Já faz tanto
tempo decorrido daquele almoço que
eu nem conseguia situá-lo no
contexto histórico de minha vida em Florianópolis. Só depois
de uma googleada
foi que li a informação
que Adolfo Luiz Dias falecera em 1999, então, se foi isso, aquele encontro se
deu em 1996 ou 97. Adolfo havia se
tornado meu amigo por causa de nossa militância política no início dos anos 80,
eu no PT e ele no PMDB, embora concordássemos em quase tudo. Ele foi o primeiro
presidente do DCE livre da UFSC, que ressurgia dos anos de chumbo da ditadura.
Destacou-se como liderança política da cidade, atravessando os anos do
contraditório governo Figueiredo, que prometia “prender e arrebentar” quem
fosse contra a abertura política prometida por Geisel, mas, tendo vindo do SNI,
nada fez em várias ocasiões nas quais essa abertura se viu ameaçada pela
atuação de órgãos de segurança do regime militar, inclusive no famoso atentado
ao Rio Centro, já em 1982. Adolfo foi o principal articulador da
“Novembrada” de 1979, episódio histórico que levou a população de Floripa a
rejeitar e expulsar o presidente Figueiredo e seus ministros. Por isso, o líder
estudantil foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional.
Passada a tempestade, Adolfo
se viu formado em Direito e sem nenhuma vontade de colocar um terno e passar os
dias no Fórum da Capital. Sendo
militante graduado do então clandestino Partido Comunista Brasileiro, seu
destino natural era a política, o que de fato tentou, concorrendo à câmara de
vereadores da capital, mas, qual o quê, também demonstrou pouco apetite para as
tarefas que competem a um político de sucesso, como apertar mãos e subir morros
atrás de votos. Tentou a literatura e a
boemia. Passava as madrugadas no Armazém Vieira, reduto de intelectuais onde
sua companheira atuava como garçonete. Ali fez amizade com todo mundo, menos os
escritores com quem pretendia conviver. Talvez não tivesse carisma ou elegância
suficiente. Quem gostava muito dele era o veterano músico Luiz Henrique Rosa, diretor artístico, com quem Adolfo e sua mulher pegavam carona ao
final do expediente, até a noite terrível em que o carro em que estavam foi
abalroado por uma Brasília bêbada, na subida do Pantanal, matando o ex-namorado
de Barbra Streisand e ferindo gravemente o casal caroneiro.
Seus antigos companheiros progrediam e tornavam-se senadores, deputados,
secretários de governo, etc, mas não consta que ele lhes tenha pedido ajuda ou
que esta lhe tenha sido oferecida. Na eterna procura, partiu para os concursos
públicos, até passar como técnico judiciário do Tribunal Regional
Eleitoral. Foi nomeado para a comarca de
Imbituba, onde trabalhou até descobrir um tumor cerebral que o levou em poucos
meses, quando finalmente tinha encontrado seu caminho, já chegado aos quarenta
anos. Vá se entender a vida!
Naquele dia, uns dois anos
antes da fatídica descoberta, eu entrei
no restaurante árabe e vi Adolfo sentado numa mesa aos fundos, na companhia de
um velho magérrimo. Não iria atrapalhar o almoço dos dois, mas, quando me viu,
Adolfo abriu seu sorriso de anjo inocente e chamou-me para a mesa. Eu o cumprimento: “Olá, Adolfo, quanto tempo!
Como está a vida?”. Ele me respondeu que “Vai se levando, o trabalho
é leve. O bom é que uma vez por mês venho à Floripa para uma reunião.” E
completou “Quero te apresentar um amigo que está morando em Imbituba e você não
vai acreditar quem é.” Logo pensei em algum líder histórico comunista, mas, precavido,
apenas sorri e estendi a mão ao senhor de barbas brancas, que ficou
ligeiramente ruborizado e fez um gesto como a pedir desculpas, enquanto Adolfo
anunciava: “Geraldo Vandré”.
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