Lima foi
uma das primeiras cidades construídas pelos espanhóis na América do Sul. Era um
centro onde se concentravam muitas riquezas impressionantes, extraídas da cordilheira dos
Andes, roubadas do imenso império Inca, que ia das fronteiras colombianas, ao
norte, até os limites com a Patagônia, ao sul. Antes de Buenos Aires, Lima foi
elevada à condição de vice-reinado espanhol.
Até que se
descobrisse a passagem pelo Canal de Magalhães, no extremo sul, só era possível
acessar a costa peruana atravessando à pé ou à cavalo o relativamente curto
caminho que cruza o Panamá, indo do Mar do Caribe ao Oceano Pacífico. Quando
ainda não havia o famoso Canal, os navios ficavam ancorados num lado do
continente, enquanto se construíam
navios menores e outras embarcações, para navegar na outra costa. Foi nessas
condições que Pizarro, o grande matador de índios, chegou para conquistar os
Incas. Afim de garantir que suas tropas lhe seriam fiéis, mandou queimar as
caravelas ancoradas no litoral do caribe panamenho, episódio tão insano quanto
corajoso. Daí veio a expressão "queimar os navios", para significar
desprendimento total por uma causa ou missão.
Don Eduardo Granda San Bartolomé era um cidadão da alta sociedade da capital
Peruana, descendente dos primeiros colonizadores espanhõis. Cavalheiro de fina
estampa, como o classificaria mais tarde sua filha Maria Izabel, num poema que
o descrevia com as fantasias da sua infância, relembrando seu sorriso
arrebatador debaixo do elegante chapéu, capaz de encantar os gerâneos,
magnólias e cravos, enquanto o distinto senhor caminhava pelos páteos e calçadas da velha Lima. Este
cavalheiro se apaixonou por uma negra, algo completamente condenável no mundo
em que vivía. Fugindo dos preconceitos, foi administrar uma mina de ouro a
4.600 metros de altitude, na região de Apurimac. Ali nasceu Maria Izabel,
aquela que viria ser a mais completa artista peruana de sua geração.
Ainda
criança, voltou para Lima com a familia, instalando-se no distrito de Barranco,
hoje famoso por sua vida boêmia, mas, na altura dos anos 1930 era o bairro da
burguesía, onde a elite havia construido suas mansões, entre alamedas
ajardinadas à francesa, perto das melhores praias da costa limenha. Ali Maria
Izabel estudou no melhor colégio e começou a cantar no coro. Tinha voz de
soprano, característica que foi perdendo com o tempo, até que uma cirurgia de
garganta a transformou em contralto, com voz mais grave que a média das
cantoras deste naipe. Quando começou a atuar profissionalmente, deu a si mesma
o apelido de Chabuca, por razões familiares, conservando o sobrenome Granda, de
seu pai.
Não chegou a ser tão virtuosa como sua contemporânea Yma Sumac, a cantora Quetchua que levou ao mundo a música dos varios Perus, o canto índio da pampa andina, da amazônia, dos negros do litoral, o carnavalito do deserto ao sul, brilhando intensamente nos Estados Unidos por mais de cinquenta anos. Yma Sumac é comparável, em talento, a Maria Callas ou Ella Fitzgerald. Não, Chabuca não chegava perto dos recursos vocais de Yma, mas foi excelente intérprete, principalmente de suas próprias canções, cujas letras são magníficos poemas.
Não chegou a ser tão virtuosa como sua contemporânea Yma Sumac, a cantora Quetchua que levou ao mundo a música dos varios Perus, o canto índio da pampa andina, da amazônia, dos negros do litoral, o carnavalito do deserto ao sul, brilhando intensamente nos Estados Unidos por mais de cinquenta anos. Yma Sumac é comparável, em talento, a Maria Callas ou Ella Fitzgerald. Não, Chabuca não chegava perto dos recursos vocais de Yma, mas foi excelente intérprete, principalmente de suas próprias canções, cujas letras são magníficos poemas.
Chabuca
tentou seguir o destino de todas as mulheres da alta classe, o papel de respeitável dama da sociedade. Casou-se com
um empresario brasileiro e teve tres filhos, no entanto, sentía falta dos
amigos artistas e da vida nos palcos, atividades que lhe eram proibidas por seu
ciumento marido, o que a fazia muito infeliz. Quando completou o décimo ano de
matrimõnio, mal havia completado 32 anos de idade, cheia de vida e tesão, encheu-se
de coragem e pediu o divórcio, mudando completamente sua vida. Escândalo na sociedade limenha, que Chabuca
compensou com dedicação total à sua arte.
Não sei dizer por que razão, e talvez razões não tenham tanta
importância, a partir daí Chabuca assumiu seu lado sensual, deixando um pouco
de lado os poemas e canções que descreviam a sua vivência alegre e tranquila de
moça rica no distrito de Barranco, tão bem espelhada na canção Fina Estampa.
O balançar das
cadeiras da mulata, caminhando pelas ruas de Lima, o jogo de sedução que
antecede o toque sensual dos corpos em ebulição erótica entre uma branca e um
negro, o despertar da sexualidade da menina pobre, filha de pescadores, o
romance secreto e proibido, que vira juramento entre o moço rico e a criolla empregada da familia, toda a
sensualidade da alma popular peruana vira assunto nas canções de Chabuca
Granda. Essas composições inspiradas nos costumes populares, principalmente
negros e criollos, fez enorme sucesso
e foram gravadas pelos mais conceituados intérpretes do mundo hispánico.
Infelizmente o Brasil está de costas para seus vizinhos e não conhece nada
desse interesante mundo latino. Este nosso isolamento é apenas
mais uma grave deficiência cultural. Nos demais países da América Latina e na
própria Espanha, Chabuca Granda é nome popular bem conhecido. Se entrarmos no
site Youtube, vamos verificar que é tocada até em programa de calouros na
Argentina, canta na televisão mexicana, é interpretada por artistas do porte de
Paco de Lucia. Também
não sabe quem é? Bem, neste caso, só
tomando um Pisco.
Muito bom, Laercio! Tanta riqueza na cultura latinoamericana, e o Brasil, como bem dissestes, de costas pra esse mundão...
ResponderExcluirLindo Laércio, mas para mim a mais linda gravação desta música é do maravilhoso Tenor Peruano Juan Diego Florez, que em minha opnião é o melhor Tenor do mundo na atualidade. Contratado do Metropolitan Opera House: http://www.youtube.com/watch?v=nJ4pEd1qWZk
ResponderExcluirUm Abraço
André Franzoni Alexandre