No começo dos
anos setenta o artista maluco-beleza RAUL SEIXAS fazia o maior sucesso,
aparecendo em todos os programas de auditório na televisão e vendendo discos como ninguém antes ousara fazê-lo. Sua
canção estava calçada na revolta e seu mote era o descontentamento com o estado
geral das coisas. Só que, ao invés de falar de forma sofisticada e indireta, como faziam outros artistas intelectuais como Luis Gonzaga Junior,
a mensagem de Raul ia direto ao ponto, denunciado a hipocrisia, o falso
moralismo e a sensação de oportunismo classista da elite brasileira, frente à
realidade do regime militar anacrônico e opressor. Tempos de liberdade e juventude que se tinham
anunciado na voz rouca de Bob Dylan, afirmando que a verdade é tão simples que
sopra no vento e que iria varrer do mundo o infortúnio, a miséria e a solidão, haaaa, tais tempos e ventos nunca sopraram por aqui.
Enquanto Gonzaguinha
desdenhava a classe média que apoiava o regime militar, cantando que no juízo
final ela iria ganhar um fusca como prêmio de bom comportamento, Raul Seixas se
deliciava em gozar a mesma classe média nos programas populares de auditório da
TV. "Ouro de
Tolo" foi o maior sucesso de 1973: "Eu devia estar feliz pelo
Senhor / Ter me concedido o domingo / Prá ir com a família ao Jardim Zoológico / Dar
pipoca aos macacos, / Ah! Mas que
sujeito chato sou eu / Que não acha nada
engraçado".
Durante
os anos 60, Raul fez parte da Jovem Guarda na condição de "faz tudo"
da banda de Jerry Adriani, desde tocar guitarra até compor coisinhas sem graça
e sem conteúdo, que eram a marca registrada do cantor de grande sucesso
popular. Em depoimento no seu DVD, Zé Ramalho conta que foi ao show de Jerry na
Paraíba e percebeu aquela figura diferente dos demais integrantes do grupo,
parecendo mais sábio e mais velho, além de melhor músico, carregando as malas
da banda. Era Raul Seixas, que nunca sonhara tornar-se militante político, até
que, em 1971 conheceu o poeta Paulo Coelho, que andava metido em grupos de
discussão de valores alternativos para a sociedade, discos voadores e que tais,
coisas muito normais para os anos de chumbo, quando não se podia pensar nada a
sério, que não fosse no grande "amor pela pátria, ame-a ou
deixe-a". "Maluco Beleza" foi o divisor de aguas
entre a velha jovem guarda, que só queria dançar e namorar, e o sonho de uma
vida livre e alternativa. Ao longo de
tres anos, Raul e Paulo Coelho amadureceram as idéias que discutiam em grupos
de estudo do escritor ocultista inglês, Aleister Crowley,
outro maluco que não estava contente com o estado do planeta e pensava mudá-lo.
Já seriam umas centenas de malucos belezas, que se reuniam no Parque Lage,
no meio da mata do Jardim Botânico, Rio de Janeiro. A Polícia da
ditadura já vinha de olho neles há muito tempo, até que em 1974, pouco antes da
posse do General Geisel, o grupo lançou um manifesto convocando para um
festival filosófico musical em plena Avenida Rio Branco, onde seria lançado oficialmente o Movimento pela Sociedade
Alternativa.
Foi a última coisa que fizeram no Brasil. Presos no DOI-CODI
da Polícia do Exército, é pouco provável que não tenham sido torturados. Não
sei se foram pendurados no pau de arara, o fato é que eles nunca falaram do episódio. Em
seguida foram convidados a sair do país.
Raul realizou o sonho de morar nos Estados Unidos, esqueceu o assunto e
passou o resto da curta vida a provocar a humanidade. Morreu de cirrose
hepática em agosto de 1989, aos 44 anos de idade. Deixou um disco como "requiém", produzido pelo roqueiro Marcelo Nova, com quem correu
o país até não mais poder ficar em pé. Numa de suas últimas composições, ele se
mostra tristemente arrependido com o que fez de sua vida de loucuras e drogas.
Paulo Coelho
nunca perdoou seus torturadores nem o Brasil. Apesar dos episódios aqui narrados
não constarem de nenhum documento oficial ou material disponibilizado pelo
escritor, já vai para mais de 30 anos que mora na França, onde investe todo o
seu dinheiro. Só manteve o apartamento da família em Copacabana, apesar de ter
tanto dinheiro sobrando, a ponto de sua Fundação distribuir US$ 1 milhão por
ano em caridade e apoio a projetos sociais. Só vem ao país natal para
homenagens, algumas das quais trata com fragrante desprezo. Nas feiras
literárias internacionais, não se mistura com os Brazucas. A área que ocupa nos
stands, apenas para seus livros, costuma
ser dez ou mais vezes maior que a soma de todos os demais brasileiros. Está
regularmente na lista dos cinco mais vendidos na Europa. Há alguns anos,
recebeu no seu castelo francês o mafioso dirigente do PT, então recentemente
cassado, José Dirceu, com a desculpa que o antigo militante ia
escrever um livro sobre o primeiro governo Lula. A terra tremeu, os mares se
abriram e o céu despencou, mas dali não saiu livro algum. Talvez Paulo Coelho o
tenha demovido dos rancores que atormentam a vida dos mortais comuns.
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