Gayle Caldwell (1942-2009) era uma bonita moça norte americana, formada em piano clássico. Aos dezenove anos já era uma estrela e fez enorme sucesso na casa de espetáculos Carnegie Hall, de Nova Iorque, pouco depois que ali explodia a Bossa Nova de Jobim, Vinícius e toda a curriola brasileira, inclusive o catarinense Luis Henrique Rosa, que estava na temporada com a turma.
Gayle
se impressionou muito com a nova sonoridade daqueles músicos modernos, bem
próximos do jazz, e chegou a gravar
Garota de Ipanema. Mas, a praia dela era outra. Extremamente dedicada
ao canto religioso evangélico, também atuava no grupo de country e gospel "Os
Novos Menestréis de Cristo", de onde saíram músicos que tocaram em bandas
famosas como The Byrds e The Association. Um dos líderes dos Menestréis era o
cantor e músico Barry McGuire, que, após desiludir-se com o cristianismo, faria uma canção de protesto para deixar os
americanos estupefatos, sem respirar e de cabelos em pé. Ele falava
simplesmente da hecatombe nuclear que se aproximava e descrevia o mundo de 1965
como vivendo a "Véspera da Destruição". Vendeu mais que pão quente,
ficou rico e louco. Parece que o sujeito andou uns 30 anos batendo perna, fraco
da cabeça, e agora, na velhice, já dá umas voltinhas nas praças da Califórnia.
Não aguentou a própria genialidade.
Assim eram alguns colegas de Gayle, a moça
que também fazia canções populares e reflexivas. Imaginem vocês que na década de sessenta,
enfrentando compositores de peso na era de ouro da música norte americana,
Gayle conseguiu emplacar duas canções no álbum de ninguém menos que Frank
Sinatra, inclusive a canção título.
Quando escolheu "Cycles" para ser a capa de seu long
play de 1968, Frank fez uma observação pessoal ao mostrá-la na televisão:
"Esta canção despretenciosa e de versos simples, na verdade contém
reflexões tão profundas, como se tivessem sido pensadas por um experiente filósofo. No entanto, foi feita por uma garota que acaba de
completar 25 anos de idade". A
garota era Gayle Caldwell e a canção tornou-se um clássico do cancioneiro norte
americano. Ao longo dos 67 anos de sua vida, Gayle teve que cantá-la milhares de vezes, até que a leucemia a tirasse de vez dos
palcos. Ultimamente nem saía da Califórnia, onde foi morar atendendo a uma
visão que teve na adolescência e que a inspirou para a missão que assumiu na
vida. Em sonho, ela diz ter visto uma linda roseira florir nos rochedos
íngremes do Pacífico, ao mesmo tempo em que os brotos que se abriam lhe diziam
"Venha, aqui é seu lugar". Ela foi quando completou 50 anos de idade.
Os
cristãos evangélicos norte americanos possuem uma noção de religiosidade pelo
menos num ponto parecida com a dos budistas orientais. A noção de entrega.
Existe uma palavra em sânscrito, "sanias",
que significa "o ato de entregar completamente o próprio destino nas mãos
de um ser superior". Ao exercer este direito, o crente passa por vários
rituais, dependendo do ramo religioso, e abandona tudo em nome de sua missão. Assume o trabalho de pregar a conversão indiscriminada, como a praticada pelos cristãos, ou assume a "iluminação" como foco de sua vida, como o fazem os budistas ... No caso budista, o devoto sempre escolhe também um
Mestre, ao qual obedecerá cegamente e que lhe dará um nome novo para a nova
vida. Este é o ritual de passagem do "saniase",
aquele que se entregou para o caminho da santidade, vida após vida, até a
suprema iluminação. No caso dos evangélicos, a entrega também se dá na
expectativa de viver a eternidade perfeitamente instalado na morada celestial
do Senhor, após o julgamento final. Uma primeira diferença é que cristãos não acreditam na reencarnação, ao contrário dos budistas. O conceito de missão também é um pouco
diferente. Normalmente, todos os crentes
tradicionais da América do Norte doam um período de suas vidas para o trabalho
de proselitismo, ou seja, de pregação da religião, afim de converter novos
indivíduos. A esse período de dedicação voluntária se dá o nome de Missão e
algumas igrejas espalham missionários pelo mundo inteiro, verdadeiros exércitos
de pregadores, facilmente identificáveis entre nós por causa dos Mórmons.
Esses crentes não raras vezes chegam
a torrar a paciência do cidadão que não está interessado nos argumentos nem na
salvação. Diz um amigo meu que, ao seguirem o chamamento bíblico "Ide e pregai", eles esquecem de
voltar, mesmo que os pregos já tenham se acabado há muito tempo.
Gayle Caldwell fez
assim. Saiu-se a pregar e nunca mais parou. No caso, sua pregação era cantada.
Não que tivesse sido infeliz, mas, para quem aos vinte e poucos anos de idade
municiou Frank Sinatra no show-business, ela tinha bala na agulha para ir muito além,
mais do que usou para beneficiar a si mesma. Ela se acomodou e simplesmente viveu em paz
com seu Deus e sua missão. Até morrer e se preparar para a vida eterna.
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