terça-feira, 25 de junho de 2013

O dia que Waly Dias Salomão visitou Paulo Leminski






“Eu sou de Virgem. Então, muitas vezes a cabeça está nas nuvens e os pés no chão. Quando fui nomeado diretor da Fundação Gregório de Matos de Salvador, trabalhei pesado. Na minha gestão eu me pautei antes de tudo por um modo de pensar desconfiado da relação do artista com o poder. E em algum tempo minhas habilidades administrativas e de flexibilidade política foram reconhecidas e fui designado coordenador do carnaval da Bahia. Minha luta foi toda em cima de defender o carnaval não como um fato turístico e pitoresco, mas fundamentalmente como um fato cultural. Nasci e briguei muito na Bahia naquele momento para dar valor aos blocos afros que estavam nascendo, como o afro de Itapuã, Male Debale, esse nome ajudei a dar e significava a revolução islâmica do século XIX em Salvador. Ajudei o Olodum, ajudei o Ilê Ayê. Sabia que estava ajudando a representação da maior cidade negra fora da Africa que é Salvador. Eu digo que tenho experiência administrativa porque o carnaval demandava 7 mil pessoas trabalhando diretamente sob meu comando e eu chegava mais cedo do que todo mundo, enfrentando os pelegos do carnaval que me chamavam de estrangeiro, não baiano. Mas fui provando não só que era de Jequié mas que tinha muito conhecimento da cultura baiana, das populações mais pobres, da população negro-mestiça, intimidade nas festas e nas agruras dos pescadores, das feiras, com o candomblé”Waly Dias Salomão (September 3, 1943 – May 5, 2003)




Quando Gilberto Gil foi ministro da cultura do governo Lula, levou Waly Salomão para ser o Secretário Nacional do Livro. O baiano revolucionário morreria menos de um ano depois. E ainda não tinha completado sessenta anos. Muitos dizem que morreu por que não sabia conviver com o poder. Ele, de fato, tentou mudar a cultura brasileira e livrá-la da influência nefasta dos donos do poder. Na verdade, tentou a vida inteira ser diferente. Não conseguiu... nem tanto por que não tivesse talento, mas, justamente por que o tinha em demasia. Era uma pessoa atenta para o que se passava no mundo, estava ligado em tudo que acontecia de diferente, e por isso sua atenção foi atraída pela poesia concreta que era feita em Curitiba no começo dos anos setenta. 


Lembro-me que era uma noite de inverno, daqueles invernos frios de antigamente naquela Curitiba de 1975, que ainda debatia as novidades, como a canaleta exclusiva do ônibus expresso, algo impensável até então e que iria "tirar os carros da classe média" das avenidas da cidade, assim como o calçadão da Rua das Flores iria provocar a "falência generalizada do  comércio".  Naquele tempo e naquela cidade as certezas ideológicas começavam a ruir dentro de mim,  pois não é que a inovação mais revolucionária no transporte de massas do país vinha de um sujeito indicado prefeito pela ditadura militar ? 

Vejam que ironia. Comunistas e esquerdistas em geral eram os principais opositores das idéias revolucionárias daquele prefeito judeu, filiado à ARENA, que propunha  a modernização do transporte e da cidade, assim como a implantação de um calçadão exclusivo para pedestres, com confortáveis bancos de descansar e cafés no meio da rua, para se conversar em pé.

Havia apenas dois anos que eu morava na cidade e meu espírito rebelde por natureza esbaldava-se com o ambiente curitibano, as animadas discussões nos bares lotados, em plena madrugada fria, o termômetro na Rua das Flores marcando zero grau, e nós lá dentro do Savoy ou do Cometa, mandando brasa na cachaça e na palavra.  As pessoas chegavam todas encasacadas em vistosos paletós, ponchos e jaquetas de flanela. Pois, foi assim que eu os vi entrar no Cometa.  Não poderia haver outro lugar melhor na cidade, para onde pudesse ser levado o demolidor poeta baiano. Não poderia haver melhor companhia para ele do que o casal Alice Ruiz e Paulo Leminski. Waly já era um poeta e compositor famoso, com vários sucessos emplacados. Tinha ido lá para conhecer o "polaco da Barreirinha", Leminski, que despontava como promissor concretista no cenário da literatura nacional. 

O baiano estava então com 32 anos de idade, era imenso, alto, ainda magro e bonito, principalmente bonito, com seus cabelos longos e encaracolados. Quem iria imaginar que já havia passado da metade de seu tempo de vida?  







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