Quando visitei Cuba, FHC tinha sido recém eleito em 1994. Numa parede do Bar La Bodeguita, vi uma faixa onde estava escrito: "Lula é nosso amigo, mas FHC não é nosso inimigo". Pragmatismo é isso! |
Certo novembro fui passar as férias em Cuba.
Tinham recém inaugurado um vôo SP-Rio-Havana, operado pela companhia Cubana,
com apoio terrestre da Varig. Assim que entramos no avião, a primeira surpresa,
a imensa maioria dos passageiros eram negros, coisa rara em aviões por aqui.
Logo percebemos a razão: a bateria da escola de samba Vai-Vai estava
embarcando para apresentações no país de Fidel. Turistas, mesmo, como nós, não
chegava a vinte pessoas. Aproximadamente dez cubanos completavam a lotação
daquele vôo. Um dos cubanos era negro, sargento que voltava de
treinamento no Brasil. Não cheguei a saber se ele era o instrutor ou se veio na
qualidade de aluno, o que sei é que sentamos na mesma fileira, eu, minha
esposa, o sargento e um dos ritmistas da
Vai-Vai, que também ocupavam todas os assentos em volta. Quando um dos negros
brasileiros perguntou de onde ele era, o sargento respondeu resoluto e
orgulhoso "Sou 100% cubano, senhor".
Apenas duas longas fileiras de assentos duplos naquele
estranho avião russo, abrigando talvez uns cem passageiros, como nos modelos do
antigo Folker. Quando ligava o sistema
de ar e luzes internas, saia uma nuvem de fumaça seca que embranquecia
totalmente a cabine. Da primeira vez, já começarmos a ficar com medo, que foi devidamente espantado
pela euforia dos negões da escola de samba, que falavam alto e alegremente. Quando paramos para embarcar
meia dúzia de passageiros no Rio de Janeiro, o comandante avisou que seria necessária
uma manutenção na aeronave, coisa rápida, dali à pouco já prosseguiríamos a
viagem. Depois de duas horas e algumas inundações por fumaça branca, minha
esposa resolveu desistir da viagem. Com muito custo, consegui convencê-la de
que Cuba tinha a melhor mecânica do mundo e pegaria muito feio para o Regime
deixar cair um avião seu na Amazônia e, além disso, iríamos perder o dinheiro
da passagem e da reserva de hotel. Como ela era louca, mas não
rasgava dinheiro, concordou em ficar, desde que comprássemos alguma bebida,
para relaxar. Fui até a área das aero-moças (na verdade aero-vovós, senhoras
gordas e entradas em anos, certamente parentes de gente importante na Ilha).
Dali eu trouxe Havana Club, o melhor rum que existe, a seis dólares o litro, e
Coca-Cola em lata, por 0,75 cents, Os ritmistas acharam o máximo e também foram
buscar suas garrafas. O movimento de aero-vovós trazendo gelo foi uma loucura,
como a que literalmente fez o sargento cubano quando abriu sua mala e dela
retirou um toca fitas. O negão do lado praticamente gritou: "O que é isso?
Em que museu você achou esta coisa?"
e os demais negões em volta começaram a gargalhar, humilhando o pobre
cubano. Quando a poeira baixou, ele explicou que com o dinheiro que tinha, foi
a única coisa que conseguiu comprar para presentear sua esposa. Diante da cara
de choro em que nos transformamos todos, ele ainda pisou sem piedade em nossas
almas arrependidas. "Quantas dessas línguas vocês falam?", apontando
para as mensagens de segurança escritas em espanhol, francês, inglês e russo. Nenhum
de nós se atrevia a responder, então ele mesmo o fez: "Eu falo todas! Posso não ter dinheiro, mas, fui muito bem
educado".
Quando desembarcamos em Havana, depois da
última nuvem de fumaça branca, apenas a névoa alcoólica permanecia em minha
cabeça, mas eu vi claramente que o sargento buscava carona entre seus patrícios,
sem conseguir. Não havia transporte público. Tentei intervir junto ao motorista da nossa van: "O senhor não
poderia dar uma carona para aquele sargento cubano?". "É proibido,
senhor. Não se preocupe, no máximo umas três horas e ele consegue vaga em algum
carro do exército". E lá ficou o
sargento poliglota, perdido na distância e na memória.
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