Passou a chuva. Depois de uma semanada inteira com dias
frios e úmidos, com máximas de 23 graus (inaceitáveis para os friorentos cariocas), finalmente abre um domingo glorioso. A luminosidade chega a turvar
a minha vista, enquanto caminho por Copacabana, “sem lenço nem documento” e apenas para exercitar a minha velha ótima
sartreana, como cantou o Vitor Ramil numa outra antiga canção.
Agora são 13 horas deste domingo ensolarado. As duas bocas
de metrô existentes no bairro despejam multidões em direção à orla. Gentes dos
morros distantes não creio, pois o tícket de ida e volta custa quase cinco
reais por pessoa. Lindas suburbanas, famílias inteiras, adolescentes
alvoroçados, todos em trajes de praia.
Há uma sensação de alegria e uma energia boa no ar, ainda que tenhamos de fazer
algum esforço para não ver o povo das ruas, na figura de suas crianças
drogadas, velhos doentes, os esmoleiros de sempre, os bandidos atentos ao nosso
caminhar. E eu de olho neles, nos bandidos
e nos suburbanos.
Estrangeiros há, muitos estrangeiros. Claro que estes não
saíram do metrô, ora bolas, pois estão hospedados nas centenas de hotéis
próximos. O café da manhã no meu hotel é uma festa poliglota. Hoje consegui
identificar inglês, espanhol, francês, alemão, japoneses e uma língua estranha
de umas pessoas muito altas e muito brancas (russos?, poloneses? suecos?). Evidentemente o inglês reina absoluto, mas,
gostei de ver uma animada guia carioca adentrar ao ambiente e saudar seus
clientes com um alto e alegre: “Mira,
que guapos que están, como fué la noche ?”. Parece que foi bom. Estes estrangeiros são o motor desta economia
copacabanense e, por causa deles, tudo aqui é pela hora da morte. Os
restaurantes a quilo mais baratos estão na casa dos 40 reais, o chopp varia de 3,40 a 6,50, uma dose de
vodka nacional sai por 10 reais, e por aí vai. Claro que eu não sei o preço do
alface nem da cebola, tá certo ?
Assim funciona esta cidade símbolo do Brasil, ostentando seu
esplendor e sua miséria convivendo lado a lado. Aqui você tem à sua disposição,
ao mesmo tempo, tesão e terror, felicidade e desgraça, arte e barbárie,
beleza e horror, céu e inferno. São 6 milhões de habitantes só no município do
Rio de Janeiro, mais de 1 milhão só em Copacabana, um bairro do tamanho de
Coqueiros em Floripa (6 km
por 1). Eu acredito que na maioria das cidades, este cenário produziria
inevitavelmente o caos social, mas, aqui os espaços que ficam entre os
extremos, ou seja, o espaço público e socializado das ruas, este é preenchido
pelo bom humor e simpatia do carioca médio, por essa alegria básica que suporta
todo o conjunto dos contrastes. Eu já vi
outros povos com esta energia básica, mas, jamais vi relatos deste fenômeno sobreviver
em situações de guerra civil declarada, como a que vivemos no Rio de Janeiro.
Semana passada foi mais um arrastão no túnel Rebouças, uma via rápida que liga
a zona norte (pobre) à zona sul (rica). Assaltantes vindos dos morros próximos
(e são vários) simulam blitzes da polícia e param os carros dentro do túnel,
para assaltá-los. É um deus nos acuda, pois, os carros que estão atrás tentam
fugir dando ré, já pensaram ? E tudo
isto na cara da polícia, que está ali, em dois postos instalados em ambas as
entradas do túnel, pode?
Também está nas páginas principais da mídia o eterno
conflito entre traficantes do Vidigal e da Rocinha, com a consequente ocupação
militar das comunidades. Quando isto acontece, fecham-se todas as ligações da
zona sul com a zona oeste, onde estão bairros emergentes e ricos como Barra da
Tijuca e Jacarepaguá. O que realmente não dá pra entender são as razões das
autoridades para ocupar militarmente os morros, pois já li não sei onde que, se
quizesse, a polícia teria o mapa do tráfico num monitor de computador, ligado
aos satélites e sistemas de geo-processamento, de modo que poderiam monitorar
tudo o que acontece nesses morros e, assim, intervir eficaz e pontualmente
apenas nos pontos de vendas de drogas e quartéis-generais do tráfico. Não foi
por acaso que o profeta Renato Russo falou que o chefão do tráfico é um
“general de dez estrelas” e que “fica atrás da mesa”, heim? Não me comprometam, que eu não sei de
nada.
Mas, há quem saiba!
Aqui, bem pertinho do meu hotel, existe uma tal Ladeira Tabajara, onde
uma velhinha de seus 80 anos passou os últimos dois filmando as bocas de fumo
nos morros defronte seu apartamento. Quando revelou à imprensa o produto de seu
exótico roteiro cinematográfico, apareceu de tudo: negócios no varejo e no
atacado, artistas e figurões frequentando os pontos de distribuição e policiais
atuando diretamente nos negócios. A coisa está um pouco obscura e eu não
costumo acompanhar o noticiário, mas, parece que a velhinha está se dando mal.
Quem mandou se meter, né não ?
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