Rio Branco é a mais bela cidade da Amazônia brasileira. Extremamente violenta, como todas as demais. |
Um caboclo de mais ou menos vinte anos de idade me olha com seu jeito raivoso no centro de Rio Branco. Está de olho na minha câmera fotográfica e possivelmente me imaginando como turista endinheirado. Está prestes a me atacar. Seu olhar demonstra uma enorme e insaciável raiva. Parece dizer que sou eu o responsável pela sua carência total, de dinheiro, de saúde, de amor e provavelmente de comida. Não é o primeiro olhar desta natureza que encontro pela Amazônia afora, nas diversas vezes que estive por aqui. É o mesmo olhar duro, desconfiado, sorrateiro e envenenado, observado muitas vezes em Belém, Manaus, no Maranhão, em Rondônia e agora aqui, no Acre. Eu entro no escritório do serviço de informações turísticas, com medo do olhar ameaçador nesta manhã ensolarada debaixo dos trinta graus de sempre, como todas as manhãs do ano. A chuva refrescante virá, como vem todos os dias, mas, quase sempre depois das tres da tarde. Por enquanto, é apreciar este calor e esta natureza marcada pelas contradições mais violentas, entre a sensualidade gritante das moças pelas ruas, combinando com a exótica natureza embriagada de cheiros e promessas, enquanto paira no mesmo ar a ameaça de um assalto a qualquer hora. Como vêem, é bem variada a experiência de andar pela Amazônia.
A religiosidade cristã se mistura com os ritos nativos ancestrais. O barulho feito pelos pregadores evangélicos não combina com o chá alucinógeno servido em reuniões secretas da União do Vegetal e outras seitas amazônicas, de um misticismo profundo e arraigado nas tradições dos cultos indígenas, quase sempre focado nas forças da natureza. No meio das procissões católicas, assim como nas igrejas concorrentes, a alegria das pessoas tem evidente energia sexual. As pessoas e o ambiente amazônico respiram sexo o tempo todo. São os casais de mocinhas e rapazes pré adolescentes se amassando pelos cantos, atrás de árvores e por sobre os bancos das praças. Mulheres maduras e encantadoras na sua doce sensualidade, te encarando pra valer, quase convidando para o amor, mesmo que você esteja já acompanhado. Certa vez, em Manaus, sentou-se a meu lado no banco do ônibus uma linda cabocla no esplendor de seus vinte e cinco anos. Estávamos indo em viagem para Manacapuru num sábado de manhã, eu de turista e ela em visita aos parentes. Começou a reclamar do frio do ar condicionado, esfregando seus lindos ombros desnudos, aos quais eu me ofereci para aquecer com minhas mãos massageadoras, oferta imediatamente aceita e respondida com um sonoro e não pedido beijo de língua. Ficamos nos acariciando pela estrada afora, a coisa ficando mais quente na medida que esfriava o ar condicionado. Desci na estação rodoviária num estado sufocante, já certo de que nosso passo seguinte seria a entrada imediata num apropriado hotel, quando a moça se despediu com um beijinho no rosto. "Como assim? Ora, sua mãe pode esperar algumas horas", reclamei meus direitos, mas, não teve jeito. A moça queria chegar logo em casa e me deixou na mão, sem mais nem menos. Não deu sequer telefone ou endereço, dizendo que me procuraria em meu hotel de Manaus, fato que realmente não aconteceu pelos tres meses seguintes em que estive naquela metrópole tropical.
Assim são as mulheres amazônicas e assim é que exercem sua sedução diabólica e irresponsável. Trabalhando na empresa de energia elétrica local eu vi coisas do arco da velha, envolvendo mocinhas bonitinhas, de classe média e bem casadas, mães de família com filhos pequenos e amantes bem grandinhos. Estes habitantes das florestas de pedras das cidades grandes da Amazônia têm um jeito muito próprio no estabelecimento de regras de condutas sociais, incluindo procedimentos muito estranhos para nós forasteiros, totalmente diferentes quando se aborda o vasto campo da sexualidade tropical.
Com tanto sexo em abundância, só mesmo a violência urbana para completar o quadro de sensualidade perigosa. Em todas as grandes cidades o quadro é o mesmo. Conselhos para tomar cuidado. "Não ande por estes lados da cidade, moço, é muito perigoso", ouço de uma senhora dentro do ônibus urbano em Belém, quando ameaço descer num ponto que me parecia animado. "Cuidado com os nóia que andam assaltando por aqui, para comprarem mais drogas", me aconselham em Porto Velho, quando eu tentava achar o caminho de volta para o hotel. Aqui em Rio Branco é igual. A Amazônia é muito diferente de Santa Catarina, embora ambos estejamos no mesmo e violento Brasil. No sul, a violência está mais escondida e mais disfarçada dentro dos morros e nas favelas. Aqui, não. Ela é explícita e pode ser encontrada na saída do teatro ou na porta do restaurante de luxo, a qualquer hora. Não há muito o que a polícia possa fazer. O negócio é não "dar bobeira", como já estou aprendendo meio que "na marra". Não há outro jeito. É ficar de olho, principalmente quando o olhar do caboclo que te observa está carregado de ódio.
O estado do Acre é realmente um diferencial de qualidade em meio à devastação moral e ambiental amazônica. Sua capital, Rio Branco, é uma pérola de encantamento, limpa, bem cuidada, com elevada auto estima por parte da população. Os últimos governos são exemplo de sabedoria e capacidade. É impressionante o resgate histórico que fizeram do herói ambiental Chico Mendes. Acho até que ele próprio não se sentiria bem, no meio de tanta homenagem. É parque, é biblioteca, é mural, é tanta homenagem que provavelmente o velho militante acharia estranho, principalmente vindo de um governo que acaba de ser investigado pela Polícia Federal, resultando disso acusações pesadas de corrupção. São os mesmos companheiros de Marina Silva, que não pode ser afastada das fotos em que aparece nos velhos tempos de combate aos jagunços sob ordens dos fazendeiros e poderosos locais, lutando ao lado dos irmãos Viana, um governador e outro senador. É triste constatar a decadência moral de um governo que se mostrava insuspeito, amado pelo seu povo a ponto do governador Tião Viana desfilar na procissão de Corpus Christi de peito aberto, sem qualquer segurança. Como pode acontecer mais este fracasso? Será que não haverá mesmo esperança? Será que a política será eternamente esta oficina do diabo?
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