domingo, 5 de fevereiro de 2012

Concierto de Aranjuez


Quando Guga venceu pela última vez o torneio Roland Garros, eu estava de férias na Espanha e assistia as partidas nos balcões das tabernas e botecos. Quanto mais corriam os dias, mais um adversário vencido, até que chegou a grande final, contra um espanhol. Eu me sentia orgulhoso quando, de forma anônima, ouvia os espanhóis comentando "Mas este guri é um monstro. De onde veio?", perguntava um. O outro respondia "Dizem que é brasileiro, mas, com esse nome, deve ser alemão". Eles não têm a menor ideia de que nosso país é essa federação de cores e culturas. 

Eu disse para minha companheira de viagem "Vamos a Paris, ver a partida final". E ela respondia que não, que já se tinha programado para as touradas de Granada e a visita à Allambra, que tinham datas pré-marcadas. "O que é um monumento muçulmano e uma matança de touros, diante da glória de um patrício no principal torneio de tenis do mundo?". Mas, ela ficou irredutível e, como sempre, a última palavra foi minha: "Sim, querida". Então, no dia da decisão, nossa programação previa uma visita a Aranjuez.

A pequena cidade de Aranjuez está a 50 km de Madrid, na direção de Toledo. Foi construída como palácio de verão da família real, durante o reinado de Felipe II, período em que a Espanha se tornou a maior potência econômica e militar do ocidente, graças às riquezas provenientes de suas colônias  Foi o primeiro império onde o sol não se punha jamais. Aranjuez foi concebida para o prazer, com suas alamedas coloridas por florestas de intenso brilho, mesmo no inverno,  seus dois rios que cruzam as campinas verdes abrigam em suas margens as haciendas das famílias nobres e ricas da corte madrilenha. Até o Palácio Real está comodamente harmonizado com o ambiente local, aberto, sem paredões nem muros de proteção, parece até que podemos, de repente, apreciar o próprio Rei caminhando por seus canteiros de flores.

A Espanha é um centro artístico por excelência, tanto plásticas quanto musicais. O "Concierto de Aranjuez" ocupa um lugar de destaque na coleção dos admiradores da música ibérica. Seu autor é Joaquim Rodrigo, compositor e músico já famoso quando foi morar em Paris fugindo da guerra civil. Lá, tomou conhecimento do bombardeio aéreo sobre a pequena comunidade de Guernica, situada em meio às montanhas do país basco. Diante do absurdo,  e perplexo, o grande compositor começou a vislumbrar os acordes tristes da canção, que levou dois anos para terminar. O mundo inteiro se escandalizou com o ato sanguinário nazista, que serviu a Hitler como teste de suas armas preparadas para a guerra que se anunciava, tanto quanto ao General Franco, beneficiário da extrema violência cometida contra uma cidade pacata e inocente, ato que foi utilizado para demonstrar a seus adversários até onde suas forças poderiam chegar. Uma das obras mais conhecidas de Pablo Picasso é justamente a pintura que fez, inspirado naquela tragédia. Consta que quando foi preso em Paris, para onde também fugiu e nunca mais voltou para a Espanha, os interrogadores nazistas  lhe perguntaram, apontando uma foto do quadro já famoso: "Foi você que fez isto?". Picasso teria respondido, "Não, eu apenas pintei, quem fez foram vocês." 

O concerto se estende por três partes bem delimitadas,  

Allegro con spirito,      
Adagio  e 
Allegro gentile, 

sendo que a segunda parte, a mais melodiosa, transformou-se num best seller internacional, desde que foi gravada isoladamente como canção popular nos anos sessenta e obteve grande sucesso de público, o que normalmente peças eruditas não atingem. 
Em seguida, centenas de intérpretes a fizeram correr o mundo. 
Aqui, Andrea Bocelli canta um trecho.  


Dentro de cada movimento em particular, a orquestra evolui por ondas assimétricas, ora suaves como as águas correndo pelas drenagens naturais retiradas do Rio Tejo para abastecer os jardins, ora estremecendo cordas e sopros, na suposição de um súbito baque de nova bomba incendiária. A estréia deu-se em 1940 no Palácio da Música Catalã, em Barcelona, a única província capaz de impor ao regime central de Madrid tamanha prova de autonomia e coragem, tendo em vista as condições políticas vigentes e a representatividade da obra. Para compensar os anos de penúria, Joaquim Rodrigo foi nomeado Marquês de Aranjuez pelo Rei Juan Carlos II. O compositor tinha então 90 anos de idade. Viveu até os 98, tendo, portanto, usufruído 8 anos de nobreza.  Não sei se aproveitou muito.     






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