Quem se aprofunda no estudo do Teatro, percebe que a arte da encenação acompanha a raça humana em seus grandes momentos, ao longo dos períodos de grande sucesso social e projeção militar, como no auge da Grécia e Roma antigas, quando existia uma verdadeira indústria cultural, com autores e atores especializados nas grandes questões morais e religiosas, matérias primas da arte. Fora do círculo da elite, o estado se encarregava de fornecer divertimento para a população pobre e ignorante, concentrando várias atrações e especializações em torno do Circo, com a vantagem que este quase sempre era móvel, podendo se apresentar nos mais distantes recantos das colônias e dos impérios. Era comum na Idade Média que pequenos grupos de artistas se deslocassem por conta e risco próprios, encantando com sua arte e magia as aldeias perdidas na grande noite européia, enquanto nos grandes monastérios católicos e palácios reais se concentravam as atrações oficiais, digamos assim. Exemplos deste comportamento ainda subsistem entre nós, como no trabalho do músico e poeta Elomar, pesquisador das nossas raízes medievais ibéricas, aqui interpretado pelo cantor Xangai, seu vizinho no interior de Vitória da Conquista, Bahia.
Talvez o exemplo mais
claro de utilização dos artistas como propaganda de seus projetos
de poder, tenha-se dado na Andaluzia, Espanha, nos séculos que antecederam a
expulsão dos árabes. Os reis católicos tinham seus valores e talentos, aos
quais pagavam e tratavam bem, assim como também o fazia com os seus os maiorais
de origem árabe. No meio do campo, zapeando entre cristãos, árabes e judeus,
viviam os artistas independentes, que contavam unicamente de suas próprias
capacidades de encantamento. Creio que fossem os melhores, além de mais
felizes, pois independentes.
Na imemorial arte italiana, o elitista e o popular também convivem par a par
ao longo da história, sendo que na chamada Commedia Erudita os atores falavam
em latim, para dificultar ainda mais o acesso dos pobres. Coube a um erudito
inglês, sir Shakespere, dar caráter igualmente respeitável ao estilo popular
italiano, quando escreveu a peça O Mercador de Veneza, onde as ações principais
se passavam em torno de personagens burgueses e seus então nascentes valores,
mas abria espaço para o cômico trio de amantes
recolhidos entre os empregados da Corte, os homens de palha (palhaços) Pierrot e Arlequim, que disputavam a
mesma moça, a serviçal Colombina, uma empregada da princesa da corte. Este é o trio central do
Carnaval de Veneza e tornou-se também o nosso, Pierrot representando o
personagem bom, generoso e ingênuo, apaixonado por Colombina, sedutora, má e
interesseira "como toda mulher", que gostaria de conquistar também ao
Arlequim, palhaço elegante, esperto e habilidoso nos jogos de poder e sedução.
Para provocá-lo, Colombina usa e abusa de seus poderes sobre Pierrot, acabando
que a vida faz a todos sofrerem sem dó nem piedade. Percebam que na tradição
italiana, os palhaços já vêm com uma lágrima marcada à tinta. O palhaço ideal é
aquele que faz a todos, principalmente às crianças, se divertirem ao máximo com
suas estripulias, brincadeiras e piadas para, em seguida, abrir o espaço mítico
ao choro decorrente de sua condição incompleta, a todos comovendo com o seu
sofrimento. Uma das cenas básicas da minha infância foi descobrir por baixo do
tablado, do outro lado do picadeiro numa tarde de domingo, o velho palhaço
sentado numa cadeira retocando sua maquiagem, enquanto fumava um cigarro,
aguardando a próxima entrada no palco. Quer coisa mais adulta e mais triste?
A força da arte aproximando extremos...ou pelo menos tentando...a tristeza vira alegria que contagia....aproxima ricos e pobres, adultos e crianças no grande circo da vida.
ResponderExcluir