Está
comprovado que o Tango era música de "marginais e prostitutas". Esta verdade
histórica já não escandaliza nem o arcebispo de Buenos Aires. As
origens também são conhecidas, a batida milongueira saudosista dos criollos vindos do pampa para tentar a sorte na capital, idem idem para os imigrantes operários
italianos e alemães. No início, estava intimamente associado ao Candombe, música dos escravos negros (sim, a Argentina também teve escravos negros,
mas, isso já é outra história). O certo
é que não se tratava de música que as famílias de bem olhassem com bons olhos.
A forma de dançar, por exemplo, era tão sensual que apenas as mulheres da
prostituição a aceitavam, e talvez venha daí a lenda de que os gaúchos dançam
homem com homem. E era verdade, pelo menos nas vilas ao longo do Rio de la
Plata. Também corre como anedota a afirmação de que o bandoneon saiu da igreja
para entrar na putaria. Com todo respeito, isso também é verdade, pois os
imigrantes alemães praticavam seus ritos religiosos ao som desse instrumento
estranho, que parece uma sanfona pequena e de fole comprido. Ele acabou
substituindo a flauta, instrumento que fazia os solos nos antigos primeiros
tangos. Depois de quase um século e
meio de história, o tango continua atual como nunca. Tirante os eruditos, a chamada
música clássica, este é de longe o ritmo mais apreciado no mundo. Tem o Rock
and Roll para garantir a máxima de que a exceção confirma a regra, mas, o Rock
já serviu para tantas coisas que o balanço original dos negões do Mississipi,
recolhido e abrancalhado por Elvis Presley,
já não existe. O Tango, ao
contrário, permanece o mesmo, dentro de sua diversidade histórica. Está em
todos os países e não há uma cidade, das grandes às medianas, que não ostente
seu clube de dança ou escola de tango. Na França cheguei a ver cartazes na
pequena cidade de Numes, a capital dos perfumes, anunciando que no final do ano o casal que melhor se
saísse nas pistas receberia um prêmio especial. Qual era? O mais desejado de
todos, uma viagem a Buenos Aires, com curso de tango numa escola autenticamente
portenha.
Há uma coleção infindável de relatos históricos e acadêmicos
sobre o Tango, mas, para o apreciador leigo, é possível identificar quatro
fases bem distintas na evolução desse estilo. Num primeiro momento, o Tango era
apenas instrumental e animava os bailes dos subúrbios. O primeiro tango a fazer
sucesso mundial foi composto num bar de Montevidéo em 1917. La Cumparsita é
cercado de lendas e mistério, a começar pelo nome. Disse-me um músico argentino
que se tratava de uma gíria portenha para designar a gorjeta que os músicos
recebiam durante as apresentações. Também já li que era o nome que se dava às
amantes infiéis, coisa aparentemente banal no mundo do tango, a ponto de
receber uma gíria só para ela. Com o tempo, se escreveram vários poemas para a
música, que sempre esteve em destaque, como nessa apresentação em Paris do
cantor popular espanhol Julio Iglesias:
Um dos tangos mais
conhecidos, À Media Luz ("Corrientes,
348"), é dessa fase e também foi composto em Montevideo, vindo a receber a famosa letra quando Carlos Gardel o
lançou em 1925, para o sucesso extraordinário que faz até hoje, 87 anos depois...
Gardel
foi o responsável pela grande expansão da popularidade do Tango, que viveu seu
apogeu com a obra deste uruguaio que cresceu na feira popular de El Abasto, em Buenos Aires. Sobre sua controvertida
origem, ele dizia com um olho piscando maliciosamente: "Nasci em Buenos
Aires aos dois anos e meio de idade". Morreu num desastre de avião em
1935, mas os argentinos seguem dizendo que ele canta cada dia melhor. No
entanto, com tantos uruguaios na história do Tango, não poderia faltar mais um:
Anibal Troilo. Foi o maior bandoneonista que se tem notícia, além de compositor
primoroso. Ele é tão importante que seu aniversário foi oficializado como o Dia
Nacional do Tango. Organizou memoráveis orquestras, ensinou Piazzolla a tocar e compôs aquele que é
considerado pela crítica como o mais belo Tango de todos os tempos.
A
terceira etapa corresponde ao primeiro enfrentamento real entre o tradicional e
o moderno. Cansado das mesmas histórias e dos mesmos arranjos, o público aos
poucos foi se afastando. Na década de 1960 o Tango estava em evidente
decadência. Então surge um músico acadêmico, com origem longe de Buenos Aires
(Mar del Plata), cujo pai milionário o mandou a Nova Yorque esperando que ele
se transformasse num grande condutor de sinfônicas. Porém, quis o destino que
ele entrasse na orquestra de Anibal Troilo para aprender a tocar a música da
cidade que havia escolhido para viver. Parece que aprendeu mal, pois
revolucionou o estilo de tal maneira que passou anos sendo perseguido e
chingado pelos tradicionalistas, enquanto a juventude só queria saber de rock
and roll. Ele resistiu a tudo e a
todos, morrendo famoso e consagrado como um dos melhores artistas de sua
geração.
Na
quarta etapa entramos há uns dez anos atrás, quando a música eletrônica tomou
conta do mundo. Entre raps, fusions,
funks e que tais, um grupo de músicos franceses e argentinos teve a idéia
de assumir os novos acordes e ao mesmo tempo manter os instrumentos da música
tradicional. Era o mundialmente respeitado Gothan Project. Agora,
há uma febre de tango eletrônico correndo pelos Estados Unidos, particularmente
na comunidade imigrante latino
americana, tanto que chama a atenção das grandes corporações interessadas no
mercado que esses ouvintes representam. Não por acaso, a Rede Globo colocou
como tema de uma de suas novelas de maior sucesso uma canção
do grupo Bajofondo, onde atuam jovens músicos argentinos radicados nos Estados
Unidos. Eles fazem uma música totalmente diferente, numa nova arquitetura musical, o mesmo e velho Tango.
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