“Eu sou de
Virgem. Então, muitas vezes a cabeça está nas nuvens e os pés no chão. Quando
fui nomeado diretor da Fundação Gregório de Matos de Salvador, trabalhei
pesado. Na minha gestão eu me pautei antes de tudo por um modo de pensar
desconfiado da relação do artista com o poder. E em algum tempo minhas
habilidades administrativas e de flexibilidade política foram reconhecidas e
fui designado coordenador do carnaval da Bahia. Minha luta foi toda em cima de
defender o carnaval não como um fato turístico e pitoresco, mas
fundamentalmente como um fato cultural. Nasci e briguei muito na Bahia naquele
momento para dar valor aos blocos afros que estavam nascendo, como o afro de
Itapuã, Male Debale, esse nome ajudei a dar e significava a revolução islâmica
do século XIX em
Salvador. Ajudei o Olodum, ajudei o Ilê Ayê. Sabia que estava
ajudando a representação da maior cidade negra fora da Africa que é Salvador.
Eu digo que tenho experiência administrativa porque o carnaval demandava 7 mil
pessoas trabalhando diretamente sob meu comando e eu chegava mais cedo do que
todo mundo, enfrentando os pelegos do carnaval que me chamavam de estrangeiro,
não baiano. Mas fui provando não só que era de Jequié mas que tinha muito
conhecimento da cultura baiana, das populações mais pobres, da população
negro-mestiça, intimidade nas festas e nas agruras dos pescadores, das feiras,
com o candomblé”. Waly Dias Salomão (September 3, 1943 – May 5, 2003)
Quando Gilberto Gil foi ministro da
cultura do governo Lula, levou Waly Salomão para ser o Secretário Nacional do
Livro. O baiano revolucionário morreria menos de um ano depois. E ainda não
tinha completado sessenta anos. Muitos dizem que morreu por que não sabia
conviver com o poder. Ele, de fato, tentou mudar a cultura brasileira e
livrá-la da influência nefasta dos donos do poder. Na verdade, tentou a vida inteira
ser diferente. Não conseguiu... nem
tanto por que não tivesse talento, mas, justamente por que o tinha em demasia.
Era uma pessoa atenta para o que se passava no mundo, estava ligado em tudo que
acontecia de diferente, e por isso sua atenção foi atraída pela poesia concreta que
era feita em Curitiba no começo dos anos setenta.
Lembro-me que era uma noite de inverno, daqueles invernos frios de
antigamente naquela Curitiba de 1975, que ainda debatia as novidades, como a canaleta exclusiva
do ônibus expresso, algo impensável até então e que iria "tirar os carros da classe média" das avenidas da cidade, assim como o calçadão da Rua das Flores iria provocar a "falência generalizada do comércio". Naquele tempo e naquela cidade as certezas
ideológicas começavam a ruir dentro de mim, pois não é que a
inovação mais revolucionária no transporte de massas do país vinha de um
sujeito indicado prefeito pela ditadura militar ?
Vejam que ironia.
Comunistas e esquerdistas em geral eram os principais opositores das idéias
revolucionárias daquele prefeito judeu, filiado à ARENA, que propunha a
modernização do transporte e da cidade, assim como a implantação de um calçadão exclusivo
para pedestres, com confortáveis bancos de descansar
e cafés no meio da rua, para se conversar em pé.
Havia apenas dois anos que eu morava na cidade e meu espírito rebelde por natureza esbaldava-se com o ambiente curitibano, as animadas discussões nos bares lotados,
em plena madrugada fria, o termômetro na Rua das Flores marcando zero grau, e
nós lá dentro do Savoy ou do Cometa, mandando brasa na cachaça e na palavra. As pessoas chegavam todas encasacadas em vistosos paletós, ponchos e
jaquetas de flanela. Pois, foi assim que eu os vi entrar no Cometa. Não poderia haver outro lugar
melhor na cidade, para onde pudesse ser levado o demolidor poeta baiano. Não
poderia haver melhor companhia para ele do que o casal Alice Ruiz e Paulo
Leminski. Waly já era um poeta e compositor famoso, com vários sucessos
emplacados. Tinha ido lá para conhecer o "polaco da Barreirinha",
Leminski, que despontava como promissor concretista no cenário da literatura
nacional.
O baiano estava então com 32 anos de idade, era imenso, alto, ainda magro e bonito, principalmente bonito, com seus cabelos longos e encaracolados. Quem iria imaginar que já havia passado da metade de seu tempo de vida?
O baiano estava então com 32 anos de idade, era imenso, alto, ainda magro e bonito, principalmente bonito, com seus cabelos longos e encaracolados. Quem iria imaginar que já havia passado da metade de seu tempo de vida?
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