quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Vandré em Floripa


Já  faz  tanto  tempo  decorrido  daquele  almoço  que eu nem  conseguia situá-lo no
contexto  histórico  de  minha  vida em Florianópolis.  Só  depois de uma googleada  
foi que li a informação que Adolfo Luiz Dias falecera em 1999, então, se foi isso, aquele encontro se deu em 1996 ou 97.  Adolfo havia se tornado meu amigo por causa de nossa militância política no início dos anos 80, eu no PT e ele no PMDB, embora concordássemos em quase tudo. Ele foi o primeiro presidente do DCE livre da UFSC, que ressurgia dos anos de chumbo da ditadura. Destacou-se como liderança política da cidade, atravessando os anos do contraditório governo Figueiredo, que prometia “prender e arrebentar” quem fosse contra a abertura política prometida por Geisel, mas, tendo vindo do SNI, nada fez em várias ocasiões nas quais essa abertura se viu ameaçada pela atuação de órgãos de segurança do regime militar, inclusive no famoso atentado ao Rio Centro, já em 1982.   Adolfo foi o principal articulador da “Novembrada” de 1979, episódio histórico que levou a população de Floripa a rejeitar e expulsar o presidente Figueiredo e seus ministros. Por isso, o líder estudantil foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional.

Passada a tempestade, Adolfo se viu formado em Direito e sem nenhuma vontade de colocar um terno e passar os dias no Fórum da Capital.  Sendo militante graduado do então clandestino Partido Comunista Brasileiro, seu destino natural era a política, o que de fato tentou, concorrendo à câmara de vereadores da capital, mas, qual o quê, também demonstrou pouco apetite para as tarefas que competem a um político de sucesso, como apertar mãos e subir morros atrás de votos.  Tentou a literatura e a boemia. Passava as madrugadas no Armazém Vieira, reduto de intelectuais onde sua companheira atuava como garçonete. Ali fez amizade com todo mundo, menos os escritores com quem pretendia conviver. Talvez não tivesse carisma ou elegância suficiente. Quem gostava muito dele era o veterano músico Luiz Henrique Rosa,  diretor artístico, com quem Adolfo e sua mulher pegavam carona ao final do expediente, até a noite terrível em que o carro em que estavam foi abalroado por uma Brasília bêbada, na subida do Pantanal, matando o ex-namorado de Barbra Streisand e ferindo gravemente o casal caroneiro. 

Seus antigos companheiros progrediam e tornavam-se senadores, deputados, secretários de governo, etc, mas não consta que ele lhes tenha pedido ajuda ou que esta lhe tenha sido oferecida. Na eterna procura, partiu para os concursos públicos, até passar como técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral.  Foi nomeado para a comarca de Imbituba, onde trabalhou até descobrir um tumor cerebral que o levou em poucos meses, quando finalmente tinha encontrado seu caminho, já chegado aos quarenta anos. Vá se entender a vida!

Naquele dia, uns dois anos antes da fatídica descoberta,  eu entrei no restaurante árabe e vi Adolfo sentado numa mesa aos fundos, na companhia de um velho magérrimo. Não iria atrapalhar o almoço dos dois, mas, quando me viu, Adolfo abriu seu sorriso de anjo inocente e chamou-me para a mesa.  Eu o cumprimento: “Olá, Adolfo, quanto tempo! Como está a vida?”. Ele me respondeu que “Vai se levando, o trabalho é leve. O bom é que uma vez por mês venho à Floripa para uma reunião.” E completou “Quero te apresentar um amigo que está morando em Imbituba e você não vai acreditar quem é.” Logo pensei em algum líder histórico comunista, mas, precavido, apenas sorri e estendi a mão ao senhor de barbas brancas, que ficou ligeiramente ruborizado e fez um gesto como a pedir desculpas, enquanto Adolfo anunciava: “Geraldo Vandré”. 

   

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