quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Estou indo naquele trem da meia noite para a Geórgia


O primeiro navio com escravos africanos chegou nos Estados Unidos em 1609. Pelos 200 anos seguintes o Oceano Atlântico seria cruzado milhares de vezes, com a mesma carga, os mesmos gritos diante dos mesmos açoites, a mesma e desgraçada peste corroendo os porões apertados. 

Os que vieram em dois séculos de tráfico escravo, mais os que já nasceram em cativeiro neste período, fez com que a população negra nos Estados Unidos chegasse a um milhão de pessoas, correspondente a 20% da população do país em 1800. Até a virada dos anos 1900, mais de 90% dos afro-americanos se concentravam nos estados do sul, numa espécie de gueto racial, pois os estados do norte e do oeste não permitiam a migração interna dos negros, devido ao violento racismo que caracterizava a sociedade norte-americana.

Oficialmente a escravidão se encerrou em 1865, com o fim da guerra civil, vencida pelos estados do norte. Porém, sem ter para onde ir, os trabalhadores negros permaneceram agregados às fazendas do sul, praticamente na mesma condição de escravos, agravada pelo fato do fazendeiro não ser mais o responsável pela sua alimentação, de modo que tinham que ganhar o pão de cada dia na mesma lavoura, a serviço das mesmas famílias, só que agora, seguindo a lógica do mercado. Num ano de azar, que a lavoura fracassasse, o fazendeiro podia dispensar a mão de obra. Assim, rolando de fazenda em fazenda, de lugarejo em lugarejo, iam os neo-libertos morrendo das doenças da fome e da miséria, sem preparo nem condição de migrar na direção das grandes metrópoles.

O fator fundamental para a intensa migração interna que ocorreu a partir de 1910 foi a música. Começando por Chicago e Nova Iorque, o show business foi achar nos músicos negros o novo encanto para sua magia. Junto com os músicos iam suas famílias, trabalhadores braçais, que criavam coragem e migravam também, ajudados pela igreja batista e os pastores do sul, muitos dos quais negros, que abriam espaço nas cidades racistas do norte e, aos poucos, foram se formando novos guetos, só que agora nas grandes metrópoles. Assim nasceu o Harlem, o bairro negro mais famoso do mundo.  

A formação da música negra se confunde com a história da escravidão. A única reunião social permitida eram os cultos religiosos, onde se tocava a única música permitida, os hinos cristãos, nos quais os negros logo se destacaram. Aos poucos os corais das igrejas foram escurecendo, até que começaram a aparecer corais só de negros, que cantavam músicas feitas por negros. Quando estavam nas lavouras ou nos trabalhos domésticos, os escravos repetiam aqueles cantos, mas, agora à seu modo. As saudades da terra natal e da família, as dores da servidão humana e o instinto selvagem, faziam o canto negro muito mais intenso do que o modo como os brancos o praticavam.  Logo evoluiram dos hinos europeus para um estilo próprio, gerando os Spirituals, canções religiosas que são a origem do blues, caracterizado pela profunda nostalgia.





Da mistura blues + jazz sobreviveu a raça negra, até chegar aos 40 milhões atuais de indivíduos, espalhados com sua cultura por todo o país. A música negra inicialmente também foi rejeitada pela elite branca, pelos mesmos motivos racistas. Mas, o mesmo doutor branco que torcia o nariz para comprar um disco de jazz ou blues, caia na farra de noite, onde todos os gatos são pardos. A partir da década de 1920, Paris, que era uma festa (Hemingway, Nobel 1962), começou a importar músicos negros. Depois Londres, Berlin, Viena, Amsterdan  e, finalmente, a Europa se rendia ao jazz, arrastando consigo os norte americanos brancos. Pronto, estava formado o mercado do futuro. A inspiração para os Beatles, Rolling Stones e todas as bandas de Rock and Roll veio de negros como  B.B.King, Arthur Blind Blake, Oscar Peterson, Mudy Waters, Louis Armstrong, Thelonius Monk e todos os gênios que criaram a moderna música negra.  Elvis Presley também bebeu da mesma fonte, assim como Pink Froyd e os rock-progressivos.

Hoje, quando as mocinhas adolescentes, os rapagões do surf e muita gente boa vai a shows de artistas como Ben Harper e uma infinidade de rappers, funkers e outras especialidades, que a indústria cultural não se cansa de apresentar como "novidade", talvez não saibam que a origem de todos eles está no delta do Mississipi e suas plantações de algodão. Alguns historiadores radicais acham que nasceram um pouco mais lá atrás, a bordo de um navio negreiro.


     

Um comentário:

  1. Meu amigo Laercio, gostei muito da sua cronica com relação a origem da musica americana da europa e Brasil, por isso temos que honrar a nossa misseginação e nos engrandecer por essa valorosa contribuição da raça negra, em fim somos todos irmãos.
    abs

    Ronaldo

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