Uma coisa
que não tenho mesmo é boa memória para nomes e fisionomias de pessoas. Tal qual
a maldosa piada sobre o computador português, que não teria propriamente
memória mas apenas uma vaga lembrança. Este
defeito de fábrica tem me causado vários momentos de puro constrangimento, como
ainda outro dia, num destes domingos esplendorosos de nosso inverno, estava eu
a passear pela areia da praia, quando passou por mim um sujeito vestido de
calça e camisa jeans, sapatos e meias, barba bem feita, onde se destacava um
bigodão tão preto quanto o cabelo, denunciando ambos o escasso tempo
transcorrido desde a última tintura.
Quando me viu, abriu imenso sorriso: “Laércio, que surpresa você por aqui. Como
vai, meu amigo?” e me estendeu a mão. Enquanto esboçava respostas, fazia imenso
esforço de pesquisa na minha vaga lembrança, em busca daquela figuraça. Todas
as querys retornaram com a mensagem “no record found”. Mesmo assim,
entabulamos uma conversa amena, onde eu procurava sinais que me salvassem da
situação, até que tocou o celular do sujeito, com um estridente solo de viola
caipira.
Quando
voltou à conversa, ele me observou e comentou irônico: “Mas, o amigo ficou bem
fortinho, heim?”, querendo dizer que eu estava gordo, evidentemente. Como já
faz mais de vinte anos que estou nessa desagradável condição, e associando com
o som da viola, pensei cá com meus botões: “Deve ser um antigo conhecido do
norte do Paraná”, e fiz mais uma tentativa: “Tem ido para Maringá?” e ele
respondeu que não, jamais tinha estado lá, “Por que?”.
Como sou
bom nos assuntos de enrolação, disse-lhe que era excelente lugar para se
comprar e aprender a tocar violas, como aquela do seu ring do celular. Para minha
surpresa ele anuncia, orgulhoso “O amigo não sabia que eu sou tocador e
construtor de violas caipiras?”. “Não,
como poderia saber, se nunca lhe vi mais gordo?”, é o que eu deveria ter
respondido, mas os bons modos filtraram à tempo a ofensa. E eu fiquei na mesma, pendurado nas cordas do
fosfatol e do memoriol.
Foi aí que
me lembrei de uma crônica das mais engraçadas que li, na qual o Luis Fernando
Veríssimo fala da aflição do escritor na hora do autógrafo, quando não se
lembra do nome do leitor à sua frente, que lhe sugere serem ambos velhos amigos.
Fato verídico, certa ocasião estava ele em prestigiosa livraria carioca, quando
da fila de autógrafos um velhinho de cabelos brancos lhe lançava sorrisos de
velho amigo. Apelou para a memória, mas, também não recebeu qualquer resposta
do arquivo chamado tempo. E o risonho leitor se aproximava mais e mais, ameaçando deixá-lo encabulado diante de todos.
Pois não houve jeito e o bom homem chegou com o livro nas mãos, cumprimentou-o
efusivamente, a sugerir intimidades: “Como vão as crianças?”. “Muito bem,
obrigado”, respondeu, e o nome não lhe vinha à memória, até que, como último
recurso abriu também um grande sorriso e tascou o apelo final: “A quem devo
fazer a dedicatória?”. Com ar completamente inocente o desconhecido amigo respondeu:
“Pode ser para mim mesmo!”.
No meu
caso, não dei o braço a torcer e continuei jogando conversa fora, até que o velho amigo convidou-me para almoçar na
casa dele. Eu respondi que não, pois havia assumido compromisso de fazer uma
tainha assada junto com ex-colegas da Eletrosul. Neste momento, nosso
personagem faz a pergunta bendita, que me tirou da encrencada situação: “Aquela
rapaziada antiga vai estar por lá, o Renato, o Émerson, o Newtão?”. Então me
caiu a ficha: “João Correia!!!”, o mineirinho que veio para Floripa junto com a
mudança da Eletrosul, em 1976. Trabalhamos juntos no departamento de
informática até a primeira leva de desligamentos incentivados pela
privatização, início dos anos 90.
Pôxa, como
é que eu iria saber que o camarada havia se tornado violeiro? E que pintava os
cabelos? E que, depois da missa de domingo, esse mineiro gostava de apreciar o mar? De calça jeans?
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