Geralmente dizemos que
uma música é fácil quando economiza nas notas e variações. Quase sempre
classificamos assim as canções populares, de preferência entoadas de modo pouco
criativo. Quando a ouvimos pela primeira vez, o seu entoar já nos parece
familiar e facilmente a decoramos. A maioria dos artistas e compositores
consideram essas características como pobres, apelativas e vulgares.
Ou seja: música fácil é
sinônimo de música ruim. Será? Vejamos um exemplo que desfaz totalmente este
pré conceito. Imagine uma canção cujos primeiros oito compassos sejam todos na
mesma nota. Depois entra uma segunda nota, repetida ao longo dos próximos
quatro compassos, daí voltamos à nota inicial por mais quatro compassos. À
princípio, isso soaria como um bate-estacas. E se dissermos que é assim uma das
canções brasileiras de maior sucesso em todos os tempos, particularmente entre
as audiências mais intelectualizadas? E que foi gravada por centenas de músicos
de todo o mundo? E que atingiu o posto número um da parada de sucessos da Billboard, a mais respeitada dos Estados
Unidos? Não há quem não fique curioso para saber de quem é essa façanha. Pois
eu lhes digo: trata-se de um dos primeiros sucessos mundiais do maestro Antonio
Carlos Brasileiro Jobim. Ouçam com um famoso cantor norte americano:
Há outro compositor brasileiro que
ficou associado a músicas de grande sucesso e apelo popular, embora na juventude fosse complicado e marrento. Não sem
motivos, pois era filho de uma dançarina de cabaré com o rei do baião, Luiz Gonzaga. O Rei
pouco se interessou pela criança, apesar de ter lhe concedido o nome. A mãe doou o futuro poeta para uma
família do Morro de São Carlos, centro do Rio de Janeiro. ("Ô, Dina, seu menino desceu São Carlos, tomou um sonho e
partiu"). Morreu com pouco mais
de quarenta anos, quando um fazendeiro barbeiro (ou bêbado) atravessou com sua
caminhonete a pista de uma BR, colidindo com o carro onde estava Luiz Gonzaga
Júnior, que se dirigia ao aeroporto de Foz do Iguassu para embarcar num vôo que
o traria a Floripa, para mais um show. Ele vivia em tournés pelo Brasil e onde
fosse, fazia imenso sucesso com suas músicas de grande inspiração poética e
fáceis de decorar, senão vejamos:
Por acaso, falta qualidade nestes dois exemplos anteriores? E, no
entanto, são extremamente fáceis. É o caso de alguns artistas considerados malditos, imediatamente identificados
como complicados e difíceis. Vamos citar apenas tres, para não cansar os
leitores. O primeiro deles é o maldito dos malditos, apelido Nego Cascavé, de tão maldito que era.
Nasceu em Tietê (SP) e foi com o pai colher café no norte do Paraná, onde
tentou ser jogador de futebol (!). Sua banda chamava-se Isca de Polícia, em
homenagem à madrugada em que resolveu descer para tomar um café com os colegas
do estúdio onde gravavam no centro de São Paulo. Foram parados pela polícia
que, olhando para os músicos, disse para o único negro do grupo: "E você aí, negão? Cê tem cara de
bandido, heim? Cadê os documentos?". Até seu fim precoce, devido a um câncer
descoberto muito tarde, levou no peito a mágoa do preconceito. Mas fez
maravilhas com o violão, baixo, guitarra
e sua iluminada cabeça de compositor difícil
e irônico. Ouçam Itamar Assunpção:
Até o nome de Arrigo Barnabé é complicado. A
maior cidade do norte do Paraná era pequena demais para seu talento, então, foi
tentar a sorte em Curitiba, levando na bagagem uma ópera como nunca se viu,
misturando sons eletrônicos do rock and roll com estranhos acordes atonais, que
mandavam às favas a escala musical e suas oitavas para cima ou para baixo.
Chamava-se "Clara Crocodilo" e foi estrondosamente vaiada no Teatro
Guaíra, rejeitada pela conservadora classe média curitibana. Então, foi embora
com Itamar Assumpção para São Paulo. Algum tempo depois, já consagrado artista
admirado principalmente por outros artistas, voltou a Londrina a passeio e foi
entrevistado na TV local: "Arrigo, qual é a sua relação com Londrina, sua
cidade natal?" Ele respondeu na tampa: "Só
venho aqui visitar parentes. Se eu tivesse ficado aqui, não teria acontecido
nada. Vocês gostam mesmo é de artistas da Globo." Estenda essa realidade para o Brasil inteiro e
vamos compreender por que o nosso Arrigo não faz sucesso popular, apesar de também
ter canções fáceis, que agradam a qualquer público.
Finalmente vamos citar um baiano,
fundador da Tropicália, que foi para São Paulo antes de Caetano e Gil por que,
a exemplo de Raul Seixas, era considerado um extra terreste por seus pares
baianos. Passadas décadas laborando em São Paulo, resolveu voltar a plantar
feijão no interior da Bahia, depois que nem sua própria banda compareceu a um
show que faria num bairro na capital paulista. Naquele exato momento histórico,
o lider do grupo de rock Talking Heads ouviu um disco seu em Londres e veio ao
Brasil para conhecê-lo. Produziu para ele um novo album e o lançou no mercado
internacional. Não foi daquela vez que a pequena Irará recebeu de volta seu
ilustre filho, Tom Zé.
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