sábado, 19 de setembro de 2015

LUGARES IMPROVÁVEIS - Piratuba


Centro de eventos

Em Piratuba neste momento, 14 horas de uma tarde de setembro de 2015, faz trinta graus, com umidade relativa do ar em 55%. Vento nordeste a 18 km/h. Tudo indicaria que estivéssemos em alguma cidade do nordeste brasileiro, talvez Ceará ou Rio Grande do Norte, devido ao vento quente agradável, mas, na realidade estamos na fronteira entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a uns 200 km à oeste de Lages (SC), 47 km a leste de Concórdia, 90 km ao norte de Erechim (RS) e 195 km ao sul de Caçador (SC).  À uns 15 km do balneário termal de Piratuba, perto da Hidrelétrica de Machadinho, o Rio do Peixe deságua no Rio Uruguai e segue seu destino para formar o Rio de La Plata, que banha as costas de Buenos Aires e Montevideo. Um pouco antes, cavando seu caminho a partir do planalto norte através de Caçador, Joaçaba e Capinzal, o Rio do Peixe foi testemunha de uma das mais cruéis matanças de caboclos já vista em território brasileiro, ocorrida entre os anos de 1912 e 1916 nesta região, que forma o chamado Vale do Contestado.



Fotos publicadas em artigo no Cangablog


Esta guerra se chamou "do Contestado" em razão da revolta da população cabocla da região, que contestava a doação feita pelo governo brasileiro das terras que estivessem num raio de 18 km nos dois lados do traçado da estrada ferroviária que iria ligar São Paulo ao Rio Grande do Sul, outorgada para ser construída pela empresa norte americana Southern Brasil Lumber, cujo advogado era o brasileiro Rui Barbosa, que pelo visto, além de ser coroado como Água de Haia, também tinha olhos afiados para bons negócios, sem se importar muito com o fator nacionalista ou mesmo ético. O ilustre causídico, além das terras na posse dos caboclos, negociou também pagamento em dinheiro pelos serviços, equipamentos e pessoal do consórcio estrangeiro.  Mas, a construção da ferrovia, como se poderia imaginar, não era o negócio principal dos norte americanos. 


Fotos publicadas em artigo no Cangablog

Pelo negócio da desapropriação das matas virgens, já dá para perceber que eles estavam mais interessados em cortar pinheiros, a maioria deles de existência multi centenária, serrá-los in loco e exportá-los na forma de madeira para os Estados Unidos e Europa. Segundo o jornalista Sergio Rubim, de Florianópolis,  estudioso do assunto, os norte americanos serraram aproximadamente dois milhões de pinheiros, além de uma quantidade não sabida de imbuias, cedros e outras árvores nobres. Para esta tarefa que acabou com as florestas da região, os norte americanos montaram algumas das serrarias mais modernas do mundo, inclusive uma delas, na fronteira com o Paraná, foi considerada a segunda maior das Américas. A operação dos equipamentos era feita por especialistas trazidos dos Estados Unidos. As toras eram transportadas nos próprios trilhos da estrada de ferro e, para levá-las ao porto de São Francisco do Sul, a companhia construiu previamente um  ramal próprio, atendendo interesses do Estado de Santa Catarina, que tinha por objetivo o transporte da erva mate a partir da região de Porto União. Assim, juntou-se o útil ao agradável. 

Ao longo dos quatro anos de batalhas entre rudes caboclos armados de facões contra o exército brasileiro, morreram cerca de vinte mil civis e entre 1 e 2 mil militares. Os norte americanos contaram com o apoio decisivo das autoridades federais, catarinenses e paranaenses, além das forças militares do exército brasileiro e das polícias estaduais. 


AVIÃO DE COMBATE DA POLÍCIA DO PARANÁ
Utilizado como arma de bombardeio na Guerra do Contestado
(foto publicadas em artigo no Cangablog)


Nesta guerra, pela primeira vez no mundo se utilizaram aviões como arma de guerra, razão que teria levado Santos Dumont ao suicídio. “A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança”, disse Matos Costa, um oficial do exército brasileiro que atuou no conflito.  


casa levantada em madeira de pinho pelos primeiros colonizadores 

Piratuba ficou de fora dessa tragédia, por que aqui não existia nada nessa época. Em 1910 a construtora da estrada de ferro montou um acampamento de obra, a que chamou Vila do Rio do Peixe, núcleo em torno do qual foram se agregando famílias de imigrantes alemães e italianos, até que em 1949 a vila foi elevada à categoria de município, passando a receber a denominação tupi-guarani Pira (peixe) e Tuba (fartura).  A grande virada na história de Piratuba aconteceu em 1964, quando a Petrobrás, pesquisando petróleo nas margens do Rio do Peixe, aqui perfurou um poço que atingiu 2.271m. Não achou petróleo, mas um lençol de águas sulfurosas a 674 metros de profundidade, em torno do qual surgiu o Balneário de Águas Termais e junto com ele o turismo. 


