sábado, 4 de fevereiro de 2012

Pajaro Campana


O Paraguai nunca teve escravos, nem na época da colonização espanhola. Ao contrário, os índios guaranis que habitavam a região eram protegidos pelos padres Jesuítas e suas Missões, onde aprendiam adestramento militar para lutar contra os Bandeirantes portugueses que os queriam escravizar. Antevendo o perigo que representava cem mil índios organizados dominando a região, a partir de 1750 os exércitos coloniais de Espanha e Portugal começam a invadir as reduções jesuíticas. É nesse contexto histórico que os Jesuítas solicitam ao Papa autorização para se armarem, afim de defender o território. Aí se combinam dois fatores que foram cruciais para o fim das Missões: a negativa do Papa em autorizar um exército jesuítico e a reação violenta da Espanha, incrementando o envio de tropas, tanto para destruir a organização missioneira, quanto para tomar o imenso rebanho de gado e escravizar os índios. Finalmente, em 1767 os padres são mandados de volta à Espanha, embora muitos deles desobedeçam o decreto real e permaneçam ao lado dos índios para morrer lutando na defesa das reduções, que são, então,  formalmente entregues a outras ordens religiosas, porém, nenhuma delas com a visão estratégica dos Jesuítas, que, na verdade, viam a longo prazo a oportunidade de fundar um estado teocrático na região. Aos poucos, as missões foram decaindo, os índios voltavam para a mata ou iam em busca de outras oportunidades nas cidades coloniais.      
Outra coisa que o Paraguai nunca teve foi guerras internas, do tipo de luta entre facções que desolavam a Argentina e o Peru. Isso fez com que o país pudesse crescer e desenvolver sua vocação agrícola, sob controle severo de poucas famílias espanholas, sem qualquer resistência da parte dos índios nem dos paysanos, os lavradores espanhóis ou mestiços. Cem anos depois da saída dos Jesuítas,  era o país mais adiantado da América do Sul. Em 1862 Francisco Solano Lopes, um jovem representante da aristocracia paraguaia voltou da França, para onde foi mandado estudar para ser o mais bem preparado Presidente da América Latina.  Solano veio de Paris com um grupo de intelectuais e técnicos, afim de criar a desejada indústria paraguaia, como etapa posterior ao desenvolvimento rural. 


Trouxe também uma esposa francesa, Madame Lynch, que se interessou pela vida social do povo e achou por bem incorporar à música popular um instrumento desconhecido por aqui, a harpa, dando caráter próprio e elevando o status da Polca Paraguaia. 

A mesma música continuou sendo  praticada nas cidades ribeirinhas, só que sem as harpas, que se restringiu ao ambiente urbano, um pouco mais refinado. 


A grande obsessão de Solano  foi tentar queimar etapas e abrir caminhos para o mar, a fim de escoar o excedente de produção paraguaia. Com isso, contrariou tudo e todos, desde os interesses imperialistas ingleses até os monarquistas do Brasil, que tinha uma legião de 200 mil soldados sem ter muito o que fazer, de modo que uma guerrinha regional viria a calhar para Don Pedro II, que já enfrentava problemas com a seca no nordeste do país e a expansão agrícola baseada na mão de obra imigrante, no sul.  A confiança de Solano Lopes na vitória era tão grande que ele abriu logo três frentes de batalha: uma no Mato Grosso, para distrair as forças brasileiras (que não caíram na armadilha), outra em Corrientes, no Rio Paraná, para distrair os argentinos, enquanto mandava 25 mil homens de suas forças especiais Rio Uruguai abaixo, para socorrer seus aliados que tinham sido golpeados do poder no Uruguai. Ele não contava que os estrategistas brasileiros iriam descobrir esta manobra e cortar-lhes o caminho no Rio Grande do Sul. A partir de 1866 começou a contra-ofensiva, naquela sequência de batalhas que conhecemos do segundo grau escolar, sem entender nada do contexto, devido à precariedade do nosso ensino de história oficial.  A guerra só iria terminar em 1870, com o cerco do que restava do exército paraguaio, praticamente só crianças, e a morte de Solano Lopes e seu filho de 15 anos, em combate. Foi o maior confronto bélico do hemisfério sul.


A Polca foi a música que embalou as tropas na guerra, cantou a tragédia do país destruído e a esperança de novos tempos,  além das dores de amores, claro...  A Polca, à exemplo da língua guarani, descreve sons da natureza, como no solo espetacular do Pajaro Campana, o passarinho que parece tocar sinos quando canta. Madame Lynch tinha visão de futuro!  Pena que seu tresloucado marido botou tudo a perder.







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