terça-feira, 25 de junho de 2013

Rua Barão de Mesquita, 425

Domingo fui visitar a Rua Barão de Mesquita, 425, Tijuca, Rio de Janeiro. 




Por trás deste endereço singelo, que parece o de uma familiar padaria ou da casa da nossa avó, escondia-se um dos símbolos do regime militar brasileiro 64-84.  Eu diria até que se tratava de um dos sustentáculos da ditadura, qual seja: a prática da repressão mais violenta e sem o menor pudor. As outras duas estacas mestras de sustentação daquele regime eram a sua política educacional e o alinhamento da nossa economia aos objetivos norte-americanos, mas, isto é matéria para sociólogos e não memorialistas, como eu.

De modo que, voltando à nossa conversa, eu dizia que fui visitar a antiga sede do DOI-CODI, onde passei momentos que gostaria de esquecer. Não, eu não fui torturado, na verdade não era sequer prisioneiro. Minha presença nesse lugar de tantas memórias se deu por conta da minha condição de recruta do exército brasileiro no ano de 1970, justamente do 1º Batalhão de Polícia do Exército, que era o proprietário oficial do endereço. Fazia 40 anos que não passava em frente ao prédio. Recordo-me que uma vez, há mais de 20 anos, tomando um taxi na Praça Saens Peña em direção à Vila Isabel, deu-me curiosidade de pedir ao chofer que passasse em frente, mas, não tive coragem. Acho que não estava ainda pronto para as emoções que sobreviriam apenas neste domingo. Vou poupar a todos nós o relato das noites de horror, dos gritos animalescos, das famílias torturadas em conjunto e no atacado, da chegada de inocentes que haviam sido arrastados por engano ou da chegada dos militantes políticos, presos em combate ou no estouro dos frágeis aparelhos. 

Não, eu também não quero lembrar das operações especiais a que assisti, como na época do sequestro do cônsul suiço, em 1970, quando o agito era deca-duplicado, claro, pois a situação exigia pressa. Não preciso dizer que nestas situações os sons infernais iriam  acompanhar o ritmo do movimento e subir ao nível do insuportável.  Sim, vou poupar-nos da inconveniência destas memórias. 

Entretanto, foram exatamente elas que emergiram nesta manhã de domingo, enquanto eu olhava de frente para a entrada de serviço, localizada defronte a pequena Praça Lamartine Babo, vejam que ironia, logo o nome do grande carnavalesco, logo ele que não merecia uma "homenagem" dessas.  Era por ali que entravam e saiam os comandos em busca de novas presas.  E eu ali, olhando pro quartel, percebi que minha vista se turvava e meus óculos não serviam pra mais nada, molhados que estavam. Num lampejo de consciência, tive que recuperar o controle emocional, pois estava no meio da rua e as pessoas passando ao redor, eu não podia fazer o “papelão” de chorar.  


Dizem que medo e ódio são a mesma coisa e que estão invariavelmente  associados à raiva, não é mesmo?  Eu aceito como dizem, visto que não sou propriamente um especialista em psiquiatria e, afinal, tenho pouca intimidade com as teorias de Wilhelm Reich, mas, lembro-me perfeitamente que quando organizei uma palestra do Darci Ribeiro na minha universidade, lá por 1977, eu “literalmente” ouvi a polícia ocupar o pátio da UFPR enquanto o Darci falava da tribuna, com seu discurso sempre explosivo. Na minha insanidade eu já me via sendo levado ao pau-de-arara, apenas por que era o coordenador cultural da minha entidade estudantil.  O que são as memórias, heim? Nos seguem pela vida afora ....

Passadas minhas filosóficas reflexões, eis que estou agora confortavelmente instalado num belo apartamento de frente para o morro do Pavão-Pavãozinho, Copacabana, e não seria má ideia sair pra jantar algo bem agradável nesta  noite domingueira, pois,  afinal, amanhã o batente em Furnas vai ser total. Além do mais, estou convencido de que a rua Barão de Mesquita, 425,  é apenas um endereço no catálogo do bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. 


Será? 



Um comentário:

  1. Comovente e poético o relato das tuas memórias, através das quais nos permites passear. Dois mundos em convívio: o da arte, beleza, alegria, carnaval, sabedoria do bem viver (e sobreviver), haja o que houver; em paralelo, memórias da bestialidade da qual o ser humano é capaz quando veste o papel do carrasco. Impactantes, é verdade, porém necessárias para nos relembrar ou fazer conhecer, a quem não tem ideia da tragédia, de aonde podemos chegar.

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