sábado, 4 de fevereiro de 2012

Onde o Brasil foi Paraguai

Travessia do Rio Paraguai, no meio do Pantanal, via Estrada Parque

Em 1965 eu tinha quatorze anos de idade, quando meu pai me falou (não, não se preocupem, não vou plagiar o samba do Paulinho da Viola), quando meu pai me falou que a fronteira paraguaia estava em pé de guerra. Ele percorria a região de Ponta Porã, Amambai e outros pontos do hoje Mato Grosso do Sul, fazendo entregas de mercadorias para um grupo atacadista. Eu, que havia terminado tardiamente o curso primário, o acompanhava para ver se me dava bem com  aquele negócio e, se fosse o caso, preparar-me para um futuro emprego na área, assim que pudesse dirigir caminhões. Fosse só a direção, eu até toparia, mas, a questão era carregar 60 kilos nas costas, que era mais ou menos o peso médio dos sacos e fardos de mercadorias. Operação repetida umas 500 vezes por semana. Foi um período terrível, eu me fazendo de desinteressado para deixar claro que não seguiria seus conselhos e ele tentando me colocar na linha. "Será que nem pra isso você presta?" era o mínimo em termos de tratamento verbal. As sequelas ficaram para o resto da vida, mas eu fugi do destino de caminhoneiro andante. Não houve terapia que desse jeito, mas, virei analista de sistemas. Nada mal para um analfabeto funcional até os vinte anos de idade, quando o exército também não me quis, buáááááá´... Êpa, calma lá, o assunto da crônica não é esse, vamos retomar o fio da meada.  

Em 1965 fazia cem anos que havia começado a Guerra do Paraguai. E começou justamente com o Paraguai invadindo por ali o território brasileiro, avançando até Miranda, já no Pantanal, ameaçando também tomar Corumbá e Aquidauana. As tropas brasileiras que iniciaram a resistência foram fragorosamente derrotadas, no que resultou o episódio Retirada da Laguna, fugindo dos paraguaios, que conquistaram todos os territórios à oeste do Rio Miranda. O que nos salvou foi a malária e outras doenças de nossa lida, que dizimaram as tropas guaranis, pouco acostumadas a tanta água salobra e terras tão úmidas. Na verdade, o que Solano Lopes buscava era distrair as tropas imperiais brasileiras, enquanto mandava o grosso de sua força para libertar o Uruguai e abrir caminho para o mar. Hoje está claro que a Guerra do Paraguai teve muito mais a ver com a Inglaterra e seu monopólio comercial e industrial, que impedia o pequeno país sul americano de instalar sua indústria com tecnologia francesa, além de negar-lhe acesso ao mar, para exportar seus excedentes agrícolas e futura produção industrial. 

Agora, cem anos depois, a situação era bem diferente, com estradas de terra por toda parte, por onde caminhões como o nosso transportavam a riqueza.....( desde que não chovesse ). Entre as mercadoria mais procuradas, mais fáceis de vender, estavam a Farinha Nita, o Facão Guarani e a Cachaça Atitude.  Para cruzar as centenas de pontes de madeira, algumas das quais apenas em dois imensos paus serrados e atravessados de lado a lado nos pequenos rios, só mesmo tomando uma. Era o que mais se ouvia nos pontos de encontro daqueles heróis das estradas: "Vamos tomar uma Atitude, já que o governo não toma".    

Soldados do exército brasileiro estavam por toda parte, atemorizando ainda mais os pobres motoristas: "Cuidado, que os paraguaios estão querendo iniciar outra guerra". Eu achava que o negócio era pra dali à pouco e não sabia se me alegrava com a perspectiva de evento tão marcante, ou se chorava, lamentando a possível e prematura morte, tão moço. Não era uma coisa nem outra. Naquela época não existia nem estrada que ligasse Asunción à Pedro Juan Caballero, a única "cidade" do outro lado, e já tinha se passado o tempo em que tropas se deslocavam à cavalo. A alternativa de subirem o Rio Paraguai, estava descartada, pois a marinha paraguaia nunca mais se recuperou do desastre de 1870. Além disso, aquelas terras fronteiriças não foram tomadas pelo Brasil durante o conflito bélico, como muita gente pensa, e sim, através de acordo diplomático entre Portugal e Espanha, no ano 1750, quando entregamos a Província Cisplatina ( atual Uruguai, vejam vocês do que nos livramos ) e ganhamos o Mato Grosso, até a cidade de Cuyabá. Se o Paraguai agora as reivindicava de volta, que fosse reclamar ao  Papa, que foi o fiador do acordo de 1750.  

Valeu a troca? Claro que valeu! De brinde nos veio a Guarânia, ritmo que hoje embala nossa música "sertaneja universitária". Ou seja,   herdamos Bruno e Marrone. Não é nada, não é nada, ... não é nada mesmo.    O que valeu  realmente  foi  ter  herdado Almir  Sater  e  os  chamameceros........  




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