terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A raínha do chamamé


Alguns anos atrás estava eu assistindo um Festival de Chamamé, na cidade de São Luiz Gonzaga, capital cultural da Região Missioneira do Rio Grande do Sul. Já não havia vagas nos hotéis de toda a região e o povo se albergava em barracas de campings improvisados, apesar do frio próximo a zero grau durante as noites, com o vento minuano cortando as madrugadas de junho. 

Só mesmo com muito mate e cachaça, para resistir naquele clima. Várias vezes eu me perguntei: "O que é que eu estou fazendo aqui?". Poderia curtir minhas férias no nordeste brasileiro, se quisesse calor, ou nas montanhas do Rio de Janeiro, se quisesse algum frio, mas não propriamente ao ponto de congelar. Porém, como estava de caso com uma gaúcha tradicionalista, daquelas que só sai do Rio Grande para visitar Centros de Tradições Gaúchas em outros estados, fui ficando por ali mesmo. Além do mais, estávamos na casa da tia dela, e a boa senhora nos dava acolhimento mais que camarada. Melhor seria impossível.

Numa noite, o show principal era de uma cantora argentina da qual nunca tinha ouvido falar, Tereza Parodi. Quando confessei minha ignorância, o mínimo que ouvi era que fosse me informar, antes de entrar num festival como aquele. Não saber da raínha do chamamé, "tchê", chegava a ser um desrespeito, além de profunda ignorância. Alguma cousa de muito errada haveria de ter comigo! 

Muitos anos depois, eu próprio fui visitar Corrientes. Fico impressionado com a beleza da cidade, que eu pensava ser uma daquelas cidades paraguaias falando guarani, calorenta e sonolenta, todo mundo dormindo das duas às cinco da tarde, para curtir a siesta. Que boa notícia tomar conhecimento desta verdadeira metrópole, a vida cultural intensa, logo na chegada um  show de música e dança caribenha à Beira Rio. Várias churrascarias que, ao mesmo tempo, serviam de penha, onde desfilavam artistas tocando chamamé.

Chamamé é a mesma polka paraguaia, desenvolvida em Asunción a partir da delegação francesa trazida por Madame Linch, a esposa do jovem ditador Solano Lopes nos anos 1860. Diante do fracasso das polkas européias nos bailes da alta sociedade(?) paraguaia, os maestros trazidos de França resolveram adaptar as canções cantadas pelo povão, fazendo questão de manter pelo menos uma coisa, a harpa.  Criaram um novo estilo musical.


Trezentos quilômetros rio abaixo, a comunidade de Corrientes, já na Argentina, achou que a harpa não era tão importante. Após a destruição de Asunción como metrópole cultural,  os correntinos assumiram-se como sede da cultura guarani. Daí para frente passaram a sediar todos os artistas interessados no aperfeiçoamento da polka-chamamé, os talentos que vinham das Missões do Rio Grande do Sul ao Pantanal do Mato Grosso. Ainda permanecem nessa condição. Almir Sater e outros músicos do Mato Grosso, além da gauchada, que está mais próxima, foram beber naquela fonte. O Museu do Chamamé cataloga mais de 2 mil artistas argentinos. Eles simplesmente ignoram os nossos brasileiros, como Cenair Maicá, que nada fica devendo em termos de qualidade, mas, tem um defeito definitivo: não é correntino. Dos paraguaios, eles não aceitam nem Félix Cardoso Ocampo, o grande compositor das mais famosas polkas.

Mesmo assim,  me apaixonei por Tereza Parodi. Desconfio que ela até nem saiba disso...





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