sábado, 4 de fevereiro de 2012

Guarânia


Tudo que vem do Paraguai hoje é apresentado como produto de segunda linha, contrabando ou pirataria. Mas, nem sempre foi assim. Antes da grande guerra contra as forças conjuntas de Brasil, Argentina e Uruguai, o Paraguai era modelo de progresso na América do Sul.  Por volta de 1860, sua classe dirigente tivera um século de sossego para preparar o país depois da expulsão dos Jesuítas; e pretendiam transformá-lo numa sub-potência industrial na América do Sul. Isso preocupou sobremaneira o imperialismo britânico, então dominante, a ponto deles convocarem seus governos subalternos no Brasil e Argentina, para executarem um golpe de estado no Uruguai, fechando as portas para as exportações paraguaias. O porto de Montevideo era a única forma do Paraguai transportar seu excedente agrícola e a desejada produção industrial, através dos rios Paraguay e Paraná, desembocando no estuário do Rio de La Plata, por onde as mercadorias ganhavam o Atlântico. Foi um duro golpe, mas, pior que isso, a guerra desencadeada pela impaciência paraguaia foi uma desgraça para o país. Dos 370 mil mortos em cinco anos de combates, 300 mil eram paraguaios. Por muito tempo o país ficou prostrado, sem força de trabalho e sem auto-estima, dominado por lacaios locais do reino do Brasil.

Muito tempo depois da derrocada, a primeira guerra mundial deu um alívio e o país voltou a ensaiar algum progresso.   Naquele curto período de crescimento, entre 1915 e 1930, aconteceu um momento histórico único, comparável ao evento do nascimento da "bossa nova" no Brasil.  Foi o movimento artístico e intelectual que gerou um novo ritmo para representar a alma guarani, em substituição à Polca. Eram os novos tempos da Guarânia, ritmo moderno para substituir o ancestral guarani em favor da poesia castelhana. A Guarânia foi inventada para que os intelectuais paraguaios pudessem enfrentar a tentativa da RCA argentina de se apropriar da polca paraguaia, nomeando a música que se fazia em Corrientes com o novo nome de Chamamé.  Foi uma goleada de dez a zero em favor da nova Guarânia, que tomou o mundo de assalto, inclusive as terras brasileiras.

A dupla sertaneja Cascatinha e Inhana especializou-se em Guarânias e sua gravação compacto-simples da música "India" vendeu 300 mil cópias em um ano. Uma marca impressionante para a época, mais de 60 anos atrás. Infelizmente, a qualidade literária da versão é um espanto de mal gosto. A canção, que originalmente homenageia a mulher guarani, tratando-a como uma deusa das matas de Guaira, na versão brasileira entra em detalhes não só vulgares como questionáveis, exibindo intimidades inexistentes, como no trecho  "fica nos meus braços só mais um instante, deixa os meus lábios se unirem aos seus". Ridículo!  Abaixo, se pode  ver  a versão original da canção. 




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