quinta-feira, 7 de junho de 2012

Como entender pessoas, sem falar suas línguas

Noite Estrelada, obra prima de um sujeito incompreendido no seu tempo



Eu gostaria de ser poliglota, para poder falar e entender pessoas de diversas partes do mundo. No entanto, às vêzes não é necessário falar outra lingua, pois existe algo universal, que é a  linguagem  da emoção humana. Aqui no Nordeste, por exemplo, as pessoas são muito mais emotivas e se manifestam mais livremente sobre seus sentimentos. É comum nas estações de ônibus as cenas de choros, tanto dos que embarcam, quanto dos que ficam.  Os motoristas, sempre atrasados, coitados,  precisam apressar os chorões "Vambora, minha gente,  se não ninguém sai daqui hoje".  Na Europa, só me lembro de ter visto uma única cena assim, quando embarquei num trem na Holanda para ir à Dinamarca. Na mesma cabine que eu, estava uma senhora muçulmana e seu filho, ambos chorando copiosamente, enquanto do outro lado da janela de vidro, na plataforma da estação de Rotterdam, um homem também se comovia às lágrimas. Eu sei que eram muçulmanos pelas vestimentas da mulher, mas, árabes não eram. Pareciam eslavos, talvez alguma família imigrante daquelas antigas repúblicas asiáticas que formavam a União Soviética, podiam ser da Tchechênia, por exemplo, ou de qualquer país tão miserável que era melhor encarar o preconceito na Europa.



Na mesma cabine estava também um senhor de idade. Chamou-me a atenção, por que ele não tirava os olhos da Bíblia, com  a particularidade de que a dita cuja estava  escrita em português. Quando cruzamos a fronteira alemã, um oficial pediu os passaportes de todos os passageiros da cabine. O velhinho não entendia o que lhe pediam, que lhe tentavam explicar em alemão, inglês e até francês. Eu achei que poderia  ajudar e disse-lhe em bom e claro português: "Eles querem ver seu passaporte, senhor."   Ele imediatamente enfiou a mão no casaco e tirou o documento, passando-o ao guarda. Então, começamos a conversar. Contou-me que era português, mas havia se casado e morado em Vitória da Conquista, Bahia, até sua esposa falecer. Lá, converteu-se a uma dessas igrejas protestantes pentecostais e iniciou-se como pastor. Ficando viúvo, voltou a Portugal e entregou-se ao trabalho de espalhar sua fé, atuando em toda a Europa. Eu lhe perguntei como fazia para pregar, que língua falava. Ele respondeu "a única que sei, ora bolas, o português" 




--- Mas, como o senhor se fazia entender na Holanda, falando português?, e como vai fazer  agora, na Dinamarca? E ele respondeu com a maior tranquilidade: "Deus sempre providencia um tradutor. Não arrumou-me alguém como tu, agorinha mesmo?"      Quando chegamos na estação principal de Colônia, eu levantei-me e lhe disse: "Vamos, aqui temos que trocar de trem".  Como bom português, o homem era também meio cismadoEle me respondeu que não, "não vou sair daqui de jeito nenhum, por que ninguém me disse que tinha que fazer isso".   Então, eu olhei bem sério para ele e expliquei com calma, porém ameaçador, dizendo que se ficasse no trem, iria parar em Berlim, e talvez lá Deus não fosse complacente com ele de novo, de modo a lhe arranjar outro tradutor, uma vez que já tinha feito esse milagre para o dia de hoje.  Ele pensou por um instante e resolveu me acompanhar, por via das dúvidas, pois vá que Deus só conceda mesmo um milagre por dia... 

Ficamos duas horas na estação,  para aguardar  a chegada de nossa conexão. Enquanto caminhava com ele pelo saguão, pensei sair para tomar uma cerveja alemã, mas, desisti, em solidariedade a seu modo de ser. Então, convidei-o para um lanche, que ele aceitou imediatamente, com uma ressalva: "Eu somente posso devolver-te o dinheiro da despesa quando chegarmos à Dinamarca, assim que o pastor local for pegar-me na estação".  

Não tinha no bolso um puto centavo, que pudesse trocar por marco alemão. 



Um comentário:

  1. Querida Greyce,
    Sim, é Van Gogh, pintado quando ele estava em Arles, sul da França. Eu estive lá num verão e fiz questão de ir de madrugada à beira do Rio Rhone, apenas para compartilhar pelo menos o mesmo visual. Dezenas de pessoas fazem isso, inclusive muitos pintores. Lá, assisti uma esposição de quadros chamada O Casamento de Vincent, onde um fan do pintor holandês mostrava seus quadros sobre um suposto e virtual casamento de Van Gogh, algo que realmente nunca aconteceu, por que ele morreu aos 32 anos de idade sem nunca ter tido uma namorada. Só prostitutas, sendo que por uma delas, que dividia com o também pintor Gauguin ele veio a cortar a orelha, como mostrou no famoso auto retrato.
    A história do velho português serve para mostrar que a fé remove montanhas.

    Grande abraço,
    LAÉRCIO

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