A Tunisia sempre me pareceu um mundo à parte, só existente nos contos das mil e uma noites arábicas. |
Eu, lá pelos vinte e poucos anos, não tinha o menor conhecimento sobre a Tunisia, até encontrar na casa de um amigo um long play de um sujeito chamado Miles Davis, um negão americano maluco que revolucionou o jazz. Dizer que revolucionou fica barato, por que o jazz vem sendo revolucionado desde sempre pela incrível capacidade dos músicos norte americanos. Mas, no caso de Miles Davis ele revolucionou também os costumes. Foi diferente de outros gênios, como Charlie Parker ou Thelonios Monk, pois esses permaneceram como deles se esperava. Parker morreu drogado e Monk virou muçulmano, algo muito previsível, muito próprio dos jazzistas negros. Pois bem, Miles Davis não. Traiu sua origem e seu destino, foi contemporâneo dos Beatles e influenciou os Rolling Stones e chegou a se apresentar em festivais de rock and roll. Doou a alma para os solos de trumpete nas canções de bossa nova com Antonio Carlos Jobin. Quando coloquei o disco de Miles na vitrola, achei o som muito louco e todos os movimentos pareciam iguais, até que meu ouvido foi se acostumando com aquilo e entraram os acordes de Uma Noite na Tunísia. Eu nunca mais ouvi jazz da mesma maneira.
Muitos anos depois, o velho ator Clint
Eastwood dirigiu seu primeiro longa de sucesso,
um filme chamado Bird, que
contava a história fatídica de Charlie Parker (apelido Bird). Nele aparece o
autor d'Uma Noite na Tunisia, Dizzy Gillespie, junto com toda a velha guarda,
excursionando pelo interior dos Estados Unidos, mostrando como tentaram
introduzir o jazz na Califórnia e como não foram bem sucedidos, basicamente por
que os californianos não admitiam drogas de qualquer espécie, com algum
desconto para o álcool, veja que loucura, se compararmos com os dias de hoje.
Em todas as apresentações, o carro chefe era nossa famosa Noite. Já bem velho, passado dos oitenta, Dizzy
Gillespie foi a Cuba. Mandou o governo norte americano à m**** e disse que não
morreria sem conhecer a terra de Arturo Sandoval, então seu discípulo
preferido. E ainda acrescentou "Se não me deixarem voltar para minha casa
na Carolina do Sul, melhor ainda, assim acabo meus dias bebendo rum deitado nas
areias das praias caribenhas". Pois alguém fez
um documentário sobre essa visita, onde o mestre aparece contando várias
passagens, inclusive como foi composta a Noite, na verdadeira Tunísia, no ano de
1941, quando os jazzistas eram mais valorizados em Paris ou Londres do que em
Nova Yorque. Numa fugida no meio da semana, eles foram para Tunis, acompanhando músicos que já estavam
virando muçulmanos, como parte da estratégia de combate ao racismo. Então Dizzy
teve a inspiração e compôs a música mais famosa do mundo do jazz negro. Creio que seja o maior sucesso da música norte
americana, só comparável a Over the Rainbow, com a diferença que esta é um
conto de fadas branco, enquanto Uma Noite foi uma aventura verdadeira. Não há
músico importante no mundo inteiro que já não a tenha gravado ou pelo menos
tocado em algum show.
Era só isso o que se tinha para falar da
Tunísia? Não. Acho que todos gostariam de saber que foi importante província do
império romano, até ser conquistada pelos árabes de Maomé. Mandou gentes para a
colonização da Andaluzia, na atual Espanha. Depois caiu na escuridão do domínio
turco e da barbárie do império otomano, até ser libertada pelos franceses. Com a "independência", tornou-se mais um país islâmico dominado
por líderes fundamentalistas religiosos. Que acabam virando ditadores
sanguinários. Em boa hora o mundo tomou
conhecimento das revoltas populares que agitaram aquele pequeno país. Foi o
início da "primavera árabe". Tomara que acabe tudo bem para aquele povo tão bonito e especal, lindas mulheres negras com a pele macia de uma sueca, homens viris acostumados ao trabalho pesado, sem nenhuma gordura ocidental extra, ai ai ai, o que vão pensar meus leitores. Esclareço de antemão que não estou interessado. Prefiro as bochechas do Gisllepie...
Aqui, vai uma tentativa de tradução livre da complicada composição, procurando mais o sentido do poema do que a expressão literal de cada palavra.
A lua é a mesma lua sobre você
Incandescente luz de noite fresca
Pois o brilho da noite na Tunisia
Nunca brilha de forma a lhe agredir o olhar.
As estrelas incendeiam o céu
Mas só o verdadeiramente sábio entende
Que o brilho na noite da Tunisia
Serve de guia na travessia do deserto.
Palavras falham ao contar um conto
Exótico demais para ser contado
Cada noite é uma noite mais funda
Trazida do mundo de distantes eras.
As rotinas parecem desaparecer
No entardecer do fim de cada dia
Mais uma noite maravilhosa na Tunisia
Completamente preenchida com a paz.
(Dizzy
Gillespie - 1941)
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