segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

And Jesus was a sailor


Eu gostaria muito de ter estado lá, mas não estive, só vi o filme. Claro que já é alguma coisa, pois a imensa maioria das novas gerações não têm a menor idéia do que foi aquele evento no longínquo ano de 1970. Não vou me lamentar pela ausência, pois talvez até tenha guardado melhor em minha mente as imagens filtradas por um diretor profissional, especialista em registrar emoções, um artista que soube compor e editar as imagens de modo a provocar o melhor impacto estético, e, por extensão, impacto igualmente musical, pois é basicamente disso que se tratava naqueles três dias. Música jovem e vibrante.

Naquela época, na ignorância de meus 19 anos de idade, eu ainda não o conhecia, mas ele já era um poeta famoso, com seus 36 anos. Demonstrava no filme total domínio de seu papel naquele momento, frente a 600 mil pessoas que se espalhavam na planície da Ilha de Wight, famoso centro de lazer dos ingleses, estrategicamente localizado no Canal da Mancha, entre Portsmouth e Southampton, bases de onde os soldados britânicos sempre partiram para suas guerras. O Festival se propunha à paz mundial, apesar da belicosidade da juventude que se aglomerava ali e queria ouvir apenas rock and roll, enquanto se despia, se drogava e faziam sexo sem parar. Digamos que “se amavam” seja uma expressão mais suave para o que de fato acontecia. Vários outros artistas de fama internacional haviam sido expulsos do palco, sob vaias ensurdecedoras por que o público não estava mais afim de ouvir as suaves baladas de cunho militante, anti-vietnã, anti-militar, anti-etc e tal. Essa época já tinha ficado para trás, junto com a década que se encerrara,  e o próprio John Lennon havia anunciado que “o sonho acabou”. Agora a rapaziada só queria mesmo era sexo, drogas e rock and roll. Chacoalhar, vibrar e gozar, ao som das esquartejantes e distorcidas guitarras de Jimmy Hendrix, The Who, The Doors e outros.   

Havia um pouco de neblina fria no ar, apesar de ser madrugada de verão. Quando o artista é anunciado e adentra ao palco com seus poucos músicos, apenas um teclado, bateria, violão e um pequeno coro de garotas, as vaias já começam. Ao invés de iniciar seu canto, ele intui que é preciso fazer algo diferente. Então, a câmera dentro do palco mostra as pessoas amparadas em cobertores e mantas, que vão se acalmando e se aconchegando, enquanto Leonard Cohen fala um poema com sua voz magistral de barítono alto, derrubando os alicerces da nação inglesa, mostrando como caem as falsas torres com pés de barro, visionando que uma nova nação há de reaparecer, mas apenas quando essa que aí está, injusta, suja e sanguinária, venha a ser completamente destruída.   

Em seguida ele canta uma suave balada mística, debaixo de completo silêncio da multidão:





...E Jesus era um marinheiro
Quando andou sobre a água
Ele passou um longo tempo vigiando
Em sua solitária torre de madeira
E quando soube com certeza (que)
Apenas os afogados podiam enxergá-lo
Ele disse “Então todos os homens
serão marinheiros até o mar libertá-los”
Mas ele mesmo estava angustiado
Muito antes que o céu se abrisse...




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