Hotel Germânia

As águas termo minerais de Piratuba são parecidas com as da estância de Poços de Caldas (MG), pois, além de sulfúrica é alcalina, bicarbonatada e fluoretada. Na origem subterrânea ela alcança 56 graus centígrados, aflorando na superfície por volta dos 38 graus. É considerada medicinal, especialmente para a recuperação das funções hepáticas. Também é altamente recomendada para tratamento do estômago e dos rins. 


Piscina termal coberta

Quando visitei Piratuba pela primeira vez, em 1992, o parque balneário ficava "longe" do centro da cidade, uns tres quilômetros distante, rota sobre a qual quase nada existia. O núcleo urbano era bem delimitado em torno da estrada que liga a região do Rio do Peixe até Concórdia (SC) e o Rio Grande do Sul. Ali existe uma bela ponte que cruza o rio,  e nas proximidades dela se desenvolveu vagarosamente o centro urbano nas décadas do século XX. Agora, por ocasião desta visita em setembro de 2015, fiquei agradavelmente surpreendido com o desenvolvimento  do turismo em torno do Balneário. O centro urbano, pode-se dizer que se transferiu para este lado da cidade. Além dos hotéis, que disponibilizam aproximadamente 3 mil leitos, verifiquei a existência de excelentes restaurantes, clínicas especializadas, centros de medicina alternativa, grande quantidade e variedade de estabelecimentos para prestação de serviços, comerciais, bancários, etc. 

Outra coisa que me chamou a atenção foi a construção de edifícios residenciais de alto padrão, destinados a novos moradores possivelmente de alta renda, que para cá se mudam em busca de tranquilidade, saúde e segurança. Ao contrário do que tenho observado em minha região do sul da Ilha de Santa Catarina, as construções aqui não foram interrompidas por causa da crise econômica. Pelo menos por enquanto, toc, toc, toc ...


Tres mil leitos para hóspedes se concentram no entorno do Parque Termal de Piratuba. São hotéis de padrão bem melhor que a média mundial, todos muito bem equipados, inclusive com salão de baile. Estes hotéis são ocupados principalmente por excursões de grupos da assim chamada "terceira idade". Mais mulheres que homens, como costuma ser a regra nesta fase da vida. Os homens se vão cedo, para a eternidade ou para o chinelo caseiro, e as esposas ficam viúvas literalmente de maridos mortos, mas, também de maridos vivos. Aquelas que podem, saem a viajar e se divertir. Principalmente com outras companheiras, mas, sempre de olho numa oportunidade de formar par, nem que seja para a próxima dança.


Compreendendo essa demanda, os hotéis tratam de atendê-las. Praticamente em todos os estabelecimentos no entorno do Parque se realizam bailes diários que começam às 9 da noite e deveriam terminar às 11. Noventa por cento deles animados por pequenas bandas de música gaúcha. Algumas, exageram no barulho e, se algum velhinho mais calmo quiser dormir, vai ser impossível. A noite se transforma numa promessa, provavelmente frustrada, por que faltam pares para as senhoras. Tenho pena dos garçons e dos músicos da "noite piratubense".
O público que frequenta Piratuba é basicamente gauchesco. Do próprio Rio Grande do Sul ou do oeste de Santa Catarina. São poucos clientes do litoral catarinense ou de Porto Alegre. Do resto do Brasil, então, raridade. Surpreendentemente, havia uma excursão de Posadas, Argentina. Este povo possui duas características marcantes, além da alegria e do bom humor: o gosto por churrasco e a forte orientação religiosa. Essa demanda também é suprida pelos restaurantes dos hotéis, verdadeiras churrascarias, assim como pelo comércio religioso. Esta realidade se pode ver nas frases entalhadas em madeira, expostas na calçada de um artesão: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor", "Baita churrasqueiro, tchê", e coisas do gênero. Não é à toa que Piratuba tem uma enorme profusão de igrejas católicas e protestantes, principalmente estas que fazem o novo marketing religioso, padres cantores e ministérios temáticos. O "Ministério Miami" da igreja Assembléia de Deus renovada, este eu confesso que nunca tinha visto.






  

Nenhum comentário:

Postar um comentário