terça-feira, 25 de junho de 2013

Copacabana me engana



 
 
Passou a chuva. Depois de uma semanada inteira com dias frios e úmidos, com máximas de 23 graus (inaceitáveis para os friorentos cariocas), finalmente abre um domingo glorioso. A luminosidade chega a turvar a minha vista, enquanto caminho por Copacabana,  “sem lenço nem documento” e apenas para exercitar a minha velha ótima sartreana, como cantou o Vitor Ramil numa outra antiga canção.  

Agora são 13 horas deste domingo ensolarado. As duas bocas de metrô existentes no bairro despejam multidões em direção à orla. Gentes dos morros distantes não creio, pois o tícket de ida e volta custa quase cinco reais por pessoa. Lindas suburbanas, famílias inteiras, adolescentes alvoroçados,  todos em trajes de praia. Há uma sensação de alegria e uma energia boa no ar, ainda que tenhamos de fazer algum esforço para não ver o povo das ruas, na figura de suas crianças drogadas, velhos doentes, os esmoleiros de sempre, os bandidos atentos ao nosso caminhar.  E eu de olho neles, nos bandidos e nos suburbanos.

Estrangeiros há, muitos estrangeiros. Claro que estes não saíram do metrô, ora bolas, pois estão hospedados nas centenas de hotéis próximos. O café da manhã no meu hotel é uma festa poliglota. Hoje consegui identificar inglês, espanhol, francês, alemão, japoneses e uma língua estranha de umas pessoas muito altas e muito brancas (russos?, poloneses? suecos?).  Evidentemente o inglês reina absoluto, mas, gostei de ver uma animada guia carioca adentrar ao ambiente e saudar seus clientes com um alto e alegre:  “Mira, que guapos que están, como fué la noche ?”. Parece que foi bom.  Estes estrangeiros são o motor desta economia copacabanense e, por causa deles, tudo aqui é pela hora da morte. Os restaurantes a quilo mais baratos estão na casa dos 40 reais, o chopp varia de 3,40 a 6,50, uma dose de vodka nacional sai por 10 reais, e por aí vai. Claro que eu não sei o preço do alface nem da cebola, tá certo ?

Assim funciona esta cidade símbolo do Brasil, ostentando seu esplendor e sua miséria convivendo lado a lado. Aqui você tem à sua disposição, ao mesmo tempo,  tesão e terror,  felicidade e desgraça, arte e barbárie, beleza e horror, céu e inferno. São 6 milhões de habitantes só no município do Rio de Janeiro, mais de 1 milhão só em Copacabana, um bairro do tamanho de Coqueiros em Floripa (6 km por 1). Eu acredito que na maioria das cidades, este cenário produziria inevitavelmente o caos social, mas, aqui os espaços que ficam entre os extremos, ou seja, o espaço público e socializado das ruas, este é preenchido pelo bom humor e simpatia do carioca médio, por essa alegria básica que suporta todo o conjunto dos contrastes.  Eu já vi outros povos com esta energia básica, mas, jamais vi relatos deste fenômeno sobreviver em situações de guerra civil declarada, como a que vivemos no Rio de Janeiro. Semana passada foi mais um arrastão no túnel Rebouças, uma via rápida que liga a zona norte (pobre) à zona sul (rica). Assaltantes vindos dos morros próximos (e são vários) simulam blitzes da polícia e param os carros dentro do túnel, para assaltá-los. É um deus nos acuda, pois, os carros que estão atrás tentam fugir dando ré, já pensaram ?  E tudo isto na cara da polícia, que está ali, em dois postos instalados em ambas as entradas do túnel, pode? 

Também está nas páginas principais da mídia o eterno conflito entre traficantes do Vidigal e da Rocinha, com a consequente ocupação militar das comunidades. Quando isto acontece, fecham-se todas as ligações da zona sul com a zona oeste, onde estão bairros emergentes e ricos como Barra da Tijuca e Jacarepaguá. O que realmente não dá pra entender são as razões das autoridades para ocupar militarmente os morros, pois já li não sei onde que, se quizesse, a polícia teria o mapa do tráfico num monitor de computador, ligado aos satélites e sistemas de geo-processamento, de modo que poderiam monitorar tudo o que acontece nesses morros e, assim, intervir eficaz e pontualmente apenas nos pontos de vendas de drogas e quartéis-generais do tráfico. Não foi por acaso que o profeta Renato Russo falou que o chefão do tráfico é um “general de dez estrelas” e que “fica atrás da mesa”, heim?  Não me comprometam, que eu não sei de nada. 

Mas, há quem saiba!  Aqui, bem pertinho do meu hotel, existe uma tal Ladeira Tabajara, onde uma velhinha de seus 80 anos passou os últimos dois filmando as bocas de fumo nos morros defronte seu apartamento. Quando revelou à imprensa o produto de seu exótico roteiro cinematográfico, apareceu de tudo: negócios no varejo e no atacado, artistas e figurões frequentando os pontos de distribuição e policiais atuando diretamente nos negócios. A coisa está um pouco obscura e eu não costumo acompanhar o noticiário, mas, parece que a velhinha está se dando mal. Quem mandou se meter, né não ?


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