domingo, 5 de fevereiro de 2012

Hai Kais


"Eu vou, Você fica. 
Dois outonos".
(Bashô, por volta de 1660)


Já viu algo mais denso para descrever a separação de dois amantes? A milenar técnica japonesa do Hai-Kai é assim. Condensa uma emoção ou uma experiência em três versos curtos. Paulo Leminski fazia hai-kais por que era lutador de Judô, faixa preta do nível mais alto, admirador da cultura nipônica, embora tivesse ascendência polaca. Domingos Pellegrini Junior também fazia hai-kais, por que cresceu no meio dos japoneses, colhendo café no norte do Paraná, embora tivesse ascendência italiana. Na juventude foi típico militante do Partido Comunista, acreditava piamente na vanguarda revolucionária que o comitê central representava,  ortodoxo e disciplinado. Adorava as histórias de Luis Carlos Prestes e sua eterna crença no socialismo. Dava sempre as mesmas palestras e limitava-se a um cálice de vinho de vez em quando. Fazia publicidade para ganhar a vida.

Propaganda também era o ganha pão de Paulo Leminski, anárquico maluco beleza admirador de Trotski e tradutor do cavaleiro andante japones Bashô. Corre uma lenda de como entrou na publicidade: procurou um amigo dono de agência e desabafou que não agüentava mais dar aulas em cursinho, ser perseguido pelas direções por que fumava maconha escondido com os piás, ou por que todos os pais pensavam que ele transava com todas as alunas. Então, queria uma oportunidade no mundo da propaganda. O empresário lhe explicava que não era bem assim, tinha que ter um preparo, entender das diversas mídias e conhecer comunicação social. "Eu sou bom em frases", dizia o poeta, "deixa eu criar as frases dos anúncios". Talvez para se livrar do amigo chato, o publicitário propôs um teste, "Você tem meia hora para criar uma boa frase no anúncio da imobiliária XYZ para a edição do jornal de domingo". Dali a 15 minutos, Leminski jogou sobre a mesa do chefe a frase "A Imobiliária XYZ acha fácil o imóvel que você acha difícil". Foi contratado imediatamente. 

Iniciava o expediente depois das duas da tarde e às dez da noite abria a primeira garrafa de vodka, quando revisava os textos literários da madrugada anterior. Lá pelas duas da manhã saia para a rua, quase sempre a Riachuelo, "das putas", onde encerrava os trabalhos pouco antes do amanhecer, n'alguma mesa onde pudesse escrever o que revisaria na noite seguinte. Quase sempre já teria detonado sua segunda garrafa, entre outros estimulantes mais pesados. Era "o bandido que sabia latim", na alcunha de Toninho Vaz, seu biógrafo e amigo, que nos conta o seguinte causo:

O evento se deu em Florianópolis, em debate literário na Universidade Federal de Santa Catarina. Da tribuna, Pellegrini, escritor laureado com vários prêmios, iniciou seu discurso e notou que Leminski dormia em sua poltrona no auditório. Espertamente mudou todo o roteiro e falou assunto completamente diferente do que esperaria o adversário, que foi acordado pelas palmas que se ouviu quando o discurso terminou. Acostumado ao ritual entre os dois, Leminski se levanta depois das palmas e inicia caótico pronunciamento, em ataque ao que pensava ter dito o orador. Não adiantava sua mulher,  Alice Ruiz, puxá-lo pelo paletó, para que sentasse na poltrona, enquanto lhe dizia "seu maluco, ele não falou nada disso".  Paulo já devia ter iniciado sua segunda garrafa de vodka e só tinha sentidos para o ataque vociferado ao inimigo, até que finalmente percebeu a platéia às gargalhadas do seu papel de bobo.  Não teve outro jeito, a não ser desculpar-se e sair de fininho.  



2 comentários:

  1. Bem menos sintético, estou sentindo.

    Amor na Dor

    Doação de amor,
    Com muito ardor,
    Elimina a dor.

    Hans

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  2. Bem menos sintético, estou sentindo.

    Amor na Dor

    Doação de amor,
    Com muito ardor,
    Elimina a dor.

    Hans

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