As cataratas eram paraguaias até a guerra de 1865. |
Quando Solano Lopes assumiu o governo paraguaio em 1862,
encontrou o melhor dos mundos. O ditador anterior, seu pai, havia desenvolvido
o Paraguai a ponto de torná-lo o país mais adiantado da América do Sul. Tinha
abundante produção agrícola, cujo excedente não podia exportar por que o país
não tinha saída para o mar. O Paraguai estava isolado por séculos de abandono
por parte da corte espanhola, que não lhe dava qualquer importância, uma vez
que não tinha ouro. O país era uma imensa floresta tropical e sua única riqueza
era a fertilidade da terra e a saúde dos seus numerosos índios. Talvez por isso
os Jesuítas tenham escolhido a área dos rios Paraná e Uruguai para montarem suas "missões", com
as quais pretendiam secretamente fundar um estado religioso no novo continente, rompendo com o império
espanhol. Por volta de 1750, 30 missões
ocupavam do noroeste do Rio Grande do Sul até Guaira (Paraná) e Encarnación (Paraguai), tendo a floresta
como fronteira natural ao oeste, onde estava a pequena capital da colônia,
Asunción, nas margens do Rio Paraguay. Neste pequeno território os chefes Jesuitas
sediados em Córdoba (Argentina) tinham à sua disposição uma população de aproximadamente
cem mil índios, dos quais 30 mil jovens treinados para a guerra.
Certamente foi ingênua a petição da Ordem junto ao Papa,
tentando conseguir autorização para comprar armas. Parece que o sumo pontífice
privilegiou sua aliança firme com o rei de Espanha, ao invés de correr novos
riscos com aquela Ordem de "malucos", que muito trabalho já tinha
dado ao Vaticano com suas propostas alucinantes, como aquela de formar uma nova
Cruzada em pleno 1550 e conquistar a Terra Santa para o cristianismo. Seja como foi, a notícia chegou ao rei, que
decretou a reclusão dos quadros jesuítas das Missões e seu regresso imediato à
Espanha. Os índios acabaram ao "deus dará", mas, depois de um século
de proselitismo, já estavam catequizados e alguns até treinados em certas
práticas culturais européias, entre elas o canto e a dança. Ao invés de retornarem à selva, muitos deles
foram parar nas cidades espanholas, especialmente Encarnación, Asunción e
Corrientes, onde se dançava a habanera, um ritmo popular entre os colonizadores
espanhóis, que lembra um pouco o atual vanerão
gaúcho. Nos salões mais finos os bailes eram abrilhantados por músicos trazidos
da Europa, onde a novidade eram as polkas
de inspiração eslava. Com o lento passar dos anos e a integração dos nativos e
colonizadores para formar uma nova nação, foi-se criando uma música típica do
Paraguai, derivada da mistura dos ritmos desenvolvidos nas missões jesuíticas, aliadas
às músicas campesinas que divertiam os trabalhadores rurais e à música urbana
dos cidadãos de primeira linha social.
Por décadas a partir da consolidação das missões jesuíticas, a polca se desenvolveu e se consolidou como o
ritmo próprio da região que vai de Corrientes até o noroeste do Rio Grande do Sul
e, ao norte, o Mato Grosso brasileiro, acessável pelo Rio Paraguay, cujo leito ainda não estava sendo assoreado pelos rejeitos das
minas de ferro do senhor Eike Batista. O oeste do Paraná, naquela época, não
passava de um matagal cheio de índios selvagens e brabos. Terminada a guerra, por mais de cinquenta anos a grande nação guarani, incluindo seus overbooks culturais nos vizinhos Brasil e Argentina, viveu no completo ostracismo e decadência. Havia dez mulheres para cada homem, se é que se pode rotular assim a garotos de 12 a 16 anos de idade, já chamados a procriar, em vista do profundo déficit de machos, dizimados sem piedade pelo império brasileiro ao final da guerra.
A década de 1920 iria trazer algum movimento novo, e não apenas por que Luis Carlos Prestes cruzava ao longo da fronteira com sua comitiva de sonhos, digo, com sua Coluna da Esperança. Foi quando os argentinos batizaram sua polca, a mesma feita no Paraguai, com o charmoso nome de Chamamé, afim de atender interesses
comerciais da gravadora RCA Victor. Houve grande mal estar nos meios artísticos
paraguaios, cujo progresso natural seria o upgrade
para carreira em Buenos Aires, onde vivem mais de um milhão de paraguaios e
correntinos, todos falantes nativos da língua guarani. Então, alguns musicistas já residentes na capital portenha, sob a liderança de José
Asunción Flores, revolveram criar uma
nova música, que representasse com todos os ingredientes a verdadeira alma
guarani. Deram-lhe o nome de Guarânia. Mas, isso já é outra história.
Fiquemos com a polka paraguaia.
Fiquemos com a polka paraguaia.
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