quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Música Fácil


Geralmente dizemos que uma música é fácil quando economiza nas notas e variações. Quase sempre classificamos assim as canções populares, de preferência entoadas de modo pouco criativo. Quando a ouvimos pela primeira vez, o seu entoar já nos parece familiar e facilmente a decoramos. A maioria dos artistas e compositores consideram essas características como pobres, apelativas e vulgares.
Ou seja: música fácil é sinônimo de música ruim.  Será?  Vejamos um exemplo que desfaz totalmente este pré conceito. Imagine uma canção cujos primeiros oito compassos sejam todos na mesma nota. Depois entra uma segunda nota, repetida ao longo dos próximos quatro compassos, daí voltamos à nota inicial por mais quatro compassos. À princípio, isso soaria como um bate-estacas. E se dissermos que é assim uma das canções brasileiras de maior sucesso em todos os tempos, particularmente entre as audiências mais intelectualizadas? E que foi gravada por centenas de músicos de todo o mundo? E que atingiu o posto número um da parada de sucessos da Billboard, a mais respeitada dos Estados Unidos? Não há quem não fique curioso para saber de quem é essa façanha. Pois eu lhes digo: trata-se de um dos primeiros sucessos mundiais do maestro Antonio Carlos Brasileiro Jobim. Ouçam com um famoso cantor norte americano:


Há outro compositor brasileiro que ficou associado a músicas de grande sucesso e apelo popular, embora na  juventude fosse complicado e marrento. Não sem motivos, pois era filho de uma dançarina de cabaré com o rei do baião, Luiz Gonzaga. O Rei pouco se interessou pela criança, apesar de ter lhe concedido  o nome. A mãe doou o futuro poeta para uma família do Morro de São Carlos, centro do Rio de Janeiro. ("Ô, Dina, seu menino desceu São Carlos, tomou um sonho e partiu").  Morreu com pouco mais de quarenta anos, quando um fazendeiro barbeiro (ou bêbado) atravessou com sua caminhonete a pista de uma BR, colidindo com o carro onde estava Luiz Gonzaga Júnior, que se dirigia ao aeroporto de Foz do Iguassu para embarcar num vôo que o traria a Floripa, para mais um show. Ele vivia em tournés pelo Brasil e onde fosse, fazia imenso sucesso com suas músicas de grande inspiração poética e fáceis de decorar, senão vejamos:


Por acaso, falta qualidade nestes dois exemplos anteriores? E, no entanto, são extremamente fáceis. É o caso de alguns artistas considerados malditos, imediatamente identificados como complicados e difíceis. Vamos citar apenas tres, para não cansar os leitores. O primeiro deles é o maldito dos malditos, apelido Nego Cascavé, de tão maldito que era. Nasceu em Tietê (SP) e foi com o pai colher café no norte do Paraná, onde tentou ser jogador de futebol (!). Sua banda chamava-se Isca de Polícia, em homenagem à madrugada em que resolveu descer para tomar um café com os colegas do estúdio onde gravavam no centro de São Paulo. Foram parados pela polícia que, olhando para os músicos, disse para o único negro do grupo: "E você aí, negão? Cê tem cara de bandido, heim? Cadê os documentos?". Até seu fim precoce, devido a um câncer descoberto muito tarde, levou no peito a mágoa do preconceito. Mas fez maravilhas com o violão, baixo,  guitarra e sua iluminada cabeça de compositor difícil e irônico. Ouçam Itamar Assunpção:

Até o nome de Arrigo Barnabé é complicado. A maior cidade do norte do Paraná era pequena demais para seu talento, então, foi tentar a sorte em Curitiba, levando na bagagem uma ópera como nunca se viu, misturando sons eletrônicos do rock and roll com estranhos acordes atonais, que mandavam às favas a escala musical e suas oitavas para cima ou para baixo. Chamava-se "Clara Crocodilo" e foi estrondosamente vaiada no Teatro Guaíra, rejeitada pela conservadora classe média curitibana. Então, foi embora com Itamar Assumpção para São Paulo. Algum tempo depois, já consagrado artista admirado principalmente por outros artistas, voltou a Londrina a passeio e foi entrevistado na TV local: "Arrigo, qual é a sua relação com Londrina, sua cidade natal?" Ele respondeu na tampa: "Só venho aqui visitar parentes. Se eu tivesse ficado aqui, não teria acontecido nada. Vocês gostam mesmo é de artistas da Globo."  Estenda essa realidade para o Brasil inteiro e vamos compreender por que o nosso Arrigo não faz sucesso popular, apesar de também ter canções fáceis, que agradam a qualquer público.


Finalmente vamos citar um baiano, fundador da Tropicália, que foi para São Paulo antes de Caetano e Gil por que, a exemplo de Raul Seixas, era considerado um extra terreste por seus pares baianos. Passadas décadas laborando em São Paulo, resolveu voltar a plantar feijão no interior da Bahia, depois que nem sua própria banda compareceu a um show que faria num bairro na capital paulista. Naquele exato momento histórico, o lider do grupo de rock Talking Heads ouviu um disco seu em Londres e veio ao Brasil para conhecê-lo. Produziu para ele um novo album e o lançou no mercado internacional. Não foi daquela vez que a pequena Irará recebeu de volta seu ilustre filho, Tom Zé.

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