quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O som sagrado. Ciclos da vida.





Gayle Caldwell (1942-2009) era uma bonita moça norte americana, formada em piano clássico. Aos dezenove anos já era uma estrela e fez enorme sucesso na casa de espetáculos Carnegie Hall, de Nova Iorque, pouco depois que ali explodia a Bossa Nova de Jobim, Vinícius e toda a curriola brasileira, inclusive o catarinense Luis Henrique Rosa, que estava na temporada com a turma.

Gayle se impressionou muito com a nova sonoridade daqueles músicos modernos, bem próximos do jazz, e chegou a gravar Garota de Ipanema. Mas, a praia dela era outra. Extremamente dedicada ao canto religioso evangélico, também atuava no grupo de country e gospel "Os Novos Menestréis de Cristo", de onde saíram músicos que tocaram em bandas famosas como The Byrds e The Association. Um dos líderes dos Menestréis era o cantor e músico Barry McGuire, que, após desiludir-se com o cristianismo, faria uma canção de protesto para deixar os americanos estupefatos, sem respirar e de cabelos em pé. Ele falava simplesmente da hecatombe nuclear que se aproximava e descrevia o mundo de 1965 como vivendo a "Véspera da Destruição". Vendeu mais que pão quente, ficou rico e louco. Parece que o sujeito andou uns 30 anos batendo perna, fraco da cabeça, e agora, na velhice, já dá umas voltinhas nas praças da Califórnia. Não aguentou a própria genialidade. 





Assim eram alguns colegas de Gayle, a moça que também fazia canções populares e reflexivas. Imaginem vocês que na década de sessenta, enfrentando compositores de peso na era de ouro da música norte americana, Gayle conseguiu emplacar duas canções no álbum de ninguém menos que Frank Sinatra, inclusive a canção título.


Quando escolheu "Cycles" para ser a capa de seu long play de 1968, Frank fez uma observação pessoal ao mostrá-la na televisão: "Esta canção despretenciosa e de versos simples, na verdade contém reflexões tão profundas, como se tivessem sido pensadas por um experiente filósofo. No entanto, foi feita por uma garota que acaba de completar 25 anos de idade".  A garota era Gayle Caldwell e a canção tornou-se um clássico do cancioneiro norte americano. Ao longo dos 67 anos de sua vida,  Gayle teve que cantá-la  milhares de vezes,  até que a leucemia a tirasse de vez dos palcos. Ultimamente nem saía da Califórnia, onde foi morar atendendo a uma visão que teve na adolescência e que a inspirou para a missão que assumiu na vida. Em sonho, ela diz ter visto uma linda roseira florir nos rochedos íngremes do Pacífico, ao mesmo tempo em que os brotos que se abriam lhe diziam "Venha, aqui é seu lugar". Ela foi quando completou 50 anos de idade.

Os cristãos evangélicos norte americanos possuem uma noção de religiosidade pelo menos num ponto parecida com a dos budistas orientais. A noção de entrega. Existe uma palavra em sânscrito, "sanias", que significa "o ato de entregar completamente o próprio destino nas mãos de um ser superior". Ao exercer este direito, o crente passa por vários rituais, dependendo do ramo religioso, e abandona tudo em nome de sua missão. Assume o trabalho de pregar a conversão indiscriminada, como a praticada pelos cristãos, ou assume a  "iluminação" como foco de sua vida, como o fazem os budistas ... No caso budista, o devoto sempre escolhe também um Mestre, ao qual obedecerá cegamente e que lhe dará um nome novo para a nova vida. Este é o ritual de passagem do "saniase", aquele que se entregou para o caminho da santidade, vida após vida, até a suprema iluminação. No caso dos evangélicos, a entrega também se dá na expectativa de viver a eternidade perfeitamente instalado na morada celestial do Senhor, após o julgamento final. Uma primeira diferença é que cristãos não acreditam na reencarnação, ao contrário dos budistas. O conceito de missão também é um pouco diferente.  Normalmente, todos os crentes tradicionais da América do Norte doam um período de suas vidas para o trabalho de proselitismo, ou seja, de pregação da religião, afim de converter novos indivíduos. A esse período de dedicação voluntária se dá o nome de Missão e algumas igrejas espalham missionários pelo mundo inteiro, verdadeiros exércitos de pregadores, facilmente identificáveis entre nós por causa dos Mórmons. Esses crentes não raras vezes chegam a torrar a paciência do cidadão que não está interessado nos argumentos nem na salvação. Diz um amigo meu que, ao seguirem o chamamento bíblico "Ide e pregai", eles esquecem de voltar, mesmo que os pregos já tenham se acabado há muito tempo.

Gayle Caldwell fez assim. Saiu-se a pregar e nunca mais parou. No caso, sua pregação era cantada. Não que tivesse sido infeliz, mas, para quem aos vinte e poucos anos de idade municiou Frank Sinatra no show-business, ela tinha bala na agulha para ir muito além, mais do que usou para beneficiar a si mesma. Ela se acomodou e simplesmente viveu em paz com seu Deus e sua missão. Até morrer e se preparar para a vida eterna. 










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