terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pra quê trabaiá


Embora modernamente designada para expressar todos os grupos culturais baseados nas tradições folclóricas da cultura brasileira, a expressão "Caipira" refere-se, na verdade, ao caldo cultural formado pela colonização portuguesa ao longo do Rio Tietê, partindo de suas nascentes nas cercanias da capital paulista e descendo para o oeste, afim de integrar-se à Bacia do Rio Paraná, onde deságua 800 kilômetros depois. O centro da cultura caipira está localizado entre cidades de médio porte banhadas pelo Tietê, entre Sorocaba, Piracicaba, Itu e Campinas. Estas cidades serviram de entrepostos comerciais ou logísticos para o avanço da conquista portuguesa sobre as terras indígenas do interior do país, fenômeno que ficou conhecido como o movimento dos Bandeirantes, cujo principal objetivo era a descoberta de ouro e pedras preciosas, depois que fracassaram as tentativas de escravizar a mão de obra índígena. Aliás, ocorreu justamente o contrário: índios passaram a assessorar as colunas de Bandeirantes sertão afora e, nessa convivência, as culturas foram se integrando de modo a se influenciarem mutuamente. É famosa, por exemplo, a dificuldade do caipira na pronúncia de palavras que contenham as consoantes F, J, L, V e Z. Perceba que  na palavra "palha" o caipira acaba pronunciando "paia". Pois esta é uma dificuldade típica da língua tupi-guarani, trazida ao português ao incorporar ao seu mundo o universo indígena. Admite-se alguma influência negra, desde que adaptada e devidamente embranquecida pelos séculos de catolicismo. Diante da menor presença de influência africana, seja na língua, seja na dança ou costumes, já não estaremos diante da autêntica cultura Caipira. Por isso, a música sertaneja das diversas outras regiões interioranas não são consideradas como tal.  A do Rio Grande do Sul e dos Pantanais contém espanholismos demais, a do nordeste é puro norte africano árabe escaldado na Andaluzia, Bahia e adjacências estão na África negra equatorial, na Amazônia não existe espaço fora da influência indígena e por aí segue a barca da diversificada cultura brasileira. O único espaço geográfico onde se desenvolveu a cultura caipira foi o de que falamos há pouco, além das eventuais colônicas fincadas pelos bandeirantes de antigamente nos caminhos de Minas Gerais ou das incursões Rio Paraná abaixo.

A poesia e o cancioneiro Caipira estão, portanto, sob igual influência paulista, com suas sílabas mal pronunciadas e seus erros gramaticais vergonhosos do ponto de vista da cultura formal. No passado, estas características costumavam trazer certa vergonha para os ditos cidadãos bem educados, mas, nenhum artista se atreveu a "consertar" os erros do linguajar caipira. Se o grande Mário de Andrade não o fez cem anos atrás (e dizem que até os incentivava), quem somos nós para contestar? Ao longo dos anos a música caipira quase desapareceu no meio das ondas de bossa nova e rock and roll. Mas, aos pouquinhos foi se confinando em ambientes protegidos e hoje temos cadeiras universitárias de música caipira nas principais universidades de Minas, Paraná e, principalmente, interior de São Paulo. Os arranjos foram se sofisticando um pouco, introduziram-se novos instrumentos como piano e violino, mas a mensagem é a mesma e secular candice do caboclo, sua mansidão e seu jeito de boa gente. Ambição? Aparentemente nenhuma. Uma cabocla, um ranchinho para morar, um rio para pescar e uma boa rede de dormir. Ha, e uma viola, claro. Pra quê trabaiá?  




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