Canteiros de lavandas em Córdoba, Argentina. Uma expressão européia em plena América Latina.
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Certos temas são dilemas permanentes da raca humana e nunca serão
suficientemente resolvidos. Viajar só ou acompanhado, por exemplo, é um deles.
Antigamente as viagens eram tão difíceis, que praticamente se impunha um acompanhamento, até para proteção
individual através de estradas perigosas, percorridas em carruagens movidas por
tropas de burros, as quais era preciso alimentar, matar a sede e proteger do
frio nas noites de inverno, conforme li em vários relatos de viagens... Em nossa América
Latina , então, era uma aventura sem destino garantido. Hoje,
tudo é diferente e torna-se até mais fácil o travelling alone, como
prega a revista especializada australiana que vende milhões de cópias pelo
mundo, chamada Lonely Planet. Ainda
assim, há quem não suporte a solidão dos caminhos e prefira o velho ditado
“antes mal acompañado que solo”.
Outro dilema insoluble é o
estilo de viagem. Reservar hotel, sim ou não? Minha opção também é NÃO; e
explico por que.
Certa vez estava com minha mulher chegando em Bruges, na Bélgica, mas poderia perfeitamente ser Holanda. Estávamos na companhia de outro casal, eles mexicanos que encontramos no trem, e comecamos a procurar hotel, iniciando pelos mais baratos e subindo de categoria ä medida em que nao encontravamos vagas. Lá pelas tantas, já estávamos nos “quatro estrelas” e eu propus ao mexicano se poderíamos dividir um apartamento, para pelos menos baixar um pouco o custo. Ele consultou sua mulher e respondeu que nao. Vá lá saber o que se passa na cabeca de mexicanos né? Eles devem achar que brasileiros sao todos bandidos ou tarados. Para encurtar a conversa, tive que pagar 180 dólares por uma noite, sem café da manha. Se eu estivesse sozinho, simplesmente ficaria na cidade até a meia noite e picos, depois tomaria um trem para qualquer lugar, apenas para dormir, e na manha seguinte estaria de volta, tomaria um banho na estacao e estaria pronto para aproveitar a cidade. Aproveitar? Perguntariam alguns. O que uma pessoa sozinha aproveita? Pois é … Quem faz essas perguntas gosta de tranquilidade, programacao definida, sem surpresas, tipo assim: “Bem, se hoje é sexta feira de madrugada, entao isto aquí deve ser Córdoba, Argentina”. Nao lhes tiro a razao, só acho que, neste caso, deve-se viajar de excursao... De fato, eu acabara de pousar em Córdoba. E FUI SÔZINHO PARA UM HOTEL, já que minha suposta namorada não apareceu para me pegar no aeroporto. Eu não estava bem humorado naquela madrugada, tampouco a recepcionista do hotel:
--- Aquí na Argentina, todos que cruzam a Aduana recebem uma Tarjeta de
ingresso ao país.
Tentei explicar-lhe que o único documento
aceito internacionalmente para identificacao de passageiros é o Passaporte,
como aquele que eu lhe mostrava. E que provavelmente a tarjeta a que ela se
referia era para os que ingressam com carteira de identidade. Ela parecia ainda
em dúvida. Córdoba é muito longe da fronteira e eles não estão acostumados com brasileiros no dia a dia.
--- Como vou saber quem é o senhor?
--- “Bueno”, digo eu, “trinta anos atrás eu era bonito e cheio de
futuro. Passado tanto tempo, eu sou apenas este que aparece nesta foto horrível e alguns de meus dados estao escritos ahí. Outros que a senhora necessitar eu posso completar”. Notei que ela nao estava gostando da conversa, por que fechou ainda mais a cara, enquanto digitava no computador ä sua
frente. Quando terminou, virou-se para mim e disse. “O senhor deve deixar uma
diaria e meia de adiantamento”.
--- Aceita cartao de crédito? Pergunto eu.
--- Nao.
--- Quem sabe Reais? Insisto.
--- Muito menos.
Entao eu lhe expliquei com nova calma, apesar da canseira, que eu troquei apenas algum dinheiro para o taxi, por que a cotacao do aeroporto era uma vergonha e que assim que abrissem os bancos, faria um cambio apropriado e lhe pagaria
Mas, apesar de tudo, continuo achando que o melhor é nao reservar hotel e confiar nos taxistas.
Há males que vem para bem, desde que se esteja sozinho. Mais tarde eu
soube que minha amiga, que nao havia respondido minhas mensagens, estava de excursao familiar para Buenos Aires.
Entao, de que me adiantaria ficar naquela cidade grande e fria e que, afinal,
já é minha velha conhecida? Na rodoviária, tomei o primeiro önibus para San
Miguel de Tucumán. Já era cinco da manha e economizei uma diária de hotel. A
poltrona semi-leito daquele Marcopolo parecia flutuar…
Cosquin está a alguns quilômetros de Córdoba, serra acima.
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