polícia política infiltrada nas manifestações de rua, militantes que desencadeiam brigas e agressões profissionais, enfim, um conjunto de ferramentas absolutamente anti-democráticas, apenas para evitar que um regime autoritário amigo seja colocado no alvo midiático. Exatamente o que os militares brasileiros fizeram quando o Brasil foi visitado por ninguém menos que o ditador Augusto Pinochet, preservado oficialmente como legítimo estadista chileno, coisa que ele nunca foi, pois não passava de um sanguinário fascista que tomou o poder à força em seu país.
Dá pena ver este esforço petista para tapar o sol com a peneira.
Em 1995 eu visitei Cuba pela primeira vez, quando os vôos se abriram, por conta dos novos ares inaugurados pelo novo presidente da república eleito, contra o qual eu combati aguerridamente na campanha eleitoral. Em Havana, um ponto de passagem obrigatório é o bar La Bodeguita del Medio, onde vários intelectuais importantes passaram bons tempos de suas vidas. Pois ali, nas paredes famosas, havia um cartaz que dizia: "Lula é nosso amigo. Mas, FHC não é nosso inimigo". Pelo jeito, os tempos mudaram.
Estávamos num grupo de esquerdistas latino americanos, muitos dos quais militantes petistas, entre eles alguns assessores da prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. Fomos em viagem de lazer e estudos, no meu caso, pago com meu próprio dinheiro. Vimos muitas coisas maravilhosas e outras nem tanto. Numa das cenas, estamos na praia de Varadero, um paraíso caribenho, bebendo num bar sobre a areia. O filho de uma companheira chilena tinha arrumado uma namoradinha cubana e com ela se dirigia para um canto escuro da praia. Neste momento, um homem em trajes civis lhes interrompeu o caminho e disse: "Meu jovem, nós estamos encarregados da sua segurança. No entanto, se você prosseguir em sua intenção de levar esta moça para a escuridão da praia, para fazer o que presumimos seria algo muito pessoal, nós temos a obrigação de alertá-lo de que nossa atenção sobre o senhor estará suspensa, até que voltem para o claro. O senhor está consciente disso?"
Nos edifícios que circundavam a orla, agentes disfarçados se escondiam com suas câmeras de video tape, a cada vez que apontávamos nossas câmeras fotográficas para o alto.
Nos edifícios que circundavam a orla, agentes disfarçados se escondiam com suas câmeras de video tape, a cada vez que apontávamos nossas câmeras fotográficas para o alto.
Para que serve esta estorinha? Apenas para mostrar que o verdadeiro Big Brother não é o da Rede Bobo.