sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Tango


Está comprovado que o Tango era música de "marginais e prostitutas". Esta verdade histórica já não escandaliza nem o arcebispo de Buenos Aires.   As origens também são conhecidas, a batida milongueira saudosista dos criollos vindos do pampa para tentar a sorte na capital,  idem idem para os imigrantes operários italianos e alemães. No início, estava intimamente associado ao Candombe, música dos escravos negros (sim, a Argentina também teve escravos negros, mas, isso já é outra história).  O certo é que não se tratava de música que as famílias de bem olhassem com bons olhos. A forma de dançar, por exemplo, era tão sensual que apenas as mulheres da prostituição a aceitavam, e talvez venha daí a lenda de que os gaúchos dançam homem com homem. E era verdade, pelo menos nas vilas ao longo do Rio de la Plata. Também corre como anedota a afirmação de que o bandoneon saiu da igreja para entrar na putaria. Com todo respeito, isso também é verdade, pois os imigrantes alemães praticavam seus ritos religiosos ao som desse instrumento estranho, que parece uma sanfona pequena e de fole comprido. Ele acabou substituindo a flauta, instrumento que fazia os solos nos antigos primeiros tangos.   Depois de quase um século e meio de história, o tango continua atual como nunca. Tirante os eruditos, a chamada música clássica, este é de longe o ritmo mais apreciado no mundo. Tem o Rock and Roll para garantir a máxima de que a exceção confirma a regra, mas, o Rock já serviu para tantas coisas que o balanço original dos negões do Mississipi, recolhido e abrancalhado por Elvis Presley,  já não existe.   O Tango, ao contrário, permanece o mesmo, dentro de sua diversidade histórica. Está em todos os países e não há uma cidade, das grandes às medianas, que não ostente seu clube de dança ou escola de tango. Na França cheguei a ver cartazes na pequena cidade de Numes, a capital dos perfumes, anunciando que no final do ano o casal que melhor se saísse nas pistas receberia um prêmio especial. Qual era? O mais desejado de todos, uma viagem a Buenos Aires, com curso de tango numa escola autenticamente portenha.

Há uma coleção infindável de relatos históricos e acadêmicos sobre o Tango, mas, para o apreciador leigo, é possível identificar quatro fases bem distintas na evolução desse estilo. Num primeiro momento, o Tango era apenas instrumental e animava os bailes dos subúrbios. O primeiro tango a fazer sucesso mundial foi composto num bar de Montevidéo em 1917. La Cumparsita é cercado de lendas e mistério, a começar pelo nome. Disse-me um músico argentino que se tratava de uma gíria portenha para designar a gorjeta que os músicos recebiam durante as apresentações. Também já li que era o nome que se dava às amantes infiéis, coisa aparentemente banal no mundo do tango, a ponto de receber uma gíria só para ela. Com o tempo, se escreveram vários poemas para a música, que sempre esteve em destaque, como nessa apresentação em Paris do cantor popular espanhol Julio Iglesias: 


Um dos tangos mais conhecidos,  À Media Luz ("Corrientes, 348"), é dessa fase e também foi composto em Montevideo,  vindo a  receber a famosa letra quando Carlos Gardel o lançou em 1925, para o sucesso extraordinário que faz até hoje, 87 anos depois...  





Gardel foi o responsável pela grande expansão da popularidade do Tango, que viveu seu apogeu com a obra deste uruguaio que cresceu na feira popular de El Abasto, em Buenos Aires. Sobre sua controvertida origem, ele dizia com um olho piscando maliciosamente: "Nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade". Morreu num desastre de avião em 1935, mas os argentinos seguem dizendo que ele canta cada dia melhor. No entanto, com tantos uruguaios na história do Tango, não poderia faltar mais um: Anibal Troilo. Foi o maior bandoneonista que se tem notícia, além de compositor primoroso. Ele é tão importante que seu aniversário foi oficializado como o Dia Nacional do Tango. Organizou memoráveis orquestras, ensinou Piazzolla a tocar e compôs aquele que é considerado pela crítica como o mais belo Tango de todos os tempos.




A terceira etapa corresponde ao primeiro enfrentamento real entre o tradicional e o moderno. Cansado das mesmas histórias e dos mesmos arranjos, o público aos poucos foi se afastando. Na década de 1960 o Tango estava em evidente decadência. Então surge um músico acadêmico, com origem longe de Buenos Aires (Mar del Plata), cujo pai milionário o mandou a Nova Yorque esperando que ele se transformasse num grande condutor de sinfônicas. Porém, quis o destino que ele entrasse na orquestra de Anibal Troilo para aprender a tocar a música da cidade que havia escolhido para viver. Parece que aprendeu mal, pois revolucionou o estilo de tal maneira que passou anos sendo perseguido e chingado pelos tradicionalistas, enquanto a juventude só queria saber de rock and roll.   Ele resistiu a tudo e a todos, morrendo famoso e consagrado como um dos melhores artistas de sua geração.
  


Na quarta etapa entramos há uns dez anos atrás, quando a música eletrônica tomou conta do mundo. Entre raps, fusions, funks e que tais, um grupo de músicos franceses e argentinos teve a idéia de assumir os novos acordes e ao mesmo tempo manter os instrumentos da música tradicional. Era o mundialmente respeitado Gothan Project. Agora, há uma febre de tango eletrônico correndo pelos Estados Unidos, particularmente na comunidade imigrante  latino americana, tanto que chama a atenção das grandes corporações interessadas no mercado que esses ouvintes representam. Não por acaso, a Rede Globo colocou como tema de uma de suas novelas de maior sucesso uma canção do grupo Bajofondo, onde atuam jovens músicos argentinos radicados nos Estados Unidos. Eles fazem uma música totalmente diferente,  numa nova arquitetura musical, o mesmo e velho Tango.










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