Travessia do Rio Paraguai, no meio do Pantanal, via Estrada Parque |
Em 1965 eu tinha quatorze anos de idade, quando meu pai me falou (não, não se preocupem, não vou
plagiar o samba do Paulinho da Viola), quando meu pai me falou que a
fronteira paraguaia estava em pé de guerra. Ele percorria a região de Ponta
Porã, Amambai e outros pontos do hoje Mato Grosso do Sul, fazendo entregas de
mercadorias para um grupo atacadista. Eu, que havia terminado tardiamente o
curso primário, o acompanhava para ver se me dava bem com aquele negócio
e, se fosse o caso, preparar-me para um futuro emprego na área, assim que
pudesse dirigir caminhões. Fosse só a direção, eu até toparia, mas, a questão
era carregar 60 kilos nas costas, que era mais ou menos o peso médio dos sacos
e fardos de mercadorias. Operação repetida umas 500 vezes por semana. Foi um
período terrível, eu me fazendo de desinteressado para deixar claro que não
seguiria seus conselhos e ele tentando me colocar na linha. "Será que nem
pra isso você presta?" era o mínimo em termos de tratamento verbal. As
sequelas ficaram para o resto da vida, mas eu fugi do destino de caminhoneiro
andante. Não houve terapia que desse jeito, mas, virei analista de sistemas.
Nada mal para um analfabeto funcional até os vinte anos de idade, quando o
exército também não me quis, buáááááá´... Êpa,
calma lá, o assunto da crônica não é esse, vamos retomar o fio da meada.
Em 1965 fazia cem anos que havia começado a Guerra do Paraguai. E
começou justamente com o Paraguai invadindo por ali o território brasileiro,
avançando até Miranda, já no Pantanal, ameaçando também tomar Corumbá e
Aquidauana. As tropas brasileiras que iniciaram a resistência foram
fragorosamente derrotadas, no que resultou o episódio Retirada da Laguna,
fugindo dos paraguaios, que conquistaram todos os territórios à oeste do Rio
Miranda. O que nos salvou foi a malária e outras doenças de nossa lida, que dizimaram
as tropas guaranis, pouco acostumadas a tanta água salobra e terras tão úmidas.
Na verdade, o que Solano Lopes buscava era distrair as tropas imperiais
brasileiras, enquanto mandava o grosso de sua força para libertar o Uruguai e
abrir caminho para o mar. Hoje está claro que a Guerra do Paraguai teve muito
mais a ver com a Inglaterra e seu monopólio comercial e industrial, que impedia
o pequeno país sul americano de instalar sua indústria com tecnologia francesa,
além de negar-lhe acesso ao mar, para exportar seus excedentes agrícolas e
futura produção industrial.
Agora, cem anos depois, a situação era bem diferente, com estradas de
terra por toda parte, por onde caminhões como o nosso transportavam a
riqueza.....( desde que não
chovesse ). Entre as mercadoria mais procuradas, mais fáceis de vender,
estavam a Farinha Nita, o Facão Guarani e a Cachaça Atitude. Para cruzar
as centenas de pontes de madeira, algumas das quais apenas em dois imensos paus
serrados e atravessados de lado a lado nos pequenos rios, só mesmo tomando uma.
Era o que mais se ouvia nos pontos de encontro daqueles heróis das estradas:
"Vamos tomar uma Atitude, já que o governo não toma".
Soldados do exército brasileiro estavam por toda parte, atemorizando
ainda mais os pobres motoristas: "Cuidado, que os paraguaios estão
querendo iniciar outra guerra". Eu achava que o negócio era pra dali à
pouco e não sabia se me alegrava com a perspectiva de evento tão marcante, ou
se chorava, lamentando a possível e prematura morte, tão moço. Não era uma
coisa nem outra. Naquela época não existia nem estrada que ligasse Asunción à
Pedro Juan Caballero, a única "cidade" do outro lado, e já tinha se
passado o tempo em que tropas se deslocavam à cavalo. A alternativa de subirem
o Rio Paraguai, estava descartada, pois a marinha paraguaia nunca mais se
recuperou do desastre de 1870. Além disso, aquelas terras fronteiriças não
foram tomadas pelo Brasil durante o conflito bélico, como muita gente pensa, e
sim, através de acordo diplomático entre Portugal e Espanha, no ano 1750,
quando entregamos a Província Cisplatina ( atual
Uruguai, vejam vocês do que nos livramos )
e ganhamos o Mato Grosso, até a cidade de Cuyabá. Se o Paraguai agora as
reivindicava de volta, que fosse reclamar ao Papa, que foi o fiador do
acordo de 1750.
Valeu a troca? Claro que valeu! De brinde nos veio a
Guarânia, ritmo que hoje embala nossa música "sertaneja
universitária". Ou seja, herdamos Bruno e Marrone. Não é nada,
não é nada, ... não é nada mesmo. O que valeu realmente
foi ter herdado Almir Sater e os chamameceros........
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